A Jornada Ferroviária de Banguecoque a Chiang Mai
Por alturas de Phitsanulok, o comboio para Chiang Mai balança num trecho menos suave da linha. Adèle não se deixa intimidar. Diz à filha para se segurar, mete a cabeça de fora da janela e faz mais uma das suas muitas fotos ferroviárias do já longo trajecto.
“Está de férias ou em trabalho?” perguntamos-lhe quando já não conseguimos mais suster a curiosidade. “Bom, é um misto das duas coisas. Para dizer a verdade, desta vez, com a miúda, está a parecer-me muito mais trabalho.” responde-nos num francês meio suspirado meio arrastado devido a um cansaço que já se havia tornado óbvio.
Adèle, regressa ao assento comprido que partilha com a pequena Niquita. Pega num livro de pinturas e num conjunto de lápis de cor e tenta abstrair a miudita de uma pequena birra iminente.
Que mulher de armas, aquela, acabamos por concluir, em conversa, após apurarmos também que, além de em viagem, estava ao serviço da revista Paris-Match num qualquer projecto editorial de que por lá se haviam lembrado.
Entretanto anoitece. Uma hora depois, Niquita já boceja e coça os olhos. O maquinista não parece melhor. Após sairmos de um longo túnel, faz o comboio deter-se, voltar a marcha e travar bruscamente para desespero de todos os passageiros.
Por essa noite, Adèle desiste de ensinar a filha a escrever. Passa a contar-lhe uma história de adormecer, com direito a representação das personagens e tudo. Niquita rende-se ao calor e à exaustão. A mãe francesa aconchega-a o melhor possível sobre o banco da carruagem. Ficamos os três à conversa. Não duramos muito mais.
Destino Final: Chiang Mai, a Capital do Norte Thai
Só acordamos de manhã, na estação terminal de Chiang Mai. O comboio já se havia detido e o desembarque de Adèle estava complicado. Ajudamo-la primeiro a descer com o carrinho de bebé e a sua grande bolsa militar verde tropa bem mais pesada do que pensávamos. Após o que regressamos ao interior e recuperamos o que nos faltava.
Caminhamos juntos na plataforma quando um polícia nos faz deter e a todos os transeuntes. Assim que começou a ser tocado o hino tailandês pelos altifalantes da estação, percebemos que, tal e qual acontecera antes da partida de Banguecoque, éramos mais uma vez vítimas das cerimónias de bandeira solenes e bi-diárias da Terra dos Mil Sorrisos.
Ao contrário do que nos lembrávamos da carruagem e de mais a sul no mapa tailandês, fazia frio por este norte e a meros 300 metros de altitude.
Despedimo-nos de Adèle e de Niquita. Metemo-nos num tuk-tuk a caminho de uma guest house com o nome da cidade. A dona e anfitriã não perde tempo a promover a sua figura de progenitora emprestada dos hóspedes suficientemente mais novos que ela. “Sentem-se e descansem.
Mama Honey e a Chiang Mai Guest House
A Mama Honey trata de vocês como se estivessem em casa dos papás!”. Serve-nos um pequeno-almoço digno de farangs – como tratam os tailandeses os forasteiros – que nisto de os satisfazer, a Tailândia sempre esteve à frente da maior parte das nações.
Durante toda a estada, a velhota engraçada, despachada e danada para o negócio haveria de nos prendar com bebidas e outras gentilezas. Mal percebia que já as tínhamos encetado, informava-nos do preço com um sorriso traquina nos lábios. “São 35 baths, crianças! Eu assento aqui, não se preocupem!”
Percebemos que é Domingo. Para variar, vencemos a sonolência própria de qualquer cansaço de barriga cheia. Aproveitamos o ânimo e saímos à descoberta de Chiang Mai. Caminhamos pelo centro histórico sem grande preocupação com a orientação.
Contemplamos e visitamos os templos budistas mais importantes da capital tailandesa do norte, o Wat Chiang Man – o mais antigo – o Wat Phra Singh, o Wat Chedi Luang, o Wat Phan Tao, o Wat Jet Yot e por aí fora. Wats não faltavam por aqueles lados. Alguns deles, de tal forma importantes no panorama histórico do sudeste asiático que são classificados pela UNESCO.
Templos e Mais Templos Budistas
São mais de 300 em Chiang Mai, quase tantos como os que existem em Banguecoque, uma megalópole muitas vezes maior. Destes 300, 120 estão dentro dos limites restritos da municipalidade, vários dos principais, dentro do domínio histórico quadrangular, protegido por fossos e, em parte, ainda por muralhas.
Os wats são a herança mais óbvia do passado conturbado da cidade e da região circundante, incorporada, ao longo dos séculos, em reinos e impérios Tai, Lanna Tai, da Birmânia e de novo Tai.
À medida que o sol sobe, o dia aquece e uma multidão preenche as velhas artérias urbanas sob o pretexto de celebrar a riqueza cultural e espiritual da sua ancestralidade.
Entramos numa rua pedestre e damos com uma verdadeira feira atafulhada de artesanato, quitandas de roupa e de comida. Percorriam-na tailandeses e visitantes estrangeiros. Pelo que entretanto percebemos, também dela faziam parte muitos expatriados.
A Celebração da Cultura Lanna de Chiang Mai
Chiang Mai é das cidades da Tailândia em que os estrangeiros mais gostam de se instalar. Há oferta abundante de empregos como professores de línguas, guias ou empregados de bar. O custo de vida é muito inferior ao de Banguecoque e não existem engarrafamentos nem a poluição infernal da capital.
Alguns farangs faziam inclusivamente já parte de exibições culturais e étnicas, cantares, danças e exemplificações de outras artes e ofícios que também animavam o mercado.
É levada a cabo uma parada cultural que percorre outras ruas. Dão-lhe cor veados dançantes a que certos espectadores fazem morder grandes colares.
Mulheres e meninas trajadas de vermelho e branco sincronizam coreografias suaves. Outras jovens em fatos garridos se movem, velozes, para melhor representarem as kinarees, figuras mitológicas que as distintas nações budistas e hindus foram adaptando à sua cultura
Na Tailândia, são meio-humanos, meio aves. Têm asas de cisne, amantes exemplares e símbolos eternos de prazer, de beleza e de sucesso. Percebemos, assim, porque as dançarinas os encarnavam com tanto afinco e alegria.
Ao fim da tarde, quase todos os participantes e espectadores estavam já derreados. Nem de propósito, no meio de uma praça junto a um retalho da muralha, há uma espécie de clínica de massagens tailandesas ao ar livre instalada sob grandes chapéus de sol.
As Sempre Convenientes Massagens Tailandesas
Não param de chegar novos pacientes. Aproveitamos e mimamos os corpos com o requinte sensorial daquela terapia milenar. Pela enésima vez desde a primeira que visitámos a Tailândia.
Sem surpresa, o sono que tínhamos conseguido rebater de manhã, voltou a seduzir-nos. Durante certas sequências mais suavizantes, não conseguimos resistir aos seus encantos, para gáudio das senhoras que delas se encarregavam. “Tenho boas mãos, não tenho?” pergunta-nos uma delas, orgulhosa, quando voltamos à consciência.
Confirmamos sem hesitação, até porque era essa a verdade mas suspeitamos que, com o cansaço que tínhamos em cima, as do Incrível Hulk teriam tido o mesmo efeito.
De novo na vertical, reactivamos o modo explorador e embrenhamo-nos no mercado nocturno. Ao invés do que se passara em Banguecoque, resistimos a compras de impulso entre as incontáveis criações e imitações que os tailandeses aperfeiçoaram com maus materiais e custo a condizer.
A Mama Honey parecia esperar-nos na guest house mas, dessa feita, não nos conseguiu impingir nada. O plano era nem sequer tocarmos nas camas e sairmos o mais depressa possível para jantar.
Depois de um repasto tailandês de rua, aí sim, voltámos ao quarto determinados em repor as energias que, ao contrário das de Chiang Mai, já iam quase a zero. Ficámos mais uns dias a explorar a cidade e vários dos seus restantes templos. Em seguida, viajámos até à Tripla Fronteira que atravessámos para o Laos.