Os ventos alísios explicam muita coisa.
São residentes no sul ressequido do Mar das Caraíbas. Sopram com tal vigor que desfazem as poucas nuvens que por ali se aventuram.
É uma das razões porque, sobre Aruba, o céu se mantém limpo e azulão, porque o sol brilha com potência tropical e contribui para fazer de Aruba a “Ilha Feliz”, assim é também conhecida.
Meia-hora depois deixarmos a capital Orangestad, chegamos a Eagle Beach, na iminência do Sanctuário de Aves Bubali.
Flectimos para oeste e para a beira-mar. Jonathan, o guia que nos conduzia, estaciona aquém de um areal irregular.
Das Árvores ZigueZagueantes Fofoti às Dunas de Sasariwichi
Um limiar de rocha calcária separa a areia do mar das Caraíbas.
A protecção que concede da fúria atlântica e o vendaval contra o sentido da rebentação alisam o mar. Transformam-no num lago tom de esmeralda.
As expressões dos alísios não se ficam por aí.
Duas árvores quase gémeas destacam-se do areal, com troncos retorcidos de um estranho contorcionismo.
Numa ilha pejada de cactos e arbustos espinhosos, estas que são as fofoti trees (conocarpus erectus) e as suas congéneres do interior divi divi (watapanas), tornaram-se emblemáticas, um símbolo incontornável de Aruba.
Ao longo dos tempos, os nativos habituaram-se ainda a usá-las como bússola. Hoje, continuam a apontar o Sudoeste pelo que tal utilidade permanece intacta.
Nuns minutos, a praia compõe-se. Uns poucos banhistas esparramam-se em cadeiras, abrigados do vento, de costas viradas para o mar e para um raro e encurtado arco-íris.
Da Eagle Beach, contornamos o Santuário Bubali. Progredimos rumo ao domínio setentrional Arasji, com passagem por salinas e outras praias, a Hadicurari, Malmok, a Boca Catalina e a Arashi, esta, já à entrada da vastidão das dunas Sasariwichi que se estende até à ponta noroeste da ilha.
O Monumento Náutico do Farol Califórnia e a Floresta de Cactos que o Cerca
Desviamos para o meio elevado da península.
Daí, desponta um farol com seis pisos coroado por uma campânula reforçada contra o vento que, àquela altura, sopra mais furioso que nunca.
O farol foi inaugurado em 1916. O nome que ostenta tem uma razão náutica e trágica de ser.
Homenageia o vapor “California” que, a 23 de Setembro de 1891, agitado pelas correntes traiçoeiras e pela ondulação ao largo, acabou por naufragar.
A própria navegação de quem visita o farol prova-se complicada. Demasiados turistas-banhistas surgem de chinelos ou calçado frágil afim.
Deparam-se com um solo de pedra coralífera afiada, como se não bastasse, repleto de cactos de distintas espécies.
Mantemo-nos de sobreaviso.
Evitamos os opuntia, as figueiras-do-diabo popularizadas pelos guias como cactos Rato Mickey devido às pontas de folhas arredondadas, semelhantes às orelhas da personagem Disney.
Acima destes, insinuam-se sebes dos sempre hirtos cadushi, (cereus repandus), os predominantes em Aruba, como nas vizinhas Curaçao e Bonaire.
Ao nível do solo, autênticas minas vegetais, abundam ainda os mais perigosos, os melocactus, munidos de grandes espinhos aguçados, dispostos em forma de estrela.
Cirandamos em volta do farol, determinados em fotografá-lo envolto de cactos.
O concretizar da missão custa-nos um tempo com que não contávamos a remover picos das solas das sandálias de caminhada, dos pés e das mãos.
Regressamos à L.G.Smith Boulevard, a derradeira via asfaltada a norte do farol.
Dali, deambulamos pela imensidão arenosa e ondulada das dunas Sasariwichi (arashi), atentos à flora que as decora.
Jonathan vê-nos perdidos em fotos. Resgata-nos.
Conduz-nos à Boca Westpunt e ao repuxo gerado pela fúria das vagas que rebentam contra a laje recortada da costa.
Tínhamos atingido o extremo setentrional de Aruba e do arquipélago das ABC.
A norte, apenas uma extensão vazia de Mar das Caraíbas que se estendia às imediações da capital dominicana de Santo Domingo, em que, por mera coincidência, há mais de quatro meses, tínhamos inaugurado o périplo pelas Antilhas.
A Demanda da Capela Secular de Alto Vista
O cimo sem saída de Aruba impõe-nos uma meia-volta. Desta feita, descemos pela costa leste, tão ou mais exposta ao Atlântico que a Westpunt.
Passamos nas imediações de uma tal de Druif Beach, de águas batidas, mas que, sempre que o vento e o mar dão tréguas, se converte numa quase-lagoa turquesa.
Continuamos a descer. Deixamos a Aruba Shack beach e o Ranchero Curason multicolor para trás.
Por fim, voltamos ao meio da ilha, na demanda da zona de Alta Vista e da capela católica que a abençoa.
Se o farol “Califórnia se encontrava envolto de uma fauna sortida de cactos, a floresta cactácea em redor da capela, provava-se ainda mais densa.
Formavam-na, sobretudo cadushis esguios e altos.
Alguns cactos ramificavam em forma de pontas de lança, um evento genético que sucede noutras espécies de cactos (por exemplo nos saguaros do Deserto de Sonora) e que lhes confere um visual extra-surreal.
A ventania tão pouco dava descanso, por estes lados. Fazia os cactos trepidarem. Arrastava arbustos à deriva e levantava uma poeira irritante.
O temporal de faroeste era tal que fazia sofrer, até um bando de cães vadios.
A capela de Alto Vista é conhecida como igreja dos peregrinos. Marca o término de uma Via Dolorosa ditada por cruzes na estrada homónima.
Aparecem visitantes. Turistas crentes, não tanto verdadeiros peregrinos. Parte deles, embrenha-se do Labirinto da Paz desenhado no solo, atrás do templo amarelo. Outros, arrepiam caminho entre o inusitado tapete de cães à porta.
Distribuem-se sobre o piso de xadrez e apreciam a estátua da Nª Srª do Rosário com o Cristo criança ao colo, anichada acima do altar.
Outros ainda, sentam-se. Sussurram as suas preces.
Uma das Igrejas Usadas em Contínuo, há Mais Tempo, das Caraíbas
Diz-se que a capela de Alto Vista é uma das mais antigas (senão a mais antiga) igreja usada em contínuo das Caraíbas. A versão actual foi erguida em 1952.
Substituiu o edifício original, mandado construir em pedra e colmo, em 1750, por Domingo António Silvestre, um missionário oriundo da cidade venezuelana de Santa Ana de Coro, incumbido de converter os indígenas de Aruba ao Cristianismo.
Domingo Silvestre desembarcou em Aruba quase duzentos e cinquenta anos após a descoberta de Américo Vespucci e Alonso de Ojeda.
A Descoberta Espanhola e a Subsequente Colonização Holandesa
Em 1499, os navegadores reclamaram a ilha para a coroa espanhola. Impressionados pela estatura superlativa dos nativos caquetío, descreveram-na como uma “ilha de gigantes.
Pouco depois, aliciados pelas amostras de algodão e de pau-brasil exibidas pelo duo, os espanhóis inauguraram a colonização de Aruba.
Só que o algodão e o pau-brasil pouco valiam, se comparados com o ouro e a prata entretanto achados na ilha de Hispaniola.
Em 1508, Ojeda foi nomeado governador. Cinco anos volvidos, os espanhóis começaram a escravizaram os caquetíos e a submetê-los a trabalho forçado nas minas de Hispaniola.
Assim mantiveram boa parte dos indígenas até que, em 1636, no contexto da Guerra dos Trinta Anos, os holandeses capturaram as três ilhas ABC.
Nomearam governador o famoso Peter Stuyvesant, mais tarde, governador de Nova Amesterdão.
E empregaram os nativos caquetío que tinham sobrevivido ao jugo espanhol na criação do gado com que passaram a abastecer outras colónias holandesas.
Por altura da missão de Domingo Silvestre, no entanto, a população de caquetíos tinha diminuído de forma drástica.
Os seus sucessores albergavam e convertiam os indígenas no cimo ventoso de Alto Vista quando, sem que o esperassem, o destino condenou a missão.
Uma praga disseminou-se entre padres e nativos. Provou-se de tal maneira mortífera, que forçou os sobreviventes a desertarem para Noord, onde havia sido erguida a segunda igreja mais antiga de Aruba, a de Santa Ana.
Do ex-Covil dos Piratas das Caraíbas à Doca dos Jolly Pirates
Com Aruba nas mãos dos holandeses – rivais históricos do crescente Império Hispânico – os novos colonos viabilizaram que a ilha fosse usada como base operacional dos piratas e corsários.
Holandeses, ingleses, franceses (mais tarde, até americanos), todos eles perseguidores das embarcações espanholas e suas valiosas cargas.
Aruba manteve-se um território holandês, hoje, considerada um país constituinte do Reino dos Países Baixos.
É, de longe, a mais americanizada das três ilhas ABC.
Voltamos a constatá-lo quando, já pela tarde, damos entrada no molhe de Palm Beach, uma praia cercada de hotéis das inevitáveis marcas multinacionais, à pinha de gringos em fuga do Inverno do hemisfério norte, ávidos de sol e de diversão.
Nessa mesma praia, sob esquadrões oportunistas de pelicanos, embarcamos no navio de recreio de uns tais de Jolly Pirates. Percorremos a costa de Aruba mais próxima.
Desembarcamos em enseadas recônditas, nadamos entre corais, cardumes garridos de peixes e tartarugas pouco fugidias.
Quando desembarcamos, damos com um grupo de jovens americanos a prepararem a sua própria expedição, a carregarem dezenas de caixas de cerveja, sobre um atrelado e aos ombros.
Em Aruba, o sol, o céu azul e o mar esmeralda-turquesa eram, como são sempre, adquiridos.
Empenhavam-se, com aparente exagero, em que não lhes faltasse o carburante refrescante da evasão.