A aproximação do Harbin Y-12 à pista desvenda o monte Vulmat coberto de selva densa encharcada por dois dias de chuva intensa.
E uma beira-mar exígua feita de areia negra e calhaus que a vegetação invade, quase a alcançar a água azul do oceano Pacífico.
Quando o avião se imobiliza, uma pequena multidão de ni-vanuatu (os habitantes de Vanuatu) curiosos deixa a sombra das árvores e aproxima-se para saudar os novos visitantes.
Os Momentos Tranquilos que Antecedem o Naghol de Pentecostes
Convidam-nos a registarmo-nos com os anciãos de Lonorore. Cumprida a formalidade, ficamos livres para explorar o litoral exótico que esconde a povoação.
Aos poucos, chegam mais grupos de nativos por um trilho apertado ou ao longo do areal. Também eles se aglomeram em redor dos barracões que servem o aeroporto.
Falta apenas uma hora para o início do ritual. O recinto continua interdito. Frequentam-no apenas os jovens saltadores e os homens que tratam dos derradeiros preparativos.
Estamos no fim de Maio. A época do Naghol ainda vai a meio. Em tempos, o evento tinha lugar uma vez por ano.
À medida que mais viajantes descobriam Pentecostes, a cerimónia revelou-se uma fonte de lucro incontornável para as aldeias que a praticavam.
As Origens e a Tradição Secular do Naghol de Pentecostes
Repete-se, agora, oito vezes, de Abril a Junho. Já a sua origem, se verdadeira, não podia ser mais única.
Conta-se na ilha que uma nativa se queixava da persistência dos avanços sexuais do marido, de seu nome Tamalie. Sem o conseguir sensibilizar, fartou-se e fugiu para a floresta. Tamalie perseguiu-a.
Obrigou-a a trepar a uma figueira-da-índia. Encurralada, ao ver o marido subir, a mulher atou lianas aos tornozelos e lançou-se. Ficou a balouçar junto ao solo, incólume, antes de se soltar.
Sentindo-se desafiado mas sem reparar nas lianas, Tamalie saltou atrás dela e perdeu a vida.
Daí em diante, os homens de Pentecostes decidiram praticar o salto com lianas para que não mais fossem enganados pelas parceiras. Daí em diante, a prática tornou-se kastom (tradição).
À margem da lenda, o Naghol é levado a cabo como ritual de passagem dos rapazes das aldeias. Os nativos acreditam que, quando realizado com sucesso, contribui para boas colheitas de mandioca.
E para afastar os males próprios da época das chuvas, incluindo a malária que prevalece no arquipélago de Vanuatu, como noutras partes luxuriantes da Melanésia.
O Intensificar Tropical do Naghol de Pentecostes
Quando é dada a permissão para avançarem, os forasteiros depressa se esquecem dos mosquitos que os incomodam e preocupam. Juntam-se ao grupo de espectadores nativos e avançam pela floresta, nos passos de um anfitrião apressado.
A determinada altura, o trilho estreito entra numa clareira ampla. Dela se destacam uma encosta lamacenta e, no seu topo, uma enorme torre de troncos.
Enquanto a assistência se distribui pelo sopé e pelos lados da encosta, alguns homens amolecem o solo na projecção da base da torre.
Outros, revêem e retocam a sua estrutura caótica.
Ao mesmo tempo, um grupo de apoiantes tribais – crianças à frente, seguidas de mulheres e, depois pelos homens – dançam, cantam e assobiam, para cá e para lá, em modo de incentivo dos saltadores.
Estes, são mantidos nas imediações da torre durante dois dias, sem contacto com raparigas para garantir a requerida abstinência sexual.
É também habitual que se untem de óleo de coco e que usem presas de javali como amuletos, além das nambas, cápsulas vegetais com que envolvem o pénis.
Como pudemos notar mais tarde, alguns, inspiram-se com recurso a substâncias naturais (leia-se drogas).
Quanto mais longo é o salto para que se preparam, maior é a inspiração.
Os Saltos da Torre Naghol. Coragem (ou Loucura) de Baixo para Cima
O ritual começa com mergulhos a partir das plataformas inferiores da torre. Evolui para o topo, consoante a idade dos participantes. Os anciãos das aldeias escolhem as lianas. Têm que as cortar pouco antes da cerimónia, de acordo com o peso de cada saltador e a altura de que vai saltar.
Apesar da precisão exigida, os responsáveis continuam a dispensar qualquer instrumento moderno. Feita a selecção, desfiam-se as pontas das lianas que são presas aos tornozelos dos participantes.
Se forem mal atadas ou demasiado longas, o saltador infeliz despenha-se no solo. Caso fiquem curtas, o saltador pode colidir com a base da torre, de onde se projectam vários troncos.
O Naghol de Pentecostes que Terminou em Desgraça
Para não comprometer a elasticidade das lianas, o Naghol foi sempre realizado na época seca. Mas, em 1974, a administração colonial quis impressionar a soberana Rainha Isabel II – que visitava as então chamadas Novas Hébridas.
Contra a vontade dos indígenas, a visita da rainha forçou que a cerimónia se realizasse durante as chuvas. Foi uma vez sem exemplo. As lianas usadas por um dos saltadores quebraram-se.
Causaram a única tragédia directamente provocada pelos mergulhos do Naghol.
De regresso à clareira, os saltadores intermédios cumpriram já o seu papel e a cerimónia decorre sem acidentes. O grupo de “apoiantes” volta a dançar e a cantar, então, com intensidade redobrada.
O Salto Tresloucado do Topo Vertiginoso da torre Naghol
Um último adolescente trepa até ao cimo da torre onde se posiciona sobre uma plataforma ínfima. Já no auge, junta-se aos cânticos por um minuto e acena a olhar para o céu.
Sem mais contemplações, impulsiona-se para diante, cobre a cabeça e o pescoço com os braços e sobrevoa a selva de Pentecostes, antes de mergulhar na direcção ao solo.
As lianas quebram a queda, como a torre que se dobra ligeiramente e suaviza o esticão. Como é esperado, as mãos do saltador tocam ligeiramente na terra.
Além de alguma dor nas pernas, depois de examinado por outros aldeãos, comprova-se que está em condições de celebrar.
Uma vez terminada a cerimónia, a assistência recebe autorização para se aproximar da torre. Em três tempos, envolve e glorifica o novo adulto. Mas a reacção do saltador é contida.
Os seus olhos vermelhos explicam uma certa “ausência” que compensa com sorrisos sem fim.
Já a compensação monetária exigida pela ilha de Pentecostes às empresas de bungee-jumping do mundo por estas terem copiado o Naghol ainda não foi paga.
Se um destes dias Pentecostes ganhar este caso, todos os seus nativos terão razões extra para sorrir.