A julgar apenas pelo som, podíamos ser levados a pensar que Juneau estava em guerra. Hidroaviões descolam uns atrás dos outros deslizando ao longo do Canal de Gastineau.
E dezenas de helicópteros sobrevoam-no e às redondezas em missões relâmpago.
Na origem, os causadores desta agitação são os gigantescos cruzeiros que atracam todos os dias nas docas da cidade, deixando-a à sombra, à medida que o Sol vai descendo por detrás.
A Estranheza Alasquense da Capital Juneau
Desembarcam de cada um dos navios verdadeiros exércitos de visitantes que se entregam às primeiras lojas de recordações que encontram.
Como quase todas as povoações do estado, Juneau é ínfima. Apanha desprevenido o típico yankee do Lower 48, habituado aos espaços sem fim e às metrópoles imponentes.
Inspirados pela mais pura ignorância, aqueles ofendem vezes sem conta os locais, perguntando-lhes, em plena baixa da capital alasquense, “onde fica afinal Juneau?” ou o caminho para lá chegar.
Quando elucidados, fartam-se do seu urbanismo minimal num par de horas e procuram compensar a desilusão com conquistas inesquecíveis na última fronteira dos E.U.A.
São eles os clientes preferidos das empresas de voos panorâmicos. Turistas com a mania das grandezas, carteiras a condizer ou mera disposição para gastar.
Voos Panorâmicos. Uma das Minas Estivais do Alasca
Num dia solarengo, os seus escritórios e hangares não têm descanso. Fazem-se reservas e mais reservas, pesagens atrás de pesagens e dão-se briefings após briefings desde as primeiras horas da manhã até ao pôr-do-sol tardio.
Os pilotos dos helicópteros, esses, repetem as mesmas rotas, locuções e piadas até à exaustão, satisfeitos pelo enriquecimento acelerado mas, ainda assim, ansiosos pelo fim da temporada. Não tanto como os seus sacrificados parceiros da montanha.
Até há algum tempo, os voos panorâmicos limitavam-se a desvendar os melhores cenários do Alasca. Mas a criatividade do marketing norte-americano não conhece limites.
A partir do meio da década de oitenta, as empresas de voos panorâmicos banalizaram as aterragens em glaciares e nos campos de gelo que os alimentam.
A Relação Lucrativa entre os Voos Panorâmicos e o Dog Mushing
E, pouco depois, associaram-se aos principais criadores de cães e mushers do Grande Norte e enriqueceram as suas aventuras com baptismos “a despachar” de Dog Mushing, nesses mesmos lugares extremos.
Com o passar dos anos, este tornou-se num dos pacotes que mais lucros gera ou não custasse cada tour de hora e meia para cima de 500 dólares.
Mas se a vida dos investidores no negócio se limita à gestão e recolha dos lucros, alguns dos participantes mais abaixo na hierarquia, sofrem a bom sofrer para garantir os seus dividendos.
Descolamos dos arredores de Juneau, para uma segunda experiência da “modalidade”.
À medida que o helicóptero sobe, deixamos a planície aluvial da península de Mendenhall. Ascendemos às alturas da Thunder Mountain.
Contra o vento, o piloto vence uma derradeira vertente e desvenda-nos o lago Mendenhall e um vale amplo pintado de azul pelo glaciar homónimo.
Ao Encontro do Acampamento de Dog Mushing de Mendenhall
Prosseguimos, então, ao longo dos 19 km do rio de gelo até à vastidão branca elevada onde nasce.
Aí, vislumbramos um enorme arraial branco semi-camuflado sobre a neve, em que ladram centenas de cães excitados pela aparição súbita da aeronave.
Somos recebidos por Ted Williams, o responsável pelo campo que nos conduz aos seus malamutes e huskies preferidos enquanto fala sobre a vida romântica mas árdua da equipa.
Ted descreve os longos períodos de retiro na montanha. Ele e os restantes membros costumam descer a Juneau apenas uma vez por semana.
E, entre esses dias, suportam um pouco de tudo, animados apenas pelo dinheiro que fazem e pelo convívio com os colegas e com os cães que treinam e tratam.
Quando as tempestades se instalam, os helicópteros deixam de aparecer e o isolamento pode durar semanas.
A Dura Subsistência de Muitos Mushers Aficcionados
A maior parte destes mushers são apaixonados pela modalidade e competem com os seus melhores cães nas principais provas, incluindo as mundialmente famosas Iditarod Trail e Yukon Quest.
Alguns dias antes de chegarmos a Juneau, conhecemos Greg Stoddard sobre o campo de gelo de Godwin, situado na proximidade de Seward, nas terras altas da Península Kenai.
Apesar dos latires e uivos ensurdecedores, Greg explica-nos o funcionamento do acampamento mas depressa atalha caminho para esclarecimentos e estórias do verdadeiro mushing.
Confessa, sem cerimónias, que a associação às empresas de voos panorâmicos e os meses passados na montanha lhes permitem dedicar-se, depois, a tempo inteiro aos treinos e à competição evitando antigos constrangimentos financeiros, os mesmos que muitos dos colegas mushers continuam a sofrer.
Decorridos alguns minutos, volta a interromper a conversa para atender a nova leva de turistas que acaba de sair do helicóptero.
Leva a cabo mais um curto périplo pelo acampamento.
Agrupa uma equipa de cães ansiosos e, transmitidas aos passageiros as instruções básicas de condução dos trenós, um colega faz a equipa canina deslizar sobre um trilho fechado já bem escavado na neve, incentivada por dois líderes Siberian Huskies conflituosos.
Aproveitando uma curta pausa do passeio, uma “passageira” cinquentona de vestido esvoaçante às flores e chapéu de palha pede para mudar do trenó para o posto de musher e, em três tempos, confunde totalmente os cães com os seus comandos incoerentes.
Até ao fim do percurso a dignidade do mushing pouco melhora.
Nenhum dos povos esquimós do Grande Norte Árctico alguma vez pensou que a sua forma de locomoção milenar pudesse ser tão infamemente profanada.
Enquanto os cruzeiros atracarem no Alasca e os turistas do sul desembarcarem dispostos a gastar, este estranho Dog Mushing de Verão terá que continuar.