Vem-nos à mente, acompanhada de um sorriso sarcástico, a preocupação de antes do Verão, de se, no final de Setembro, início de Outubro, o calor tórrido do Saara já teria desvanecido o suficiente.
Em Tozeur, às portas do maior dos desertos de areia, o dia amanhece sob um céu plúmbeo. Irriga-o uma carga d’água.
Mantemos os planos.
Metemo-nos no trânsito urbano, perturbado por inúmeras recém-formadas poças e pela lentidão de veículos e de pedestres impreparados para a intempérie.
Por fim, deixamos a cidade, para a recta sem aparente fim que conduz à orla oriental do lago Chott el-Gharsa e ao sopé da secção tunisina do Atlas.
À medida que nos acercamos da cordilheira, o manto de nuvens dá de si. Concede passagem a uns poucos laivos solares que douram as montanhas e fazem resplandecer o palmeiral denso na sua base.
Estamos prestes a atravessá-lo. Um longo rebanho de cabras cruza a amostra de asfalto. Deixa-nos a contemplá-lo e ao cenário imponente que dali se destaca.
Passa a última cabra. Saúda-nos o pastor.
Com a via desimpedida, enfiamo-nos no palmeiral e prosseguimos pela ladeira recurvada que subia para Chebika, a primeira escala do dia.
Chebika, um Desfiladeiro-Palmeiral na Base da Cordilheira do Atlas
Um desvio ténue da estrada deixa-nos junto ao mercado de artesanato e de souvenirs da povoação, disposto logo ao lado do miradouro que ali atrai centenas de visitantes por dia.
Dois ou três guias disputam a nossa atenção. Nem essa esperada distração atenua o espanto que nos assola.
O mesmo palmeiral que tínhamos atravessado surge magnificado.
Ocupa uma faixa generosa da terra salgada de El Gharsa.
Víamo-lo preencher o desfiladeiro inclinado que tínhamos a leste, com ensejos de se alastrar ao outro lado da serrania.
O caminho progride pela beira elevada da povoação, entre vendedores de pedras e minerais e outros de artesanato.
Onde o casario termina, o trilho prossegue encosta acima.
Até um ponto ainda mais panorâmico, coroado pela estátua de uma cabra montesa.
Da Ad Speculum Romana à Coexistência Arabe-Beduína
Na longa Era Romana, este lugar acolheu uma civitas denominada Ad Speculum.
Situava-se sobre uma das limes (linhas de defesa) em que os Romanos se defendiam dos ataques dos povos a que chamavam bárbaros.
Avancemos até ao século VII d.C..
Os árabes liderados pelo califado Omíada varreram o Império Bizantino de África, já abalado pelos sucessivos ataques Vândalos.
Novas vagas de árabes impuseram-se para ficar, inclusive, aos nativos berberes que, malgrado as sucessivas imposições de povos forasteiros, sempre habitaram estas terras.
Daquele ponto, conseguíamos apreciar melhor o casario arruinado que ficara para trás, o povoado Chebika original.
O Legado da Enxurrada Diluviana de 1969
Tal como sucedeu a tantos outros, na iminência do Saara e até mais para sul, destruiu-o uma aberração meteorológica de 1969 que nos faz reavaliar a estranheza da intempérie matinal.
Nesse ano, uma chuva intensa de vinte e dois dias gerou enxurradas que erodiram e arrastaram os edifícios erguidos num adobo arenoso vulnerável. Quando a intempérie deu de si, além de toda a destruição, tinha feito mais de quatrocentas vítimas.
E, no entanto, o sol continuou a brilhar em, pelo menos, 350 dos 365 dias do ano. A Chebika que sobrou do temporal mantem o seu cognome de Qasr el-Shams ou “Palácio do Sol”.
A nova povoação pouco ou nada tem que ver com a predecessora.
Foi construída de urgência, na falda de uma derradeira crista do Atlas oriental, já na planura do deserto, em materiais modernos mais resistentes às chuvadas que, de tempos a tempos, inundam as montanhas e o Saara.
Cenários Resplandecentes de “O Paciente Inglês” e de “A Guerra das Estrelas”
Passam por nós duas visitantes espanholas, conduzidas por um guia local.
“Reparem bem no palmeiral lá em baixo”, roga-lhes.
“Este mesmo cenário que daqui descobrimos, entrou num filme que estou certo que conhecem.
Aliás, entrou o cenário e entrei eu!” acrescenta, com orgulho.”
O filme é o nove vezes galardoado com Óscares da Academia, “O Paciente Inglês” realizado por Anthony Minghella.
Na longa-metragem de 1996, Ralph Fiennes interpreta o Conde László de Almásy, um cartógrafo húngaro que, nos derradeiros anos 30, liderava uma expedição da Royal Geographic Society com o propósito de cartografar a Líbia e o Egipto.
O alastrar da 2ª Guerra Mundial a África envolve László na trama intrincada do conflito entre Aliados e forças do Eixo. Um avião pilotado pelo conde húngaro é abatido. László sofre queimaduras graves.
É salvo pelos Beduínos. Após um hiato no tempo e no mapa, vemos Hana, uma enfermeira representada por Juliette Binoche a tratá-lo, já em Itália.
Além de “O Paciente Inglês”, os cenários de Chebika surgem no episódio IV – “Uma Nova Esperança” da “Guerra das Estrelas”. Aliás, vários episódios da saga foram filmados em diversos lugares da Tunísia , incluindo na ilha de Djerba
À medida que avançamos, vemos definirem-se esses e outros cenários.
Novos meandros do estreito, salpicado de palmeiras, refrescados por uma queda d’água que a chuva da noite revigorara.
Do Cimo às Profundezas Irrigadas de Chebika
Descemos para as funduras do desfiladeiro.
Percorremo-lo até ao beco sem saída marcado pela cascata, entre uma colónia de palmeiras de distintas alturas e formas.
Algumas, aparentam brotar da rocha. As mais idosas, estão carregadas das tâmaras que há muito alimentam os beduínos e os árabes magrebinos.
Regressamos ao miradouro inicial.
Dali, ascendemos pelas elevações de Djebel el Negueb, rumo a Tamerza (antiga Ad Turres romana), com passagem pela sua Cascade de la Palmeraie.
Encontramo-la com um volume comedido. Ainda assim, entretém, sobretudo com selfies, algumas famílias tunisinas.
As Ruínas da Velha Tamerza, à Beira de Outro Oásis
A mesma via no cimo da ravina, cruza a Tamerza moderna. Deixa-nos de frente para Tamerza El Gdima, do lado de lá de um leito fluvial seco, encaixada aquém das falésias de outro canyon, o Dourado.
À imagem de Chebika, a velha Tamerza el Gdima perdura em ruínas, destruída pelas mesmas chuvas diluvianas de 1969.
Também surge em cenas de “O Paciente Inglês”, em panoramas vistos do avião pilotado pelo Conde Almásy.
Anos antes, George Lucas inspirou-se e, mais tarde, instalou-se com a sua equipa no hotel Tamerza Palace. Dessa base logística, filmou outros trechos da sua saga “Guerra das Estrelas”, nestas paragens que continuamos a desvendar.
A Caminho de Mides, com a Argélia logo ao Lado
Estamos a uns poucos quilómetros da vizinha Argélia. Entre o Tamerza Palace e Ain El Karma, cortamos para nordeste, na direcção de Mides, do seu oásis e desfiladeiro.
A determinada altura deste faroeste tunisino, a fronteira fica tão próxima que rasamos grandes vedações coroadas por arame-farpado e torres de vigia.
A estrada gasta e poeirenta rende-se a novo precipício.
Fica-se pela entrada do oásis de Mides e pela beira do seu longo canyon, famoso não tanto pela profusão de palmeiras no fundo (só alberga umas poucas), mas pelas suas falésias arredondadas, cravadas de camadas geológicas.
Passamos por um dos muitos vendedores de minerais da região. A sua banca exibe dezenas de rosas de sal do deserto.
Não obstante, o comerciante tenta impressionar-nos com uns poucos dentes fossilizados de tubarão, para nossa surpresa, abundantes nas terras ressequidas em volta.
Chegamo-nos ao limiar do precipício.
As Linhas Retorcidas do Canyon de Mides
Admiramos-lhe as formas caprichosas. Percebemos o porquê de os romanos ali se terem aquartelado, protegidos de investidas inimigas pelos fossos naturais a toda a volta.
Ao longo dos séculos, a povoação beduína local defendeu-se de maneira idêntica. Não resistiu à pluviosidade aberrante, de 1969, que arrasou as Chebika e Tamerza originais.
Caminhamos pela orla quando Hedi, um outro vendedor, nos convida a examinar as pedras e minerais expostos no seu bar-esplanada, a uns poucos passos de uma queda para as entranhas do desfiladeiro. Compramos-lhe duas pequenas geodes de interior brilhante.
Examinamo-las quando reparamos numa relíquia de sofá de costas de asa-de-borboleta, muito altas, num recanto do estabelecimento. Parece-nos ainda mais exuberante que os geodes.
O Sofá Casamenteiro de Hedi
Hedi nota a súbita admiração. Pergunta-nos se o queremos experimentar. “Antes, os noivos, vinham cá ao canyon.
Fotografam-se em longas sessões casamenteiras. Entretanto, meteu-se pandemia e, com os confinamentos, perdemo-los. Estão a voltar, mas muito pouco. Olhem, aproveitem vocês!”
Temos outros planos. Pedimos a Hedi para nele se instalar, o mais confortável possível.
Fotografamo-lo e à sua elegância beduína, com a barba grisalha a condizer com o turbante branco e a napa pejada de tachas decorativas afundadas.
Tínhamos chegado aos 386 metros.
Aqueles confins orientais da cordilheira ainda subiriam até aos 1544 m do monte Jebel ech Chambi, o zénite da nação.
Três povoações, oásis e desfiladeiros do Atlas tunisino depois, com o sol a afundar-se para oeste do Saara, revertemos caminho apontados ao ponto de partida de Tozeur.
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