Por fim, após muitos mais dias do que tínhamos previsto, mudamo-nos de New Orleans para a Cajun Coast a sudoeste.
A viagem até às imediações de Morgan City demora 1h30.
Cumprimo-la por auto-estradas peculiares, erguidas acima de zonas alagadas que, ora seguem paralelas, ora cruzam rios, canais, bayous (braços de rio, rios secundários e pantanosos), lagos, reservatórios e outros.
Uma montra da miríade de corpos de água que mantêm o sul do Luisiana num óbvio estado anfíbio.
Um pouco antes das cinco da tarde, chegamos a uma propriedade sobre a margem de um bayou conhecido por Teche.
O Anfitrião do Atchafalaya Captain Caviar
Vanessa, a anfitriã da região de Morgan apresenta-nos a John Burke, o fundador, timoneiro e guia da Captain Caviar Swamp Tours, uma empresa que, mesmo “one man show”, tinha conquistado uma notoriedade invejável.
Como o seu cognome deixa perceber, John criou-a na sequência de outro negócio inusitado, a comercialização de caviar obtido da amia, um peixe nativo cujas ovas são comparáveis às do caviar consumido na Rússia e restante Europa.
Era suposto John conduzir-nos, de barco, pelo pantanal da bacia do rio Atchafalaya, a partir do embarcadouro do seu lar e base de operações. Findas as saudações, propõe-nos actividades com que não contávamos. “Sabem outra coisa? A minha mãe vive numa casa grande e antiga, próxima da minha. Apareceu-lhe um fantasma, na cozinha.
Além disso, um sacerdote vudu detectou três espíritos pendurados de uma árvore logo em frente.” A sugestão vinha na senda de várias abordagens e incursões ao mundo paranormal, estreadas em New Orleans, entre as quais, um périplo nocturno pelos cemitérios da Big Easy. Haveria de se repetir em quase todos os lugares que cobrimos no Luisiana.
Ali, onde nos encontrávamos, interessava-nos, sobretudo, a Natureza invulgar e intimidante que nos envolvia. Só que o paranormal tornou-se uma fonte de popularidade e de lucro quase obrigatória para quem trabalha em turismo no Pelican State.
Parecia custar, a John, o desprezo que mostrávamos pelas atracções fantasmagóricas que sugeria. John Burke opta, assim, por nos confrontar com alguns dos títulos da TV americana que lhes tinham dedicado programas, episódios e afins.
O próprio Captain Caviar marca presença no episódio “Blue Shirt of Idlewild”, de “Ghosts of Morgan City”, uma série do género fantástico que se apresenta com a seguinte sinopse: “depois de um pico de chamadas de emergência pouco usuais em Morgan City, o edil da cidade e o chefe da polícia local recrutam uma equipa de peritos no paranormal para investigarem a bizarra actividade sobrenatural”.
Num plano mais mundano, Captain Caviar acolheu ainda Troy Landry, vedeta protagonista da série “Swamp People” recorrente, pelo menos, no canal História e em português. Era outro tipo de programa que estava longe de nos seduzir.
À Descoberta da Bacia e Pântano do Atchafalaya
Com o sol a descer no horizonte e um território extenso por explorar, o Captain Caviar anui. Embarcamos e zarpamos em três tempos.
Primeiro, para o bayou Teche. Logo, para o prolongamento do Baixo Atchafalaya, o curso original do rio, desviado para segurança das povoações que cresceram nas suas margens.
Neste percurso, a margem direita contrasta com a oposta.
A do quartel-general do Captain Caviar, revela-se desenvolvida, pejada de mansões ribeirinhas com grandes quintais, ou fazendas diminutas servidas por pontões e embarcadouros.
Assim se sucedem Bayou Vista, Glenwild e Berwick, uma cidade separada de Morgan City pelo Atchafalaya, todas povoações que se orgulham do seu passado e história.
O Passado Indígena e Colonial da Região
Berwick, em particular, honra Thomas Berwick, o primeiro colono branco a desbravar estas paragens, no final do século XVIII, numa altura em que as dominavam os nativos Chitimacha (traduzível como povo das muitas águas), hoje, concentrados numa reserva índia situada nos seus domínios originais de Bayou Chene, para montante do rio e pântano Atchafalaya.
A exclusividade dos Chitimacha e, a sul, da tribo Atakapa terminou por volta de 1755. Então, os Britânicos triunfaram sobre os franceses no cimo das Américas. Expulsaram os seus colonos da imensa Acádia, hoje, integrante do Canadá.
No término de uma deambulação que ficou conhecida como “Le Grand Derangement”, alguns sobreviventes acadianos chegaram a este sul profundo dos Estados Unidos, entretanto dominado pelos franceses. Malgrado a inospitalidade pantanosa da região, lograram formas de subsistência.
Abriram caminho a muitos mais recém-chegados, os ancestrais da vasta comunidade cajun dos Estados Unidos.
Os Canais, os Bayous e o Pântano Atchafalaya sem Fim
Atingimos o dique que separa o Baixo Atchafalaya do caudal principal do rio.
É um de centenas que as autoridades do Luisiana ergueram para controlarem o nível do caudal, o fluxo da água e de espécies, na bacia do Atchafalaya, considerada o maior pantanal dos Estados Unidos.
John Burke recebe autorização para cruzarmos o dique. Sulcamos um tapete de jacintos aquáticos, invasivos, como o são em tantas outras áreas alagadas à face da Terra.
Do lado de lá, vislumbramos a ponte que liga Morgan City a Berwick.
Flectimos para norte, para um meandro em que o rio flui entre ilhas encharcadas, a Morgan, a Little, outras.
Temos uma vista mais abrangente da flora e da fauna peculiares da bacia e pântano do Atchafalaya.
É, todavia, quando o Captain Caviar nos mete por canais e bayous derivados e nos aponta ao Duck Lake, que os cenários se aproximam, definem e nos impressionam sem apelo.
Até então, certas zonas desvelavam a mácula de milhares de cepos de cedros e carvalhos.
Os Cepos Seculares, Máculas do Pântano Atchafalaya
Integram um legado mais complexo da exploração madeireira que sustentou a expansão dos colonos no Sul Profundo dos E.U.A., devido à sua inacessibilidade aquática e selvagem, tardia na região, onde só se intensificou no final do século XX.
Por volta de 1920, os colonos tinham já arrasado as florestas mais próximas e rentáveis.
A diminuição da procura e os primeiros esforços de protecção ambiental ditaram o fim abrupto do corte de árvores.
Subsistem, assim, bolsas consideráveis de floresta húmida anciã, misteriosa e opressiva na sua densidade e antiguidade.
Uma placa com que nos cruzamos traduz, em rima, o misticismo daquele pantanal.
Parece justificar os programas de TV dedicados ao seu alegado sobrenatural:
“Ghosts are around and maybe a Vampire. Especially with fog on the Lower Atchafalaya”.
Navegamos sob cortinas de barbas-de-velho, ondulantes e reluzentes.
Na iminência de rebentos de ciprestes que despontam junto aos troncos sulcados dos espécimes adultos.
Os nativos de ascendência cajun chamam-lhes knees (joelhos).
Na ausência de vento, esses rebentos, contribuem para um reflexo aquático que duplica a excentricidade e beleza da paisagem.
Bandos de íbis-pretos, águias-pesqueiras e jacarés de olhos lampejantes são as provas mais óbvias de uma vida animal furtiva, mas prolífica.
Por essa altura, já tínhamos percebido o quão raras eram as gentes do sul do Luisiana conformadas com a mera realidade natural.
John Burke faz questão de o recordar. “Isto, à medida que escurece, fica mais assustador.
O Fenómeno do Rougarou e as Filmagens Inaugurais do Tarzan
Nunca se sabe quando aparece um rougarou”. John Burke confirma que nos intrigamos. E rejubila.
Na génese colonial e acadiana do 18º estado dos E.U.A., a criatura selvagem e mítica é descrita como tendo cabeça de lobo ou de cão e corpo humano, algo em jeito de lobisomem. John Burke introduz-nos, todavia, a uma inesperada variante.
“Vocês sabem que, em 1917, vieram para cá filmar o primeiro “Tarzan dos Macacos” ? (n. do A. – baseado na obra de Edgar Rice Burroughs).
Imaginem a aventura que não foi, aqui no meio dos jacarés, com malária por todos os lados… Pois, diz-se que deixaram fugir chimpanzés, que eles se adaptaram a esta selva e se transformaram em monstros.”
Imaginamos, então, rougarous amacacados, em vez de lobisomens, a surgirem detrás da floresta sombria e dos véus de barbas-de-velho.
Com o sol a sumir-se para oeste da floresta alagada, sob o pretexto da dificuldade de navegação e sem intenção de arriscar encontros com rougarous, John tira-nos dali para fora.
Ao longo de uma tal de Dog Island Pass, para o cenário de novo amplo e aberto do Flat Lake que nos permitiria apreciar o ocaso, detrás de “ilhas” de ciprestes providenciais.
Pedimos ao Captain Caviar alguma paciência extra.
Que avançasse e recuasse, em função da nossa busca de determinados enquadramentos.
Aperfeiçoamo-los até os considerarmos meritórios daquele lugar inolvidável.
O escurecer dita uma retirada tardia mas estimulante.
Esperavam-nos, afinal, Baton Rouge, a capital do Luisiana. Morgan City e todo um intrigante domínio cajun-acadiano.
COMO IR
Reserve o voo Lisboa – Miami (Flórida), Estados Unidos, com a TAP: flytap.com por a partir de 820€. De Miami, poderá cumprir a ligação para Lafayette (2h) por, a partir de 150€, ida-e-volta.
Reserve as suas actividades na Bacia e pântano do Atchafalaya com a Captain Caviar Swamp Tours: captaincaviar.com;
Whats App: +1 98 599 25 383[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]