São menos de quinze mil os habitantes de Basseterre.
Em dias considerados normais, a rotina da cidade flui suave e, sem forasteiros desembarcados e empulseirados, tão genuína quanto possível.
Flui algum trânsito em volta da rotunda do Berkeley Memorial e da torre-relógio e chafariz verde-dourado que lhe faz de centro.
Indiferentes ao aperto imposto pelos carros, uns poucos cidadãos sentam-se à sombra com que a torre os prenda, reforçada por duas palmeiras com copas deformadas pelos sucessivos temporais e vendavais, mas que condizem com o monumento.
Limita a rotunda um casario histórico uniformizado, feito de edifícios de dois andares. Compõe o térreo, um padrão harmonioso de blocos basálticos de distintos tons de castanho.
Acima deste, um outro, de madeira, por norma, pintada de branca, aberto para varandas compridas ou sequências de janelas pintadas.
Cobrem-nos telhados também alvos de grandes chapas que, substituíram as telhas seculares.
Os Núcleos Históricos “concorrentes” de Basseterre
Basseterre foi delineada numa grelha geometrizada, hoje, com dois centros principais.
The Circus, a área disposta em redor do Berkeley Memorial e a Independence Square, o outro núcleo histórico, de uma imponência superior.
Sobretudo, se tivermos em conta que agrupa a catedral – a típica igreja anglicana de Saint George, o tribunal da cidade e boa parte dos seus edifícios mais antigos.
Uma das três ruas que se encontram na rotunda de Berkeley é a Fort Road.
Por ela acima, afastamo-nos do Mar das Caraíbas para um plano mais elevado da capital.
Na direção da pista do aeroporto que, a norte, a aparta da cordilheira vulcânica luxuriante da ilha e limita a expansão da urbe.
À imagem do sucedido em qualquer capital, mesmo nestas ínfimas Antilhas Menores, o velho centro The Circus transformou-se no seu cerne comercial.
Basseterre, St. Kitts: Pela Fort Rd. Acima e Abaixo
A Fort Rd. acolhe uma sequência de pequenos negócios, boutiques, cafés, lojinhas de telemóveis e electrónica, a excepção de uma pizzaria multinacional e, claro está, uns dois restaurantes chineses, incluindo o “My Way“, repleto de “Oriental Delicacies”.
Mesmo arrumados e bem-situados como os encontramos, estes estabelecimentos têm extensões em bancas de rua.
Uma delas, está repleta de ténis de marcas famosas, cobiçados pela juventude local e guardados à altura por duas vendedoras sentadas em extremos opostos.
Outra, adaptada uma mera mesa quadrada, tenta impingir cabeleiras expostas e penteadas em cabeças-manequins caucasianas.
Posicionada logo ao lado, uma jovem autoridade da cidade parece examiná-las. A agente 967 da força policial da nação acede ao nosso pedido especial. Revela-nos que se chama Oksana Doyling.
Seduzidos por um pedaço inesperado de conversa e de diversão, afiançamos-lhe que, há já meses de viagem pelas Antilhas, que, naquela farda, com aquela pistola, rádio e livrinho de multas, ela tinha, de longe, a mais incrível elegância e pinta policial que alguma vez tínhamos visto.
A mini-agente bem tenta, mas falha em conter uma gargalhada descontrolada.
“Oh! Parem lá com isso e com as fotos também senão ainda vos multo é a vocês!”, roga-nos, quase a chorar de riso, já arrependida da permissão que nos havia concedido e envergonhada pelas piadas que lhe dedicavam transeuntes bem-dispostos.
Uma Capital Preocupada com o Estilo
Passavam por nós miúdos compostos em uniformes escolares de inspiração britânica, adolescentes sem pressas que exibiam as suas rastas e restantes visuais rastafarianos.
A espaços, também um ou outro funcionário de instituição ou repartição que o ofício obrigara a trocar a t-shirt e os chinelos por trajes mais opressivos.
A determinada altura percebemos que o vestuário, os cabelos, e o estilo em geral eram o tipo de negócios predominante em Basseterre.
Uma loja relembrava, num cartaz enrugado, a sua preponderância.
Nele, uma mulher negra, tão reluzente como o grande sapato de salto-alto em que se recostava, ilustrava um chavão atrevido: “Style… never let me down!! My Store…never let my style down!!”
Alinhados do lado de lá da rua, à espera que um semáforo abrisse, contra as fachadas de uma tal de Claxton’s Arcade, cada indivíduo fazia luzir o seu estilo, mais ou menos cuidado, mas sempre alegre e colorido.
A Cidade calma e Pitoresca que os Sucessivos Cruzeiros Agitam
Com os cruzeiros que sulcam o Mar das Caraíbas ainda ao largo, era assim que a própria Basseterre se exibia.
Mal os gigantescos navios atracavam no seu porto de águas fundas, às vezes aos pares, a cidade via-se invadida por forasteiros ávidos por comprar, mas receosos.
Conscientes desta realidade, as multinacionais donas das embarcações e as autoridades de St. Kitts tinham dotado o porto de uma vasta praça comercial.
Um apêndice arquitectónico moderno e em tudo desfasado da Basseterre histórica e em que procuravam manter os passageiros e os seus gastos, em detrimento da cidade real, chamemos-lhe assim.
Escusado será dizer que, nem sempre a demarcação entre este subdomínio pré-atribuído e as iniciativas externas funcionava.
Discussões e Inesperadas Macacadas em Pleno Porto
Numa tarde em que procurámos autorização para subir a um dos cruzeiros para, do seu cimo, fotografarmos a Basseterre espraiada entre o mar e o monte vulcão Olivees, deparamo-nos com uma confusão que se parecia agravar.
Um grupo de empresários da ocasião afluíam a saída da doca, cada qual com o seu macaco-verde ao ombro. No passado, tinham-se habituado a convencer os passageiros a pagarem-lhes para se fotografarem na companhia dos símios. De início, eram apenas um sapiens e um seu mono servo.
À medida que o lucro fácil passou palavra, surgiram mais destas duplas. Concorrentes, conflituosas, prejudiciais ao fluxo negocial pouco inclusivo por ali montado. Surgiram uns poucos seguranças. Logo, alguns mais. Procuraram desmobilizar os donos dos macacos só com conversa.
Quando a conversa se alongou em demasia ou deixou de funcionar, aí, descambou num receado fim da macacada. Pancadaria, símios aos guinchos, em fuga e em risco de morderem passageiros, tudo num modo acelerado que terminou com a expulsão, provável prisão, dos alegados transgressores.
Nessa mesma tarde, os cruzeiros zarpariam.
Basseterre regressaria à sua tranquilidade. Pelo menos, à sua paz latente.
Basseterre em Risco: Vulcões, Sismos, Furações. E ainda Atribulações
Pejado e cercado de vulcões – o mais elevado, com 1156m, o monte Liamuiga – o arquipélago de São Cristóvão e Neves vê-se, com frequência, assolado por sismos devastadores. Fica, aliás, a pouca distância da ilha de Montserrate que tem a única capital ainda oficial arrasada pela erupção de um vulcão
Como se não bastasse, situado no cimo da alpondra insular das Pequenas Antilhas, está em plena rota provável dos furacões que, entre Junho e Novembro, por ali semeiam uma destruição semelhante à provocada pelo duo Irma e Maria (ambos em 2017) e que constatámos nas Antilhas mais a norte e a oeste.
No decurso da sua história, quando não foram os sismos e os furacões a destruí-la, assolaram-na incêndios incontroláveis. Ou as guerras entre as duas grandes potências coloniais que o disputaram.
O Longo Conflito Colonial entre Franceses e Ingleses
Como o nome deixa transparecer, os franceses fundaram Basseterre, em 1627, enquanto capital da colónia caribenha de Saint Cristophe.
Pouco depois, promoveram-na a capital das Índias Ocidentais Francesas de que faziam ainda parte Martinica e Guadalupe, ambas a sul, duo das actuais Antilhas Francesas.
Desse mesmo ano até 1702, os ingleses forçaram os franceses a partilhar o arquipélago.
Em 1783, por fim, após sucessivas e acesas batalhas e no contexto de uma disputa mais ampla pelos territórios das Caraíbas, os ingleses dotaram-se da recém-erguida Fortaleza de Brimstone Hill e triunfaram sobre os franceses em definitivo.
Mantiveram a posse de São Cristovão e Neves até à independência, concretizada em 1983.
Tinham decorrido cento e cinquenta anos desde a abolição britânica da escravatura.
A maior parte dos colonos e fazendeiros abandonaram St. Kitts e as Índias Ocidentais.
Consolidou-se o predomínio absoluto dos habitantes descendentes dos escravos trazidos de África para trabalharem nas plantações de cana-de-açúcar.
A Herança Multimilionária mas Controversa do Açúcar
O açúcar era, desde 1655, a principal exportação do arquipélago, diz-se que por altura da Revolução Americana, produzido em 68 plantações, uma por cada km2 de St. Kitts.
A prosperidade secular do arquipélago, assente na escravatura, é parte da razão porque evoluiu para a capital financeira das Caraíbas Orientais, sede do Banco Central desta região.
Apesar da afro-anglicização generalizada das ilhas, Basseterre preservou o seu baptismo francês.
Mais de 92% dos seus habitantes têm origem africana, uns 3 a 6% são considerados mestiços e os restantes, europeus ou indianos.
Enquanto deambulamos pela Fort Street, cruzamo-nos com uma moradora mestiça que nos revela um apelido familiar. Encontramos Winnielle Pereira à porta da sua boutique.
Winnielle e os Pereiras de São Cristóvão e Neves
Entusiasmada, Winnielle informa-nos que o seu avô materno era J. Pereira.
Que era proprietário de uma das plantações e fazenda mais influentes de São Cristóvão, a Fountain State, situada na encosta de uma colina a norte de Basseterre, a Monkey Hill.
Desde a passagem por Charlotte Amalie, capital das Ilhas Virgens Americanas que nos vínhamos a inteirar da diáspora dos judeus Sefarditas, expulsos do Brasil pelos portugueses.
E de como, várias comunidades se tinham instalado em ilhas caribenhas em que famílias com apelidos como Pereira, Silva e afins se multiplicaram e se tornaram influentes.
Quanto mais com ela conversávamos mais nos convencemos que a história secular e intrincada dos Judeus e dos Pereiras em São Cristovão e Neves e nas Caraíbas, merecia todo um artigo ou até um livro.
O artigo, mantemo-lo numa lista de próximos a publicar.