Dita o já longo tempo que levámos a saltar de Antilha em Antilha que nos víssemos forçados a procurar uma estadia pouco custosa.
Acolhe-nos Janette, há muito habituada a alugar quartos da sua vivenda, por forma a aumentar os rendimentos. Janette vai-nos buscar ao aeroporto. Quando chegamos, percebemos que nos estava a ceder o seu próprio quarto.
Janette apresenta-nos a dois outros hóspedes.
São Alex Ekesa e Veronika Jepkosti, corredores quenianos que subsistem de corridas internacionais e dos prémios monetários respectivos. A maratona em que iam participar teria início às 5 da manhã.
No seu íntimo, Alex achava que não teria concorrentes à altura. Mostrava-se pouco preocupado com as horas de sono. Entusiasmado por ter com quem tagarelar.
Deitamo-nos sobre as onze da noite, a desejar a ambos que triunfassem. Quando despertamos, estavam de regresso.
Veronika dormia. Alex surge com a cara estreitada, os olhos avermelhados, com o visual de quem tinha sobrevivido a um mês de tortura. “Sim, sim ganhei.” confirma-nos, com um entusiasmo comedido.
Roga a Janette que lhe prepare uma papa de aveia. Depois de a comer, soçobra ao dano provocado pelos 42km. Retira-se para um sono recuperador.
Nós, apanhamos a vanette Z4, uma das muitas que servem Bridgetown.
Bridgetown: À Descoberta da Capital de Barbados
Um quarto de hora de caminhada adicional e inauguramos a exploração da cidade, a começar, pelo âmago histórico e arquitectónico que lhe granjeou o estatuto de Património Mundial da UNESCO.
É Domingo de manhã. Do terminal de transportes à Wharf Rd. e à foz do Constitution River que lhe serve de Careenage (marina) quase não vemos vivalma.
O cerne de Bridgetown concentra-se em redor da baía de Carlisle e do porto secular que os colonos britânicos lá fundaram e expandiram.
À medida que nos aproximamos dessa beira-mar e do zénite solar, a atmosfera torna-se húmida como nem na mais densa selva de Porto Rico tínhamos sentido.
Chegamos à entrada da ponte Chamberlain. Uns poucos recrutadores cirandam, por ali, apostados em conseguirem derradeiros passageiros para passeios em catamarãs atracados nas imediações.
Cruzamos a ponte. Passamos sob o Independence Arch. Bay Street abaixo, desembocamos na Carlisle Bay.
O Domínio Balnear Concorrido da Baía de Carlisle
Damos com o paradeiro de boa-parte dos habitantes, expatriados e visitantes da cidade.
Concentram-se no areal alvo e numa faixa protegida e de tons cianos do oceano Atlântico.
Lá se entregam a uma peregrinação balnear que o dia santo e a meteorologia invernal das Pequenas Antilhas abençoam.
Amigos e famílias alternam momentos de piquenique com convívios anfíbios, refrescados e massajados pela água marinha mais fria do ano, algures entre o tépido e o morno.
Junto à Bay Street, com a hora de almoço iminente, também os bares das praias Brownes e Pebbles ficam à pinha, reforçados por roulottes que libertam aroma de sandwiches de peixe e as servem, acompanhadas de cervejas Banks e de rum punch.
Vários resorts de renome ocupam o recanto sul da baía. Mesmo sendo Domingo, àquela hora, Janette trabalhava num deles.
Damos mergulhos que ainda não tínhamos feito por merecer.
Libertos do bafo tropical que nos entorpecia, regressamos ao coração secular da capital.
A Ponte Chamberlain, o rio Constitution e o Parlamento de Bridgetown
A Chamberlain Bridge ascendia para dar passagem a veleiros de mastro alto com rota entre a Independence Square e o mar ao largo de Barbados.
Assim que a ponte desce, pedestres expectantes retomam as suas caminhadas.
E um bando de adolescentes rebeldes prossegue com um festival de mergulhos para o rio, entre pelicanos desagradados e uns poucos turistas entretidos com as acrobacias do seu exibicionismo.
Por norma, as autoridades andam por perto, habituadas a interromperem a actividade que até uma placa interdita.
No auge do descanso semanal, todavia, só um ou dois polícias se mantinham de turno, do lado de lá da National Heroes Square, em torno do complexo do Parliament Building.
Estabelecido em 1639, o Parlamento de Barbados foi erguido a emular o de Inglaterra.
Permanece a terceira mais antiga casa legislativa das Américas e o edifício fulcral da Bridgetown histórica que, até à independência de Barbados de 1958, serviu os desígnios coloniais britânicos da ilha.
Dos Portugueses e Espanhóis ao Domínio Colonial Britânico
No início do século XVI, Barbados mantinha-se habitada por nativos aruaques e caribes. Chegaram os espanhóis e, crê-se que também os navegadores portugueses.
Entre si, terão atribuído à ilha o nome que preserva, desconhece-se se pela abundância de figueiras-da-índia, se por terem encontrado indígenas com barbas.
Autores de sucessivos raides esclavagistas, os espanhóis causaram a debandada dos nativos para ilhas vizinhas. No início do século XVII, Barbados já pouco interesse suscitava na Europa.
Essa realidade reverteu-se quando os Britânicos entraram em força na corrida pelos territórios para a cana-de-açúcar.
Num ápice, de despovoada, Barbados foi habitada por milhares de escravos desterrados de África.
Em Barbados, trabalhavam à força em plantações de cana-de-açúcar, como a Sunbury que visitamos, dominante, na ilha, desde o início do século XVII.
Hoje, uma fazenda-museu incontornável.
Quando os britânicos chegaram a Barbados, em 1628, constataram que os espanhóis não tinham deixado edifícios ou infraestruturas.
Da orla sul da ilha hoje ocupada pela capital, destacava-se uma mera ponte de madeira que os nativos haviam erguido sobre o actual rio Constitution.
Em vez dessa ponte que inspirou o baptismo de Bridgetown, hoje, a de Chamberlain reclama todo o simbolismo e protagonismo.
Fruto da africanização colonial da ilha, às mãos dos britânicos, são 280 mil os barbadianos, mais de 90% negros.
Em Bridgetown e bairros arredores, habitam quase metade.
Bridgetown, Barbados: Uma Capital Profícua das Antilhas
Durante a semana de trabalho, “The City” explode de vida e de cor.
Os barbadianos partilham uma apetência nacional pelo bem-vestir. De acordo, a grande maioria dos estabelecimentos da cidade são boutiques, lojas de roupa afins, dezenas delas, de perucas, adereços capilares e de moda.
Ao deambularmos, damos connosco, vezes sem conta, a apreciarmos as montras garridas, cruas, antiquadas, repletas de manequins brancos e quase mais vivas que a própria vida da capital.
Como se não bastasse, amiúde, os negócios sucedem-se no rés-do-chão de edifícios mais grandiosos que extravagantes.
Foram erguidos com os lucros do açúcar e do rum, em pedra coral e lastro dos navios, molduras estruturais e mobília de mogno, telhados de terracota e de cobreiros.
Encontramos os exemplares excelsos da arquitectura georgiana, jacobina e victoriana local no complexo do parlamento, no Old Town Hall, na National Library e Old Law Courts, no Exchange Museum, no Mutual Building.
Nas várias edificações da Garrison (antigo aquartelamento e arsenal da cidade), onde Bridgetown mantem o seu hipódromo e acolhe frequentes corridas de cavalos.
E ainda nos armazéns alinhados ao longo da Wharf Rd.
O Âmago Histórico da Comunidade Judaica de Barbados
Também as excepções arquitectónicas e étnicas da capital nos impressionam. A meros 400 metros para o interior do Wharf, encontramos a sinagoga Nidhe.
Ao examinarmos o cemitério contíguo, disposto em redor de uma grande figueira-da-índia em que repousam dois ou três macacos intrigados, encontramos lápides com dezenas de nomes e apelidos portugueses.
Em conjunto, formam o testemunho indelével da diáspora dos judeus expulsos da Ibéria no final do século XV e, do Brasil, mais tarde, sobretudo após Portugal ter derrotado os holandeses na disputa pelo nordeste do território.
Pois, em Barbados, como em Curaçao, nas Ilhas Virgens e outras ilhas, os judeus assentaram e proliferaram. A comunidade dos seus descendentes forma uma das minorias da ilha. Reduzida, mas activa e que se reúne regularmente no templo rosado da sua religião.
Rihanna e outros Barbadianos algo Menos Famosos
Bridgetown é também a cidade de figuras que, num sentido distinto da migração e da história, acabaram por reforçar a sua notoriedade mundial.
São os casos de Grandmaster Flash, rapper popular nos anos 80, e de Shontelle. E, já numa escala planetária, de Robyn Rihanna Fenty.
Num dos muitos fins de tarde que passamos à descoberta de Bridgetown, decidimo-nos a procurar a casa em que tinha vivido, situada na zona de Westbury, próxima da vivenda de Janette, a mais de vinte minutos a pé do centro histórico da capital.
Sabíamos que o bairro em que a cantora cresceu era pobre. Não esperávamos cruzar-nos com duas ratazanas, pouco antes de identificarmos o seu antigo lar, agora pintado de verde-azeitona e outros tons garridos.
Fotografamos a casa.
Atravessamos a Westbury Road e espreitamos o cemitério de Westbury, onde, à falta de espaços desafogados e sem cabos de electricidade, ainda antes de formar a sua primeira banda, Rihanna e os amigos se divertiam a lançar papagaios de papel.
A City de Barbados revelou-se a sua ponte particular para o estrelato mundial.
Bridgetown tem como função primordial conduzir os desígnios de Barbados, à data, uma das dez nações mais desenvolvidas das Caraíbas.