“Onikakushi-ken”, o primeiro título electrónico da série “Higurashi no Naku Koro ni” (“Quando as Cigarras Choram”) foi lançado, no Japão, em Agosto de 2002 para PC.
Saiu em estilo visual novel e baseado no motor NScripter, informação que, nos dias de hoje, só dirá algo aos programadores mais informados.
O Enredo Enigmático de Higurashi no Naku Koro ni.
A história desenrolava-se numa aldeia rural fictícia chamada Hinamizawa. O lugar revela-se aparentemente pacífico e tranquilo.
Até que a recém-chegada protagonista Keiichi Maebara descobre que, nos últimos quatro anos, tem morrido uma pessoa e desaparecido uma outra durante o Watanagashi-matsuri (Festival do Algodão Flutuante) que lá presta homenagem ao guardião da aldeia Oyashiro-sama.
Ao longo dos jogos, intrigada e determinada, a adolescente investiga os vários mistérios com que se depara.
Não satisfeitos com o já de si complexo enredo passado para as pranchas e computadores, os criadores deram-se ao trabalho de desenvolverem um contexto histórico tão ou mais exaustivo e, surpreendentemente macabro.
Foi esta dicotomia dinâmica entre o visual patusco predominante entre as personagens e o envolvimento malévolo por detrás que atraiu e fidelizou os fãs da série.
Ryukishi07 o Mentor da Série … Sanguinária
O seu principal mentor, Ryukishi07 (cavaleiro do dragão), confessou-se um fã inveterado da epopeia electrónica-nipónica “Final Fantasy”. Aliás, a Reina Ryugu de “Higurashi no Naku Koro ni” – uma das suas 6 adolescentes – foi inspirada na heroína semi-homónima daquela outra produção.
De acordo com a imaginação de Ryukishi07, séculos antes, Watanagashi era conhecido como o Festival dos Intestinos Flutuantes.
Servia para os aldeões limparem os seus pecados com o sangue de um humano torturado com recurso a ferramentas disponíveis no templo fictício Furude.
Algo que era feito segundo um processo meticuloso que envolvia pregar pregos em cada junta dos dedos da vítima antes de um sacerdote lhe retirar o estômago e os intestinos com um instrumento parecido com uma enxada. A que se seguia uma dança intrincada.
As vísceras e o corpo seriam depois atirados ao rio e flutuariam com a corrente, simbolizando, assim, o afastar dos pecados das pessoas.
Em tempos mais recentes, o Watanagashi original começara a ser visto como demasiado violento e cruel. Os aldeões adaptaram, assim, o outro significado do prefixo wata (algodão em vez de intestinos).
A partir de então, contribuíram com velhas peças de vestuário cujo algodão seria retirado e reunido num grande futon.
O sacerdote passou a esventrar o futon em vez de um infeliz humano e caberia a cada aldeão retirar um pedaço do enchimento para colocar a flutuar no rio.
Higurashi no Naku Koro ni: mais que uma Série, uma Longa Saga
Vários outros acontecimentos e ligações passados apimentam o desenrolar da saga que segue as fórmulas mais inesperadas do suspense psicológico.
Em Agosto de 2006, já existiam oito jogos. “Higurashi no Naku Koro ni” teve tanto sucesso que justificou o lançamento de CDs com animação. Pouco depois, seguiu-se a adaptação para manga, publicada na revista “Gangan Powered” com ilustrações da famosa artista Karin Suzuragi.
Quase ao mesmo tempo, saíram a versão animé “Higurashi no Naku Koro ni Kai” e um conjunto de animações vídeo originais.
O sucesso, cada vez mais internacional, nunca cessou de aumentar e esta última experiência, em particular, justificou, em 2008, a adaptação cinematográfica da série.
A Descoberta Histórica e Virtual de Shirakawa-Go
Da última vez que viajámos pelo Japão, sentimos o mesmo apelo inspirador de Ryukishi07 por Shirakawa-Go, um reduto interior e semi-rural da região de Hida que a UNESCO classificou como Património Mundial de maneira a proteger a sua cultura.
Em particular, as casas gassho-zukuri («mãos em oração»), aperfeiçoadas com o passar dos séculos com o fim de resistir à meteorologia caprichosa daquela que é uma das zonas mais nevosas à face da Terra.
Visitamos o lugar com expectativas elevadas que, malgrado o fluxo excessivo de visitantes quase inevitável nas ilhas do sol nascente, acabam por se cumprir.
Chegamos ao fim do segundo dia de exploração da zona. O sol já desapareceu por detrás da encosta íngreme da montanha de Hakusan. A noite anuncia-se sobre o vale de Shokawa.
O Encontro com os Kigurumis da Série e o Autor, em Ogimashi
Sem qualquer aviso, o cenário misterioso do templo Hachiman-jinja é invadido por um bando de kigurumis (bonecos animados por pessoas).
As suas figuras garridas e cândidas passeiam-se sobre a escadaria irregular. Insinuam-se e interagem com movimentos e poses tão expressivos e sentimentais que poderiam seduzir o mais rude dos humanos.
Persegue-os um grupo coordenado de fotógrafos que reage a qualquer solicitação, sob supervisão descontraída e afável de Chikima, um dos criativo sui generis que então desenvolviam a série.
A Passagem da Série para os Ecrãs de Cinema
No tempo que passou, o filme tinha tido um excelente retorno de bilheteiras. Justificou a aposta do estúdio numa sequela cinematográfica “Higurashi no Naku Koro ni Chikai” um título que, à boa maneira nipónica, voltou a explorar o duplo sentido das palavras: naku pode significar tanto “sons feitos por organismos não humanos” como “chorar”.
Em cada episódio da longa saga, a protagonista descobre que um dos amigos tinha sofrido uma demonização e cometido os crimes. Para cúmulo dos cúmulos, por norma, as vítimas são os seus próprios amigos: Mion, Shion, Rena, Satoko, Hanyū e Rika.
A história desenvolve-se em capítulos questão, capítulos de resposta e alguns outros extra. São também criados finais paralelos, uns aterrorizantes outros mais suaves.
No fim de 2009, foi lançado para Playstation “Higurashi no Naku Koro Ni Matsuri: Kakera Asobi”.
Nesta versão, se os jogadores tomarem determinadas decisões, podem gerar um desfecho mais terrível ou agradável para dois fins distintos da série: “Miotsukushi-hen” (Drenagem do Canal) que é, segundo o autor, o verdadeiro final ou o mais feliz “Matsuribayashi-hen” (Música do Festival).
A Série que Ganha Vida entre os Pinheiros e Ciprestes de Ogimashi
Quando encontramos os kigurumis, apesar do cenário algo arrepiante formado pelos pinheiros e ciprestes nipónicos da floresta de Ogimashi, o grupo está a salvo e exibe as suas melhores expressões de empatia.
Aproveitamos para entramos, por momentos, naquele improvável convívio abonecado e fazemo-nos fotografar na sua companhia e na de Chikima sem grande comunicação verbal para lá de uns “sugoys” (cool, giro) e “arigatos” ou não fossem aqueles japoneses, como a grande parte, inábeis no uso de línguas estrangeiras e, nós, meros estudantes preguiçosos do seu exigente dialecto.
Faltam apenas uns minutos para o escuro se apoderar em absoluto do vale e os curiosos que acompanhavam a acção promocional já debandaram.
Os telhados dos gasshos soltam fumo branco com cheiro a lenha mesmo ao lado do parque de estacionamento improvisado em que tínhamos deixado o carro alugado, numa espécie de quintal repleto de diospireiros carregados. Ali, assistimos a um inesperado desmistificar da série.
Damos com a carrinha da comitiva de Chikima na proximidade da nossa.
Fechado mais um dia de trabalho, os jovens que animavam os sete kigurumis despiam as cabeleiras e fatos e transformavam-se em adolescentes de carne e osso – mais osso que carne, diga-se de passagem.
De cuecas, sob uma temperatura quase negativa, tremiam de frio, desejosos de mudarem aquele desagradável final.