Trinta e cinco dias contados após aterrarmos na capital San José, já em pleno Verão, continuávamos a mercê da meteorologia caprichosa da nação Tica.
Sucessivas frentes frias vindas do norte do Mar das Caraíbas, invadiam a costa caribenha da Costa Rica e expandiam-se pelas terras altas do istmo centroamericano. Retinham-nas e ao mau tempo as montanhas da cordilheira de Guanacaste.
Alojados no sopé oriental do vulcão Miravalles, junto ao vale que o separa do vizinho vulcão Tenório, depressa nos habituámos a ver as nuvens a fluírem entre ambos e a cobrirem o cimo amplo do segundo. De acordo, a saída inaugural de reconhecimento, dedicamo-la ao Miravalles e seus arredores.
A estrada em que nos metemos a partir da pousada Agutipaca ziguezagueia num permanente drama mal asfaltado. Depois de uma subida gradual, sujeita-se a depressões fluviais e a ladeiras tão íngremes que assustam. Assim mesmo, num sobe-e-desce esburacado e infernal atinge, por fim, uma crista panorâmica sobre encostas distintas.
A de Leste, contida pela falda verdejante do Tenório. A oposta, estendida a todo o comprimento do Miravalles e por muito mais, até ao litoral distante do Oceano Pacífico.
Pelo caminho, passamos por vivendas de beira-estrada, cada qual com a sua terra de sustento, e por fazendas ganaderas com áreas desafogadas, quase sempre insuficientes, de pasto. Cruzamo-nos com um camponês ancião à entrada de uma propriedade intermédia. Uma bifurcação tinha-nos suscitado dúvidas, pelo que um seu conselho viria a calhar.
Conseguida a explicação, damos corda à conversa. “Sou Dimas, como Dimas o Bom Ladrão”, informa-nos o senhor, orgulhoso do baptismo bíblico que lhe calhara, para logo soltar uma risada que surpreende uma vaca a seu lado, prestes a dar à luz.
À Conquista da Cascata de Cabro Muco
Descemos da crista que serve de biombo ao Corredor Biológico Tenório-Miravalles até à povoação de La Fortuna. Lá encontramos Don Vilmar Villalo, responsável pela consolidação do recém-criado Parque Nacional Miravalles e por nos guiar numa das caminhadas que melhor recompensará os futuros visitantes.
Cumpridas as devidas apresentações, avançamos até ao ponto de partida. Quando deixamos La Fortuna, o dia é estival. Já sobre a falda do vulcão em que nos reencontramos, um vento repleto de rajadas borrifa-nos com chuva fina soprada de longe e de mais alto na montanha.
Experiente naquele trilho, Don Vilmar volta a validar a incursão. Seguimo-lo e às suas galochas robustas, floresta tropical adentro e acima, ao longo de um rio veloz que a chuva a montante tornava mais ruidoso.
Não o suficiente para nos demover de uma tagarelice animada sobre a Costa Rica, sobre Portugal e a Itália que o cicerone recentemente visitara. E, à falta de avistamentos da fauna residente – macacos, papa-formigas, tapires, preguiças, para mencionar apenas os mais impressionantes – sobre o ciclismo, o seu desporto favorito.
Com o acumular dos passos, de tangente, a intempérie depressa nos cai em cima. Cruzamos o rio Cuipilapa três vezes, por alpondras improvisadas que não evitaram que enchêssemos as botas de água.
Quase 5km e muita água e lama depois, o trilho leva-nos à base de uma vertente íngreme repleta de grandes calhaus polidos e escorregadios, uma quebrada sulcada pelo Cuipilapa que, a determinada altura, já sob uma bátega, nos revela uma queda d’água impressionante, tanto pelo seu volume como pela altura de que caía.
Do nada, enquanto fotografávamos, atrapalhados, contra a chuva, cinco amigos passam por nós acelerados, voltam a atravessar o rio pendente e ascendem até à base da cascata.
Um deles, entrega-se a um banho rápido de conquista. Os outros, a um chorrilho de selfies e fotografias comprovantes.
Um Regresso Diluviano
Nesse tempo, o temporal volta a agravar-se. O intensificar da chuva deixa-nos apreensivos quanto às travessias fluviais do regresso.
Completamos as fotos do lugar o melhor que o dilúvio nos permite.
A volta, cumprimo-la já em modo anfíbio, a patinarmos pelo trilho mais enlameado que nunca, sobre poças e caudal do rio que nos passavam dos tornozelos e até joelhos. Ainda assim, tudo sem percalços. Devolvidos ao ponto de partida, agradecemos a Don Vilmar. Despedimo-nos.
Secamo-nos e disparamos para um de vários almoços do incontornável e nutritivo “casado” tico, feito de arroz com feijão, de banana assada, salada e carne ou peixe à escolha.
Nessa tarde, vagueamos pela pachorrenta La Fortuna.
Percorremos ainda parte de duas estradas que irradiavam da povoação, por pastos de haciendas sabaneras (leia-se de vaqueiros) que nos desvendavam outras faldas e perspectivas do vulcão.
Miravalles: o Tecto Vulcânico da Província de Guanacaste
No que diz respeito a altitude, com os seus 2023 metros, o Miravalles é o vulcão suprasumo da província de Guanacaste. E, no entanto, só teve uma erupção, menor, de vapor, registada, em 1946, no seu flanco sudoeste.
Carece de uma cratera intacta e inequívoca e da forma cónica e emblemática da montanha vulcânica mais famosa da Costa Rica, o vizinho a sul Arenal.
Para compensar, o Miravalles dá origem ao maior campo geotermal da Costa Rica, explorado pela ICE, a empresa nacional Tica de fornecimento de electricidade. Aproveitam-no ainda diversos empreendimentos termais concorrentes disseminados pelo lado oeste do vulcão.
Na manhã seguinte, deparamo-nos com a mesma meteorologia da véspera. Uma vez mais, sem vislumbre do cume do Tenório, reabordamos o domínio de Miravalles, ainda em busca de um ponto de vista que melhor fizesse destacar a sua altitude e imponência.
O Domínio Fumarento e Aconchegante de Las Hornillas
Damos entrada nas termas de Las Hornillas. Apreciamos as fumarolas e poças de lama borbulhantes e enxofradas que deram azo ao nome hispânico do lugar.
Moídos da caminhada do dia anterior, antecipamos a experiência termal que ali nos tinha levado.
Cobrimo-nos de argila terapêutica, à conversa com Karen e Francini, duas irmãs entretidas com o mesmo passatempo. Deixamos a argila actuar sobre a pele.
Removemo-la e mudamo-nos para o tanque de água sulfurosa mais quente do complexo. Com as pernas e as costas doridas, aquele esparramar relaxante a 40 e muitos graus centígrados, soube-nos a milagroso.
Ancestral e ampla, à imagem de tantas fazendas da região, Las Hornillas contava ainda com um complemento fluvial junto à base da colina de Cabro Muco onde tínhamos começado a caminhada à cascata.
Exploramo-lo sobre um atrelado puxado por um chapulin – assim chamam os ticos aos tractores – por um percurso misto de trilho e pontes suspensas que percorre a propriedade ribeirinha.
Regressados ao quartel-general e termal de Las Hornillas, passamos do atrelado ao carro e voltamos a conduzir pelas estradas de Miravalles.
Vinício e a sua Quinta-Criação de Pavões
Em plena deambulação rodoviária, preparávamo-nos para inverter a marcha quando nos cruzamos com um jovem sabanero que carregava uma bilha plástica às costas.
Perguntamos-lhe o melhor rumo já não sabemos bem para onde. Com tempo de sobra, o rapaz, Vinício Gonzalez de seu nome, acha-nos piada e à curiosidade que mostramos pelo que fazia. Decide revelar-nos parte da sua vida laboral.
“Já viram pavões por cá? Ah já?? Ok. Mas querem ver muitos?” A proposta intriga-nos. Seguimo-lo.
Vinício conduz-nos à quinta do avô. Nas traseiras da vivenda, mostra-nos um terreno fechado por vedações altas. E, mais bizarro do que poderíamos esperar, sobre essas vedações, uma irmandade de pavões, dezenas deles estacionados em equilíbrio, intrigados pela visita surpresa.
Percebemos que o fim da tarde e a sua luz prodigiosa passavam a voar. Vinício compreende a súbita pressa. Aceita-a de bom grado até porque se tinha atrasado na tarefa que o fizemos interromper.
Miravalles a partir de Guayabo. Mais Imponente que Nunca
Dessa feita, sim. Invertemos a marcha. Em vez de rumarmos à já familiar La Fortuna, seguimos para Guayabo, uma cidade maior espraiada a partir da estrada, delimitada por um sortido de estabelecimentos comerciais. As suas fachadas, montras e nomes fazem-nos perder o foco.
De tal maneira que, já só apenas sobre o extremo oposto da povoação, nos lembramos de sondar o Miravalles. Preparávamo-nos para atalhar para La Fortuna quando, com o carro virado para norte, o voltamos a avistar.
Dali, o vulcão exibia-se como o nunca tínhamos apreciado. Cónico, destacado bem acima do casario térreo e colorido de Guayabo, a conceder um pouso limiar às nuvens que cobriam o vale Tenório-Miravalles.
Uma cumbia qualquer tocada num dos lares abaixo fazia de banda sonora do momento, do amarelar gradual da montanha, não tarda, encarniçada sob o agasalho cada vez mais rosado da nebulosidade e das fumarolas que víamos serpentear, ansiosas pelo céu.
Essa inesperada erupção de texturas e tons depressa se rendeu ao breu.
Em tantos outros vulcões activos, o escuro proporcionaria-nos visões dantescas de lava incandescente.
O Miravalles tem os seus próprios modos. Suaves e aconchegantes. Que o digam os ticos que com ele vivem.
Artigo realizado com o apoio de:
POSADA AGUTIPACA
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