Deixamos Moçâmedes mais tarde do que estávamos a contar.
Apontados ao sul, sulcamos a paisagem inóspita, numa corrida contra o declínio do sol. Iminente, o ocaso dourava e embelezava aquele grande nada sem apelo.
Quando o astro, por fim, se despede, subimos o primeiro dos morros em que se encaixa o casario de Curoca.
Homónima de um outro município angolano situado sobre a fronteira com a Namíbia, este povoado adaptou o nome do rio efémero que por ali passa, pouco antes de se entregar ao Atlântico.
Mesmo humilde e algo incaracterística, Curoca esconde os seus encantos. Haveríamos de lá regressar.
Conscientes do muito que faltava para o destino final, cruzamos o povoado. Prosseguimos EN100 abaixo, à velocidade possível.
O piso provisório revelava-se de tal maneira áspero que, Alexandre Rico, o guia que nos conduzia, preferia tomar escapatórias arenosas, paralelas à estrada.
Chegada ao Acampamento da Orca de Gilberto Passos
Nativo da província, filho de pai angolano e mãe da Namíbia, Alexandre conhecia o terreno.
Malgrado o escuro e, a determinada altura, uma certa indefinição do caminho gerada pelo movimento das areias, 150km e mais de três horas depois, chegamos ao domínio do acampamento Orca e da sua famosa Gruta.
Lá nos recebem o sr. Gilberto Passos e a esposa Isabel. Corteses, aceitam as desculpas devidas pelo atraso. Logo, inauguram um périplo explicativo.
O acampamento Orca fica situado no extremo norte do imenso Iona, o maior parque nacional de Angola. Angolano natural de Malange, Gilberto foi, durante 15 anos, o concessionário exclusivo e administrador.
A sua administração durou o que durou. De 1975 em diante, o alastrar e agravar da Guerra Civil Angolana ditou a captura sistemática de animais do parque, enquanto meio de alimentação de tropas e de caça furtiva geradora de rendimentos.
A guerra arrastou-se até 2002. Mesmo após o seu término, o extermínio da fauna prosseguiu. Só a partir de 2010 começaram a estabelecer-se parcerias financeiras e operacionais com instituições da União Europeia e outras, na esperança de que o parque recuperasse a anterior riqueza animal.
No entretanto, Gilberto preservou o direito de explorar o acampamento Orca, ainda disposto em redor de uma colina formada por incontáveis rochedos ocres e arredondados.
Uns poucos, situados na frente de quem chega e mais emblemáticos, formam a Gruta, o albergue lítico e reputado em que iríamos pernoitar.
Gilberto e Isabel mostram-nos distintos quartos, que nos dão a escolher.
Na sequência, conduzem a comitiva à sala de jantar. Enquanto inspeccionamos várias fotografias de encontros com personalidades de visita à Gruta, os anfitriões ultimam uma surpreendente refeição.
Estávamos bem para o interior do inóspito Namibe.
Não obstante, apoiado por uns poucos funcionários, o casal prenda-nos com uma cataplana digna das melhores marisqueiras, seguida de deliciosas peras doces.
Noite aquecida e Animada em Volta da Fogueira
À entrada do Inverno do Hemisfério Sul e do Cacimbo, faz frio no deserto. Gilberto e Isabel convidam-nos a continuarmos à conversa junto de uma grande fogueira que acendem ali por perto.
Gilberto conta-nos episódios e peripécias da sua já longa vida angolana.
A sua carreira de músico e como lhe permitiu conviver com outros músicos de renome e entreter e animar os militares angolanos, em distintos lugares de Angola e da Guerra Colonial.
Toca-nos e canta alguns êxitos de Zeca Afonso, de Cesária Évora, Duo Ouro Negro e outros.
Derreados da viagem desde a longínqua Moçâmedes, embalados pelas suas melodias, cedo nos entregamos ao sono.
Adormecemos sem nos decidirmos sobre o que era mais especial, se aquele lugar só por si, ou a honra de assim o descobrirmos.
Fosse como fosse, esforçamo-nos por despertar antes da aurora.
Aurora do Cimo do Monte Cársico de “A Gruta”
A essa hora, já uns poucos funcionários tratavam de uma bomba d’água. Indicam-nos a melhor maneira de subirmos ao cimo do monte cársico em que se enquadrava a Gruta.
Afugentamos uns poucos damões-do-cabo (hyraxes) surpresos.
Do topo, contemplamos, a 360º, o Namibe a perder de vista.
Não tarda, apreciamos o Sol emergente dourá-lo e às suas linhas de acácias.
Na distância, três ou quatro burros percorriam a vastidão em busca de água.
Estendemos a contemplação tanto quanto podemos.
Quando regressamos ao solo, pela vertente oposta à da subida, ficamos de frente para uma espécie de estacionamento-museu do acampamento.
Lá se alinhavam quatro velhos camiões, usados, amiúde, durante os anos em que Gilberto foi responsável pelo PN Iona.
Animado pelo expectável convívio e por um debate aceso sobre qual a melhor sequência para o itinerário que íamos seguir, o pequeno-almoço retém-nos para lá hora estimada.
Despedimo-nos, agradecidos por tudo, de Gilberto e de Isabel.
Em Busca do Rio Curoca e das Termas de Pediva
Revertemos na EN100. Por pouco tempo. Instantes depois, Alexandre flecte para leste. Entramos num desfiladeiro arenoso e, por comparação, apertado.
Esse desfiladeiro leva-nos a um trecho distinto do rio Curoca, uma das suas poucas secções que, abastecida por nascentes, se mantinha com caudal.
Brotavam, dali águas quentes.
O pequeno oásis fluvial ladeado de palmeiras ficou assim conhecido como Termas de Pediva. As suas águas, tanto as termais como as convencionais, sustentam um ecossistema, em tempos, prolífico.
Como parte do esforço internacional de recuperação, as autoridades instalaram nas imediações uma estação de rangers do PN Iona.
São dois rangers de serviço, fardados a condizer, que registam a nossa visita e passagem.
De Pediva, inauguramos o regresso, por um caminho, em parte diferente em que nos cruzamos, com vacas, com burros, umas poucas zebras e gazelas que sulcavam um raro feno ondulante, legado por chuvas recentes.
Dois furos aborrecedores voltam a atrasar-nos.
Mesmo assim, por volta das quatro da tarde, estamos de regresso a Curoca.
Algum vento areja a povoação.
Refresca os angolanos que a habitam, gente simples, habituada a que jipes apareçam e deambulem entre o seu casario, em busca de informações, mantimentos ou, como acabou por também nos acontecer, uns jipes aos outros.
As Colinas Descomunais e o Oásis de Curoca
Convergimos para uma das atracções geológicas que deram fama a povoação, as Colinas de Curoca ou, como são igualmente tratadas, Vale do Espírito.
São na prática, um alinhamento colossal de desfiladeiros.
De canyons multicolores de que se destacam formações peculiares, pejados de fósseis que o recuo dos oceanos por ali deixou.
Um tesouro a que moradores de Curoca estão por dar o devido valor.
Cruzamo-nos com um trio de moças que carrega pilhas de galhos sobre as cabeças, fontes de fogo, de aquecimento e de comida cozinhada que substituem outras mais modernas e fáceis.
Atravessamos toda a povoação.
Espantamo-nos ao constatarmos como o leito do rio a torna um oásis, retalhado em pequenos hortos e plantações abastecedores de Moçâmedes e até, mais a sul, de Tongwa, a velha Porto Alexandre colonial.
Num caminho terciário, arenoso e estreito, uma manada de vacas bloqueia-nos a passagem.
Com esse tempo adicional perdido, ao chegarmos aos Arcos, a formação já está a sombra.
Da lagoa, demasiado usada para incontáveis irrigações, nem sinal.
Ainda batidos pelo sol, dezenas de jovens disputam uma partida de futebol poeirenta, na base de falésias opostas.
Voltamos a Moçâmedes.
Recuperamos os pneus e do cansaço.
Na manhã seguinte, retomaríamos a deambulação pelo Namibe, com reentrada Parque Nacional Iona pela entrada norte que dá acesso ao seu imenso domínio dunal.
COMO IR
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