Na segunda manhã que passamos ancorados em Santorini, recuperamos o périplo da ilha pelo cerne da questão. Uma embarcação de apoio do “Celestyal Crystal” leva-nos ao porto velho no sopé da vertente massiva em que se dependurava Fira.
Ali, subimos a bordo de um barco tradicional de madeira prestes a zarpar para Nea Kameni. Lá desembarcamos ávidos de uma exploração enriquecedora do âmago de lava do que foi, em tempos, a caldeira do grande vulcão Fira.
Alcançamos o cimo fumegante de Kameni, acompanhamos as explanações científicas e históricas do guia e apreciamos o cenário fascinante do estreito que separava Nea Kameni de Paleo Kameni.
Voltamos ao barco de madeira e contornamo-la até Athinios, o porto moderno e em permanente reboliço que acolhe os ferries procedentes de outras paragens do Egeu.
Dali, aos esses pelos penhascos acima, inauguramos um itinerário rodoviário aturado com paragens na Red Beach e na estação arqueológica de Akrotiri, que abordaremos com a devida atenção. Mais para o fim da tarde, o condutor deixa-nos, à entrada de Fira.
A Entrada Vespertina pelos Fundos de Fira
A superlotada vizinha Oia até podia continuar a chamar a si o protagonismo fotográfico e o estrelato de Santorini em geral. Ainda assim, não tínhamos como ignorar Fira. Afinal de contas, estávamos perante a capital e a maior urbe da ilha.
Uma ladeira leva-nos das imediações do terminal de autocarros, ruas acima, até ao caminho Nomikou M.. Quando chegamos a esta orla murada, mal podemos crer no panorama que temos por diante e em redor.
Uma catadupa de casas brancas, de terraços, torres, cúpulas, varandas e elementos arquitectónicos cicládicos condizentes espraia-se pelo cimo inclinado da vertente, até um limiar com o seu quê de tresloucado que a gravidade e a erosão continuam a tolerar, a 260m acima do nível do mar.
Logo abaixo, estão as ravinas recortadas e irregulares da velha caldeira. Desenrolam-se numa palete de castanhos, verdes e ocre que suavizam a transição para o azul petróleo do Egeu abaixo, em que permanecia ancorado o “Celestyal Crystal”.
Como é suposto numa ilha e cidade cristã, as igrejas coroam o casario. Dele se destacam a Catedral Metropolitana Ortodoxa, sede da diocese de Fira, Amorgos e das Ilhas, por certo um dos santuários com melhores vistas à face da Terra.
E, acima de onde a contemplávamos, a Catedral amarela de São João Baptista, a principal igreja católica de Santorini, não menos prendada no que a panoramas concerne.
Num único ápice contemplativo, vimo-nos abençoados com o privilégio de explorarmos e vivermos uma urbe numa ilha como aquela, sem disputa, a mais excêntrica do vasto território helénico, assim ditaram os eventos geológicos que a esventraram.
Nomikou M. e Ipapantis. Dois dos Caminhos com Melhores Vistas do Mediterrâneo
Repetimos o cima-abaixo da Nomikou M. e da Ipapantis que lhe dava seguimento para sul, uma peregrinação que nos fatigava mas que, quanto mais prolongávamos mais se confirmava divinal.
Dessas veias limítrofes da cidade, admiramos centenas de outras almas num deleite semelhante. Casais apaixonados sentados em esplanadas flutuantes.
Grupos de amigos em férias que suspiravam perante a sumptuosidade das paisagens, instalados noutros assentos tão ou mais surreais: o do Volkan Cinema do Nomikos Cultural Center, enfeitado por cartazes que anunciavam um programa cinéfilo em redor da temática helénica: “Viram-se Gregos para Casar” uma comédia romântica de 2002 que conta com Tom Hanks.
E, malgrado ter sido filmado em grande parte em Vis, na Croácia, o musical “Mamma Mia”.
Acontece com frequência a quem visita Fira nos sempre apressados cruzeiros ficar-se pelos níveis superiores da ilha e das povoações. Em pleno mês de Junho, quando os dias são os mais longos, vimo-nos com tempo para incursões às camadas inferiores da capital.
Os Acessos Díspares às Alturas de Fira
Coexistem em Fira três formas de subir do Porto Velho da cidade para as suas alturas: a mais fácil, o teleférico que assegura um trajecto linear de 3 minutos de meia-hora em meia-hora ou a cada 20 minutos, conforme a estação do ano.
Uma escadaria de cimento cumpre a mesma ligação numa versão ziguezagueante feita de 587 degraus exigentes. Quem quer poupar o custo do teleférico sobe a pé.
A terceira alternativa, a dos burros-taxi da cidade tem um custo bastante mais elevado que o teleférico.
Pois, com ou sem intenção, acontece a quem percorre a longa escadaria cruzar-se com as caravanas de burros. Conscientes das origens tradicionais do meio-de-transporte, começámos por nos posicionar em locais estratégicos para os fotografarmos em movimento.
Como quase sempre acontece, quisemos mais. Metemos conversa com os seus donos e condutores, pedimos para os fotografarmos com mais cuidado. Sem percebermos nem como nem porquê, suscitamos uma discussão entre os proprietários que se arrastou por quase uma hora.
A Polémica em Volta dos Burros-Taxi de Fira
Tudo começou quando aquele a que pedimos a foto, vestido com trajes mais típicos, recusou de imediato o nosso repto. Um outro que, ao contrário desse, falava um inglês muito atabalhoado, tentou justificar o colega. De início, pareceu-nos que queria transmitir que, se o queríamos fotografar, tínhamos que contratar os seus serviços.
Dedicámos um momento sentado ao que se passava e nos dizia. Não tardámos a apurar que o fulcro do problema era outro: “vocês vêm cá fotografar e levam as imagens para publicar, certo? explanou-nos.
“E, depois, fazem sair mais não sei quantos artigos a impingirem às pessoas que os animais são escravizados, vítimas de maus-tratos e coisas assim.”
Verdade seja dita que não os tínhamos abordado com tal intenção. Fosse como fosse, numa era de sensacionalismo e redes sociais em que tudo descamba em escândalo e exagero, defensores e pseudo-defensores dos direitos dos animais tinham denunciado a exploração sistemática dos burros para um transporte desnecessário tendo em conta a existência da escadaria e do bem mais barato teleférico.
Alertavam o mundo, em particular, para a violência de os animais carregarem turistas obesos num trajecto, apesar do ziguezagueado, bastante íngreme, apenas para viverem uma experiência dita pitoresca.
Ora, a polémica agitou a harmonia tradicional e o profissionalismo em que antes operavam os donos dos burros que têm inclusive um site online com toda a informação, os itinerários, preços e até a possibilidade de fazer reservas e deixar depósitos.
Terá também diminuído sobremaneira o número dos passageiros que sustentavam as suas vidas.
Os Nomes Prolíficos e a Longas Histórias de Santorini e de Fira
O casario de Fira estende-se para norte até aos seus próprios arredores insulares de Firofistani e Imerovigli. Já a uma boa meia-hora a pé do centro de Fira, Imerovigli marca o lugar mais elevado da orla da caldeira mas também o extremo porque se fica a aglomeração de casas.
Daí para cima, o caminho passa entre hotéis, resorts e restaurantes aterraçados.
Logo, entrega-se a um domínio ora rochoso ora rural e serpenteia até à ponta oeste de Oia, a única povoação de dimensão comparável, a única que ofusca o brilho urbano de Fira e a que, um destes dias, dedicaremos o seu próprio artigo.
De acordo com os escritos de Heródoto, a ilha-vulcão chegou a ser chamada de Strogyle devido à forma redonda que possuía. Fira (Thira, Thera) foi o nome mais tarde adaptado pelos Dóricos de Esparta, em homenagem ao seu rei Theras.
O ainda hoje bem mais popular Santorini terá sido disseminado durante o Imperio Latino (1204 – 1261) vigente em plenas Cruzadas, como contração de Santa Irine, a santa que tinha uma capela em sua honra na zona da actual Perissa e por que os colonos venezianos do Egeu se habituaram a tratar a ilha.
Destes nomes, num determinado momento geológico a partir de 1500 a.C., Strogyle deixou de fazer sentido.
A Erupção Destruidora e Disruptiva da ilha-vulcão Fira
A ilha-vulcão entrou num processo eruptivo relativamente longo que terá permitido aos habitantes refugiarem-se noutras ilhas. Nesse processo, a grande explosão acabou por se dar com uma potência brutal, crê-se que muitas vezes superior à famosa explosão do vulcão indonésio de Krakatoa.
Enquanto esta desfez uma cratera com 20km2, a do vulcão de Fira fez colapsar uma cratera com mais de 80km2.
Algumas teorias defendem que a configuração actual de Santorini foi resultado de uma sequência de eventos geológicos precipitados pela erupção: primeiro o abatimento do núcleo.
Depois, o alastrar desse abatimento até à abertura de um canal noroeste que permitiu a invasão do mar. Logo, a erosão intensa provocada por esta invasão que acabou por fazer desaparecer quase toda a secção ocidental da caldeira mas viu surgir a ilha central do vulcão de Kameni.
Akrotiri e o Legado Arruinado da Erupção
A pouco mais de onze quilómetros a sul da capital Fira, no fundo do “grande croissant” em que assenta hoje Santorini, encontramos Akrotiri.
Lá nos deslumbramos com o complexo de ruínas que, a partir de 1967, os arqueólogos têm desenterrado debaixo de uma grande camada de cinza vulcânica e revelado ao mundo.
O colapso da então minóica Akrotiri deu-se sem o dramatismo humano de Pompeia, onde os habitantes se viram surpreendidos por um fluxo piroclástico inexorável, durante o seu sono.
Em Akrotiri, não foram achados joias, valores, muito menos esqueletos, ossadas humanas ou corpos fossilizados. As cinzas preservaram frescos, potes e muitos outros artefactos e utensílios.
Esta realidade do pós-erupção permitiu concluir que os habitantes de Akrotiri e de outros lugares de Santorini terão tido tempo de se refugiarem em ilhas vizinhas, provavelmente em Creta, a ilha-mãe da civilização minóica.
Em 360 a.C., na sua obra “Diálogos”, Platão faz Critias abordar e revelar a Timateus pormenores de uma cidade perdida situada num determinado raio de Atenas e que Atenas veio a derrotar.
Vários estudiosos têm concordado na possibilidade de a Atlântida ter sido a civilização minóica que controlava Thera, Creta e outras ilhas circundantes.
Esta civilização proliferou e evoluiu precisamente até à erupção cataclísmica do vulcão e ao maremoto avassalador que se lhe seguiu.
Certos cientistas estimam que as ondas geradas mediram até 60 metros. Com tal dimensão, quer fosse tratada por Minóica ou por Atlântida, não espantará que a tenham afundado e arruinado para sempre.
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