Por volta das dez da manhã regressamos do derradeiro safari.
Despedimo-nos do imenso Parque Nacional Hwange. Espera-nos uma avioneta mínima, daquelas que só levam quatro passageiros, os dois atrás, já meio apertados.
O destino fica a mais de 2h30 para nordeste do Zimbabwé.
Se no voo de Victoria Falls para o PN Hwange nos tinha calhado um piloto com cara demasiado juvenil, neste, parecia ter demasiada idade para comandar o voo sem co-piloto e para o nosso gosto.
Mal tivemos tempo para hesitar. O piloto tem tudo pronto. Foi só enfiar as malas no porão diminuto e descolámos. Eu, Marco, no lugar do co-piloto. A Sara atrás.
Num trecho inicial, a avioneta progride em céu limpo, com vista para o Lago Kariba, à esquerda e a Norte. O lago fica para trás. Dá lugar a uma sucessão de falésias que introduzem um planalto rochoso.
Em vez do céu limpo, entramos numa área pejada de nuvens densas que fazem a avioneta saltar.
A combinação da turbulência com o dramatismo da paisagem abaixo e a idade avançada do piloto, geram em nós ansiedade.
Com o painel de comandos ali tão exposto, só para o caso, dedico-me a estudar os instrumentos e como o piloto os usava. Uma autoformação de pilotagem clandestina, inesperada e breve que nunca chega a ser necessária.
Mana Pools: os Pés em Solo Firme, à Beira do Zambeze
Sobre a hora marcada, aterramos na pista de terra vermelha, meio ervada do Parque Nacional Mana Pools. Coincidência das coincidências, o guia que nos espera chama-se Cloud.
Conduz-nos a nós e ao piloto, até ao Mana River Camp que nos ia acolher, às margens do rio Zambeze que, por ali, separa o Zimbabwé da Zâmbia.
Como é apanágio dos lodges e acampamentos do sul de África, seis ou sete empregados dão-nos as boas-vindas, ao som de um dos instrumentos tradicionais da etnia Xona predominante no país.
Soa uma mbira, também conhecida por kalimba, feita de hastes de metal finas e de distintos tamanhos, colocadas dentro de uma meia cabaça que serve de amplificador.
Instalam-nos numa tenda de campanha situada na margem elevada do Zambeze. De acordo com a época seca, o rio tinha diminuído. Dividia-se em duas ou três secções de caudal, uma, logo abaixo.
Mal temos tempo para avaliarmos o terreno em redor.
A Primeira Saída do Dia
O safari da tarde partia às quatro, liderado por outro guia, King, que nos aguardava, com a companhia inquieta de um casal suíço e de uma australiana. Saímos de jipe, na maior parte do trajecto, ao longo do Zambeze.
Damos com bandos de marabus atentos a peixes-gato aprisionados em charcos e zonas lamacentas. Com crocodilos e cegonhas-de-bico amarelo.
Mais afastadas do rio, manadas de elefantes pastam na erva alta.
Cruzam uma das estradas de terra que serve o acampamento, a caminho de um dos seus lugares de pernoita eleitos.
Sem que o esperássemos, King anuncia-nos que regressaríamos a pé. “Sim, vimos elefantes e também existem leões. Mesmo assim, não têm que recear!” tenta tranquilizar os passageiros desconfiados.
“É um dos modos de descoberta do parque Mana Pools de que mais nos orgulhamos e, não… nunca tivemos incidentes. Eu tenho uma espingarda, só para o caso. Como é, vamos?”
Fomos. Em fila, atrás do guia. Malgrado a mentalização, a perscrutar tudo o que era árvore e arbusto, não fosse um grupo de leões lembrar-se de nos emboscar. Estávamos, aliás, na iminência do ocaso.
Todos sabíamos que os leões preferem caçar com pouca luz. E pela fresca.
O Pôr-do-Sol que tinge a Noite Aquecida pelo Convívio
Mesmo entre os paquidermes e, estimamos que no seio de predadores, voltamos incólumes ao acampamento e à tenda que nos calhara.
Ainda a tempo de vermos o sol descer para trás da vegetação que envolvia o rio, o seu reflexo incandescente, alongado sobre o caudal, a gerar silhuetas de tudo um pouco, incluindo de uns tantos crocodilos emersos.
Neste deslumbrante fim-do-mundo zimbabuano, não existe água canalizada nem electricidade. Vêm-nos encher um grande balde com água aquecida. Esse cuidado, concede-nos um banho curto, mas revigorante.
Pouco depois, juntamo-nos todos – nós, os suíços, a australiana e o guia Cloud – em redor de uma fogueira providencial. Servem-nos bebidas que antecedem um jantar animado, na tenda principal e comunal do acampamento.
Entretidos com aquele repasto e convívio internacional, não damos pelas dez da noite. Aos poucos, os convivas retiram-se. Quando regressamos à tenda, por fim, o cansaço do dia epopeico atropela-nos.
Aterramos na cama aconchegante. Dormimos tanto quando podemos.
Novo Safari, em Busca da Vida Selvagem de Mana Pools
Com o safari da manhã marcado para as 6h30, muito menos do que precisávamos. Uma hora antes, percebemos o sol a surgir acima do rio, do lado oposto ao do ocaso.
Levantamo-nos à pressa, decididos a vermos se a aurora fluvial nos reservava surpresas.
Uma pandilha de babuínos cruza a área das tendas em busca de pequeno-almoço.
Fechamos a tenda a salvo das suas pilhagens e saímos para o nosso.
Em seguida, reembarcamos no jipe para nova incursão liderada por guias quase homónimos: King e Kingslee.
Voltamos a encontrar bandos de cegonhas-de-bico amarelo, abundantes e hiperactivas naquela vastidão sulcada pelo Zambeze.
Ocupam pousos estratégicos no cimo de grandes árvores secas e desfolhadas, acima dos rivais marabus, estes, agrupados no solo, cada qual, na sua plumagem, de cangalheiro.
Os guias conduzem-nos a um meandro em que o rio surge dividido por ilhas longilíneas e ervadas. Manadas de búfalos pastam, por ali, mais alimentados e a salvo dos leões do que estariam em qualquer das margens.
Outra secção, ocupa-a uma manada de elefantes ainda mais despreocupados com a iminência de predadores.
Parque Nacional Mana Pools e o rio Zambeze, a sua Artéria Vital
O Zambeze é, tal como o víamos, retalhado pela seca ou num todo alagado da época das chuvas, a razão de ser do Parque Nacional Mana Pools.
Todos os anos, chegada a pluviosidade, o rio inunda. Alimenta uma série de lagoas que drenam a ritmos distintos.
Quatro delas, mais amplas que as restantes, mantêm-se durante a época seca.
Fixam acácias, figueiras-selvagens, embondeiros e mognos.
Elefantes (mais de 12 mil durante a época seca), hipopótamos, búfalos, crocodilos, para mencionarmos apenas umas poucas das grandes espécies que convivem com uma miríade de aves, em boa parte, aquáticas.
Dezenas de leões patrulham as lagoas, atentos às presas que se expõem quando as visitam para beber.
O nome da região numera-as. Mana é a palavra do dialecto xona – também falado em Moçambique – para quatro: Chisasiko, Chine, Green Pool e Long Pool, a maior.
Pródiga em água e vegetação, a região não tem, num enorme raio, qualquer povoação ou presença humana que interfira.
O que explica porque, durante o Inverno local, abriga uma das maiores concentrações de biodiversidade, de vida selvagem, do continente africano.
De tal maneira especial, que a UNESCO considerou Mana Pools Património da Humanidade.
Paramos para esticar as pernas e para um snack, pouco acima da Green Pool, o suficiente para desmotivarmos crocodilos-do-Nilo e hipopótamos de nos visarem.
Numa pseudo-floresta de acácias moribundas e desfolhadas, várias inhalas correm, desalmadas, com passos marcados pelas suas peculiares “meias amarelas”.
Cruzamo-nos com mais elefantes.
Eram tantos, em Mana Pools, que, quando retornamos à tenda, damos com dois a cirandarem em volta. Para entrarmos, temos que nos esconder e esperar que se afastem.
Da parte da tarde, por fim, encontramos grandes predadores.
Dois leões disputam acasalamento com uma fêmea indecisa.
Desprovido de tendas de campanha decoradas na perfeição e acolhedoras como o lodge das Somalisa Expeditions de que provínhamos, o acampamento local ainda guardava trunfos para conquistar os hóspedes.
Ao regressarmos à tenda de refeições, informam-nos que jantamos à beira-rio. Quando lá chegamos, temos todo um repasto tradicional à espera, com churrasco, um bufê de saladas e sobremesas.
Jantamos com o rio a fluir a poucos metros. Com a banda sonora de uns poucos hipopótamos indignados e de um bando de hienas atraídas pelo aroma do churrasco.
Na manhã seguinte, mudamo-nos para o Kanga Camp, um acampamento distinto, no mesmo deslumbrante PN Mana Pools.
COMO IR
Voe para o Zimbabwe, via Maputo, com a TAP AirPortugal e a LAM. Reserve o seu bilhete Lisboa – Maputo em http://www.flytap.com/.
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