Vínhamos das margens do Shire, um dos grandes rios do Malawi. Seguíamos pela beira dos maiores lagos da nação. Primeiro o Malombe. Após um novo período na iminência do Shire que os une, passamos para a beira do Malawi, o terceiro maior de África.
Deixamos a estrada principal rumo a norte, por uma tal de península de Nankumba e uma via sinuosa e ondulante percorrida quase apenas por motorizadas carregadas de tudo um pouco, duas ou três, já derrotadas pela exigência da carga e do percurso.
A determinada altura, viajamos entre encostas abruptas, cobertas de uma vegetação frondosa que, finda a época das chuvas, o calor de forno tropical ressequia a olhos vistos.
Salpicavam esse vale umas poucas plantações, de mandioca, de batata doce. Ainda assim, bolsas de selva abrigavam colónias de macacos que víamos a patrulharem a estrada, atentos a qualquer guloseima menos natural.
Muitos altos, baixos e buracos no asfalto depois, atingimos o cimo da península e o pórtico de acesso ao Parque Nacional do Lago Malawi. O destino que levávamos não requeria que o cruzássemos.
Em vez, flectimos para Chembe, uma povoação instalada na iminência do lago, feita de casas e cabanas humildes de pescadores. E de gente que encontrou sustento nos milhares de forasteiros, em boa parte mochileiros, que exploram o lago Malawi a partir de Cape Maclear e da Monkey Bay oposta.
Vencida uma sequência de crateras dramáticas legada pelas chuvas, damos com as instalações da Kayak Africa, a empresa concessionária da ilha que tínhamos como destino. Joseph Kamanje recebe-nos, encarregue-se de que nos refresquemos, bem como das formalidades de entrada.
A Bordo do “Lady Java SS”, rumo à Ilha Mumbo
Em seguida, encaminha-nos para o “Lady Java SS”, o catamarã branco que assegura as viagens entre Chembe e Mumbo. Como previsto, a navegação cumpre-se sem pressas.
Embalam-nos vagas suaves que uma brisa vinda de sul fazia repetir a bom ritmo.
Durante algum tempo, avançamos protegidos pela costa sul da ilha de Thumbi. A partir do seu extremo oeste curvilíneo e, durante mais de meia-hora, sulcamos águas abertas da Baía de Kasankha.
Mumbo passa de vislumbre a uma visão definida, de ilha de vertentes íngremes, coberta da sua própria selva.
Contornamos os dois ilhéus que se destacam da ponta sul. O primeiro, diminuto, quase simbólico, resulta de um dos incontáveis castros de rochedos graníticos que enfeitam o lago Malawi.
O outro, ergue-se acima de vários deles, maior e mais estável, o suficiente para o podermos habitar.
O “Lady Java SS” dá entrada na enseada principal da Mumbo Island. Atraca no areal arredondado que lhe serve de praia.
Desembarque Vespertino na Praia de Mumbo Island
Devido às chuvas mais intensas e duradouras desde o meio do século XX, nesta região de África, encontramo-lo reduzido a uma faixa exígua, diz-nos o timoneiro que nem um terço da habitual.
O encolhimento resulta do mesmo inundar do lago que danificou inúmeros edifícios e culturas, sobretudo do lado do Malawi, não tanto, no menos desenvolvido de Moçambique, onde o lago ainda é tratado por Niassa.
Desembarcamos quase à sombra da vegetação. Recebe-nos Mariot.
Mostra-nos a sala de refeições e convívio, como todas as estruturas da ilha, erguida em madeira, palhota e materiais vegetais afins.
No seu todo, o “camp”, é um projecto inaugurado, em 1996, por um jovem casal sul-africano, Pierre Bester e Marzi Callender, a que se juntaram o irmão de Pierre, Clive e ainda Jurie Schoeman e Rob Assad.
Estes reforços da equipa inicial, malgrado separações e até tragédias, permitiram expandir a actividade da empresa que os unia, a Kayak Africa, a outras ilhas, incluindo a de Madagáscar.
Voltamos a descer para praia. Dali, cruzamos pela primeira vez o passadiço que une Mumbo ao seu ilhéu.
Mariot mostra-nos umas poucas das cabanas sobre ele erguidas, cada qual, com a sua vista deslumbrante.
A Cabana, entre Cactos, acima da Enseada
A nossa, prolongava-se para uma varanda desafogada, ajeitada acima da enseada de Mumbo, virada para a praia e para a ponta sul da ilha.
Concedia-nos um vislumbre nevoento do fundo da baía de Kasankha e de diferentes pontos do Malawi continental, não do Cabo MacLear e de Chembwe, ambos detrás do ilhéu.
Instalamo-nos entre a ansiedade e a satisfação de sabermos que, em Mumbo e naquela cabana em particular, teríamos que nos aguentar sem Internet nem electricidade.
A viagem que se arrastava desde as 11 da manhã e o longínquo Mvuu Lodge, no PN Lilondwe e que nos obrigou a três horas de estrada esburacada mantinha-nos num cansaço algo sedativo a que a quase noite e a cama enredada sugeriam que nos rendêssemos.
Sobre as cinco da tarde, deixamo-nos mesmo dormir.
Mariot tinha explicado que, pelas sete, um toque reverberante propagado por uma rã de madeira serviria de sinal para a hora de jantar. Pelo que nos disse respeito, a rã não grasnou. Vêm despertar-nos e guiar-nos, no quase escuro.
Jantamos à luz de velas. Pouco depois, regressamos à cabana. De início, faz um calor abafado. Sem aviso, o vento de sul intensifica-se. Inunda o lago Malawi de vagas hiperbólicas.
A Primeira Noite Acima do Lago Malawi
Arruina nova noite de pesca à vasta comunidade de pescadores que dele dependem, traz-nos o sinal de Internet que já tínhamos dado como perdido e arrefece o quarto com maior eficácia que qualquer ar condicionado inexistente em Mumbo.
Malgrado a Internet, voltamos a dormir sem apelo.
Despertamos pelas 8h15. Pouco depois, o “Lady Java SS” reaparece.
Cumpre-se novo render da equipa. E Mariot parte.
Caminhada ao Sabor das Linhas de um Mapa
Recolhemos um dos mapas de trilhos da ilha e descemos até à praia para o estudarmos.
Sobre o areal, dois grandes lagartos monitores recarregavam-se ao sol. De tal forma absortos, que só quando nos sentem a meio metro, resolvem mover-se.
Voltamos a subir.
Inauguramos um périplo acima e abaixo da ilha, entusiasmados com o que quer que nos prendasse. Sentimos outros monitores a arrastarem-se sobre as folhas secas.
Em busca de pontos furtivos marcados no mapa, cruzamo-nos sobretudo com lagartos que bem podiam ser chamados de arco-íris, tantos são os tons em que brilha a sua pele reluzente.
Uns poucos pontos sobre rochedos e libertos de vegetação servem de miradouros naturais.
Do seu cimo, aqui e ali, no lago já mais calmo, percebemos pescadores atarefados.
E águias-pesqueiras, em constantes vaivéns com partida de ninhos e pousos próximos, entregues à sua própria faina.
Regressamos à base a tempo do almoço.
É já Tristan, um colega de Mariot, quem nos serve o repasto.
A Ansiada Exploração do Lago Malawi
Recuperamos da deambulação na varanda da cabana. A meio da tarde, com o vento ainda amainado, regressamos à praia com planos de nos dedicarmos ao lago.
Embarcamos em dois caiaques. Apontamos à saída da baía e ao monte de rochedos no prolongamento do ilhéu de Mumbo.
Entre os rochedos, um nativo pescava à linha, sobre uma canoa esculpida de um só tronco. Damos a volta à formação lítica.
Saudamo-lo, à distância, com o cuidado de não afugentarmos os peixes que almejava, uns poucos espécimes das mais de mil espécies já detectadas no Lago Malawi.
Algumas, tão coloridas que proporcionam snorkelings e mergulhos mais recompensadores que em muitos mares tropicais.
Sal à parte, o Lago Malawi aparenta um verdadeiro oceano.
Pudemos comprová-lo em viagens em dias ventosos, a bordo do ferry “Ilala”. E durante outros vendavais, a banhos, entre vagas costeiras vigorosas.
Eram agitações que destoavam da calmaria por que pagaiámos de volta à praia, com um motivo forte para abreviarmos a diversão nos caiaques.
Circum-navegação da Ilha
Tínhamos combinada uma volta a Mumbo, a bordo do “Lady Java SS” e a tempo do pôr-do-sol.
Primeiro, pelo seu lado já sombrio, em que, mesmo assim, identificamos os penhascos-miradouro recém-conquistados na caminhada matinal.
A determinada altura, já amornados pelo grande astro que alaranjava os rochedos de granito na base da ilha.
Detemo-nos num ponto antípoda daquele em que se situava o acampamento, virado para o Malawi continental.
Duas águias-pesqueiras que vigiavam as águas douradas pelo sol rasante, precipitam-se sobre peixes, mesmo à nossa frente.
Enquanto desfazem e devoram as presas, o sol mergulha para trás das montanhas a ocidente.
Quando voltamos à praia, os montes de penhascos que antecedem a enseada destacam-se de um lusco-fusco azul-magenta.
Cumpridos banhos ecológicos, abastecidos a balde de água aquecida e finda a janta, reocupamos o posto panorâmico da nossa varanda.
Prendados com a extensão da acalmia, vários barcos provindos de Cape Maclear e de outras partes ocupam posições em zonas do lago que os pescadores conhecem por atrair cardumes. Vemo-los e ouvimos as suas conversas e discussões, trazidas pela brisa suave.
Sem o vendaval de sul e o sinal de Internet que esse vento inclemente sopra, mantemo-nos na varanda pela noite fora.
Sob uma lua quase cheia, o escuro concede-nos vislumbres das silhuetas de dezenas de embarcações. E do brilho das luzes com que os pescadores se iluminam, contraposto ao dos astros acima.
Como Ir
Voe para Lilongwe via Maputo, com a TAP Air Portugal: flytap.com/ e a FlyAirlink.
Onde Ficar
Mumbo Island Camp: mumboisland.com; e-mail: [email protected]
Telf.: +27 (0)82 78 54 294
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