Usakos impõe um novo “até já” da Namíbia urbanizada.
O seu casario colorido e pitoresco, com óbvia arquitectura colonial, seduz-nos a lhe dedicarmos algum tempo. Percorremos duas ou três das suas ruas centrais, todas com nomes que confirmam a génese germânica da povoação: a Kaiser Wilhem, a Goethe, a Leutwein.
Até que a imponência e importância do verdadeiro destino nos resgata da ilusão e faz retomar a jornada. Regressamos à estrada B2 que nos embalava desde a já longínqua cidade de Okahandja. Pouco depois, como acontece amiúde na Namíbia, essa via de categoria B condena-nos a uma D, a D1918.
O asfalto dá lugar a uma pista de brita fina, escorregadia, geradora de um rasto de poeira que a brisa eleva e dispersa sobre a planície desértica. Cruzamos a região namibiana de Erongo. A partir de então, apontados a norte em vez de ao oceano atlântico.
A pista ondula ao sabor dos caprichos da planície. Sem aviso, de um desses cimos, vislumbramos o alinhamento de picos rochosos que procurávamos, formado, em boa parte, pelas montanhas Pontok.
A luz matinal e lateral, ainda suave, alaranjava o conjunto.
Conscientes de que, em breve, o sol passaria para norte e para as costas da formação, fotografamo-la vezes sem conta, das perspectivas mais interessantes.
Apesar da distância, um dos picos, sobranceiro e aguçado, destacava-se.
Um Matterhorn Granítico da Namíbia
Tratava-se do Spitzkoppe, traduzível do alemão como “cúpula pontiaguda”.
Uma ilha de granito que alcança os 1728m de altitude, o seu cume afiado elevado a uns 670 m acima do deserto amarelo-ocre de Namibe, com a companhia de um Pequeno Spitzkoppe menos aguçado que se fica pelos 1584 metros.
Durante a era colonial da África Ocidental Germânica (1884-1915), os alemães terão provavelmente reparado na semelhança da forma do pico maior com a montanha-símbolo da Suíça.
Não obstante, só mais tarde, em 1946, foram registadas menções ao cognome pomposo de “Matterhorn da Namíbia”.
Daí em diante, a notoriedade da montanha continuou a avolumar-se. Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke, por exemplo, prestaram-lhe uma inusitada homenagem.
Em 1968, usaram fotografias de várias perspectivas do Spitzkoppe e montanhas vizinhas como fundos para ficção-científica arrojada de “2001, Odisseia no Espaço: A Aurora do Homem”.
Ainda no mesmo entretém fotográfico, cruzamo-nos com um pastor que conduz uma fila indiana de cabras a paragens com arbustos folhosos comestíveis.
Rebanhos como aquele asseguram a sobrevivência de várias famílias das redondezas.
De Fazenda Criadora de Gado a Povoação Turística do Povo Damara
Têm pouco que ver com a opulência dos tempos pioneiros de Spitzkopje, um entreposto ganadeiro fundado, em 1896, por uma tal de Colonial Society, no âmago de uma fazenda com 120 mil hectares, dotada de estábulos e outras infraestruturas que, à viragem para o século XX, acolhia 1500 cabeças de gado, 4000 ovelhas e cabras e 120 cavalos.
Consumada a derrota da Alemanha na 1ª Guerra Mundial, à imagem de todo o território namibiano, a fazenda ficou sob administração da Liga das Nações.
Em 1964, já sob vigência da África do Sul, a fazenda viu-se abrangida pelo Plano Odendaal, delineado com o fito de garantir territórios que a população nativa pudesse habitar e explorar.
Os proprietários de então foram expropriados. Seis anos decorridos, as autoridades convidaram diversas famílias damara a lá se instalarem.
A realidade económico-social de Spitzkoppe é, hoje, díspar.
Chegamos ao povoado homónimo, gerado pelo magnetismo turístico das montanhas.
Habitam-no, ainda os damara, em lares com visual abarracado.
Subsistem de uns poucos préstimos de serviços, da venda de pedras exuberantes e de algum artesanato elementar.
Encontramos o derradeiro trecho para a recepção do complexo Spitzkoppe ladeado de vendedores que expõem em bancas de pau-a-pique, que seguram e exibem as suas peças o mais próximas possível de quem passa.
Também uma comunidade de Himbas ali se instalou, deslocada da sua região natural de Kaokland,(situada mais para o noroeste da Namíbia), em função do dinheiro pago pelos forasteiros que aproveitam para visitar a aldeia e apreciar o seu modo de vida peculiar.
Do Arco ao Little Bushman Paradise
Inauguramos um périplo em volta da base da montanha Spitzkoppe e de parte das montanhas Pontok que nos revela os pontos geológicos, arqueológicos e históricos imperdíveis.
Cada qual revela a sua vista particular para o pico protagonista.
O primeiro que encontramos é o Arco, uma formação erosiva virtuosa com acesso escorregadio.
Enquadra parte das montanhas Pontok.
Serve de lar a uns poucos damões-do-cabo, habituados a apreciar as ascensões e descidas trapalhonas dos visitantes à varanda panorâmica da sua moradia.
Do buraco de agulha do arco, víamos a base do maciço granítico de Spitzkoppe.
É para lá que avançamos, apontados à entrada vedada e guardada por funcionários do parque, do Small Bushman Paradise (Pequeno Paraíso dos Bosquímanos), um de vários núcleos de pinturas rupestres que os caçadores-recolectores San executaram sobre a rocha há entre 2000 e 4000 anos.
Por comparação, os paredões oxidados que usaram como tela terão, pelo menos, 120 milhões de anos.
Samuel, o guia damara que nos recebe, revela-nos pictogramas tom de sangue de boa parte dos animais com que os bosquímanos conviviam e que se habituaram a caçar:
homenzinhos a perseguir antílopes e, entre outros mais, facilmente identificáveis pela sua forma característica, rinocerontes.
Mais Pinturas Rupestres Bosquímanas no Bushman Paradise
Despedimo-nos e prosseguimos. Desta feita, em busca do Bushman Paradise. Na sua senda, contornamos a vastidão de granito para o seu limiar oriental.
À hora a que chegamos à estação correspondente do complexo, a guia algo gorducha mostra-se assombrada pela nossa aparição. “…só faço isto porque não achei outra coisa. Como veem não sou propriamente atlética. Só hoje já subi e desci quatro vezes!” lamenta-se.
Sentimo-nos solidários, Nem por isso, desarmamos. A guia conforma-se. Segue-nos, vertente acima, a puxar pela corrente de apoio colocada para evitar quedas potencialmente mortais.
Ao atingimos a zona intermédia, mais plana em que se escondiam as pinturas rupestres locais, são os castros naturais de rochedos arredondados e os panoramas namibianos a perder de vista que nos encantam, mais que as obras milenares dos bosquímanos.
No regresso à face sul, espreitamos duas velhas sepulturas militares, da altura em que uma fortaleza defendia a enorme fazenda da Colonial Society.
De volta à saída, distrai-nos um bando sarapintado e ziguezagueante de galinhas de Angola.
Apertados pela exigência de um roteiro com milhares de quilómetros, entre Windhoek e o extremo nordeste da Namíbia, partimos, apressados, rumo a Swakopmund.
Vários Dias depois, o Regresso ao Grande Spitzkoppe
De tal maneira deslumbrados com o majestoso Spitzkoppe que forçamos um fim de dia posterior passado na sua base. Encaixamo-lo no término da viagem de regresso entre o longínquo Parque Nacional Bwabwata (Faixa de Caprivi) e Windhoek.
Ora, tínhamos percorrido apenas parte do trecho a partir de Uis e já dávamos a aposta como ganha.
Deixamos esta povoação com atmosfera de Faroeste africano. Pouco depois, a estrada D1930 em que nos metemos revela-se uma montanha-russa deserta. Sulcava uma quase savana pejada de gazelas, babuínos e de abetardas surpresas.
Tal como acontecera na primeira viagem de Windhoek, mas invertido, vemos a formação Spitzkoppe-Pontok aproximar-se, definir-se, rasgar o céu azulão sem pingo de nuvem.
Chegamos ao acampamento em que pernoitaríamos com o sol a mergulhar para trás dos maciços rochosos a oeste da formação.
Cirandamos entre as tendas, por trilhos que conduziam ao seu sopé. Subimos e descemos rochas nas beiras dos trilhos, tudo em função de como o céu se afogueava e fazia das montanhas monumentos efémeros do negrume.
Quando, com a aurora e o nosso despertar, a noite se volta a render, reparamos em pormenores decorativos do acampamento que nos tinham passado: as caldeiras das tendas e a água dos nossos duches, aquecidas sobre fogueiras.
Um velho moinho de vento acima de candeeiros feitos de troncos retorcidos.
Ali mesmo, por diante e acima, o grande Spitzkoppe rosado pelo sol rasante.
Um seu encantador reflexo num espelho-de-água esquivo, de um azul bem mais escuro que o celeste.
FICHA DE DESTINO
1 – Windhoek
2 – Usakos
3 – Spitzkoppe
TAAG – Linhas Aéreas de Angola: Voo Lisboa – Luanda – Windhoek (Namíbia) em TAAG: www.taag.com por a partir de 750€.
Reserve o seu programa de viagem na Namíbia com a Lark Journeys: www.larkjourneys.com Whats App: +264 81 209 47 83
FB e Instagram: Lark.Journeys