A espera é tão curta quanto o contador decrescente digital marcava.
Pontual ao segundo, a pequena composição azul-celeste Expresso Sentosa surge de uma curva fechada do monocarril. Desprovida de qualquer agente humano, desliza até à estação.
Uma pequena multidão multiétnica entra nas carruagens futuristas de forma ordeira.
Ali, fica a aguardar o início da viagem enquanto a áudio-anfitriã transmite instruções e informações em várias línguas.
As portas fecham-se com um som espacial. O comboio avança sobre o mar da Harbour Bay.
A determinada altura, passa diante dos contentores sem fim do porto de Singapura, até há bem pouco o mais movimentado do mundo, ultrapassado apenas recentemente pelo de Xangai.
Alguns passageiros são apanhados de surpresa pela imensidão do cenário surreal e expressam a sua admiração.
Outros – os nativos já conhecedores e os que se mantêm de olho nos filhos irrequietos – limitam-se a ansiar pela chegada à que se habituaram a ver como a ilha da salvação.
O governo de Singapura luta há muito para evitar a estagnação da economia nacional e tenta optimizar o número de habitantes através da captação de talentos dos quatro cantos do mundo a quem oferece salários, casas, protecção social e restantes benesses acima da média.
Mais que necessários, estes iscos são imprescindíveis. Quem chega, apercebe-se que o espaço e as novidades a explorar na pequena Singapura depressa se esgotam. O mundo muçulmano socialmente semi-rígido em redor – Malásia e Indonésia – levanta uma barreira de que os próprios singapurenses mais ocidentalizados se queixam.
Sentosa surgiu como uma resposta das autoridades a este sentimento de aborrecimento e clausura. Em três décadas, o governo converteu-a de bastião militar hiperactivo no principal recreio da região.
O Passado Militar de Sentosa
Durante a 2ª Guerra Mundial, a ilha foi fortificada pelos britânicos que aguardavam uma tentativa de invasão nipónica, por mar. Os japoneses trocaram-lhes as voltas. Capturaram primeiro a Malásia vindos do norte. Apesar de os colonos se gabarem de que era inexpugnável, Singapura não tardou a cair.
Com a inversão do poder, Sentosa foi transformada num campo de concentração para prisioneiros de guerra britânicos e australianos. Também lá seriam assassinados chineses suspeitos de actividades anti-nipónicas.
Confirmada a reviravolta e a vitória dos aliados, o 1º Regimento de Artilharia Real fez dela a sua base. Dez anos mais tarde, seria substituído por unidades de infantaria Gurkha encarregues de defender a ilha contra a ameaça da Konfrontasi, uma acção de retaliação e sabotagem indonésia contra a criação da Federação da Malásia (que agrupou, por alguns anos, os territórios de Singapura e da actual Malásia).
Já nos anos 70, o governo do território independente considerou que estava conseguida a estabilidade desejada. Transformou a ilha num refúgio de diversão e férias com o propósito de animar os residentes e atrair visitantes.
Sentosa: de Bastião Militar a Ilha da Paz e Tranquilidade
Aproveitou ainda para a rebaptizar de Sentosa, um termo que significa paz e tranquilidade, em Malaio. Desde então, investiu 319 milhões de euros, a que se juntaram 268 milhões de capitais privados. O lugar sofreu uma longa metamorfose. Como acontece com frequência na pragmática Singapura, os objectivos foram suplantados. Hoje, são cerca de 5 milhões as almas que se entretêm todos os anos em Sentosa.
Deixamos o monocarril na estação de Waterfront. Damos de imediato com as bancadas erguidas em redor de um campo de vólei de praia montado para acolher uma prova internacional do desporto.
Contornamos a estrutura e confrontamo-nos com uma das várias enseadas artificiais da ilha, construídas com areia trazida de outras partes do sudeste asiático.
Molhes elevados, erguidos com pedras empilhadas, cobertos de terra batida e uma linha de coqueiros tombados protegem a pseudo-baía do mar do Estreito de Singapura. Também a isolam de uma vista náutica nada idílica que a nação não se pode dar ao luxo de sacrificar.
Banhistas esbracejam dentro da água quase imóvel. Outros, absorvem os raios solares deitados sobre o areal elevado. A atmosfera é o mais balnear possível, tendo em conta as circunstâncias.
Para lá do molhe, estão atracados ou navegam dezenas de petroleiros e cargueiros de calado impressionante que, não fosse a barreira, provocariam pequenos maremotos.
A passagem marítima ao largo liga o Pacífico ao Índico. De outra forma, a passagem de um oceano para o outro obrigaria a um ziguezague entre as ilhas indonésias. É a passagem náutica mais movimentada à face da Terra.
Os Vários Mundos do Entretém da Ilha Sentosa
Subimos à linha de costa falsa, decididos a contemplarmos o cenário surreal. Acabamos por o partilhar com uma família de chineses também eles intrigados. Em seguida, mudamo-nos para o famoso Underwater World Sentosa.
Ali, uma passadeira rolante move os visitantes em redor dos tanques gigantescos, num fundo de mar oxigenado que exploramos sob as silhuetas deslizantes de raias e tubarões.
Somam-se às cores dos peixes e dos corais as do saris das mulheres indianas e dos baju melayus das senhoras malaias. A mistura forma um ecossistema improvável que nos entretemos a estudar enquanto as famílias se fotografam e filmam junto dos seus espécimes preferidos.
De volta à superfície, sobram outros mundos para desvendar: o parque das borboletas, o jardim dos insectos e a Terra dos Vulcões, decorada com motivos e temas maias.
De quando em quando, alguns destes domínio temáticos desgastam-se ou sofrem percalços e são substituídos por outros. Foi o que aconteceu com a Ilha da Fantasia que, dois acidentes mortais depois, fechou as portas.
Espreitamos também a Tiger Sky Tower que nos espanta com um panorama a 360º sobre Singapura, a Malásia e o estremo norte retalhado do arquipélago de Sumatra, esta última a paragem asiática de que tínhamos chegado havia uns dias.
Ainda recuperávamos energias da longa aventura indonésia que, no que dizia respeito a cansaço, o calor e a forte humidade singapurense só haviam prolongado. Aproveitamos, assim, diversas experiências inovadoras de um SPA excêntrico.
A Podologia Excêntrica do Fish SPA de Sentosa
E cedemos a juntarmo-nos a um grupo de amigas que trocam gritos histéricos com os pés imersos num tanque repleto de peixes Garra Rufa. Apenas para lhes estragarmos a festa.
À entrada, só vemos lugar do canto oposto do tanque. É lá que nos sentamos.
Começamos a dialogar com as nativas até que, sem intenção, causamos uma inesperada injustiça: “Oh, assim não pode ser!! Vocês é que ficam com todos??“
Por andarmos há meses de sandálias de caminhada, tínhamos os pés queimados pelo sol. Os peixes preferiam os nossos aos brancos e imaculados das adolescentes. Mudaram-se para o nosso lado num ápice.
O dia termina cedo sobre o Equador, e esta linha divisória da Terra passa só um pouco abaixo de Singapura.
Deixamos o edifício requintado. Partimos à descoberta de outros recantos da ilha, o Forte Siloso, na praia homónima e a Palawan que tomou o nome de empréstimo de um sub-arquipélago do sul das Filipinas, quem sabe, também alguma da sua areia.
Ali, a final de um concurso de boogie anima dezenas de crianças que dançam, em fato de banho, ao som de música estridente. É mais ruído e movimento do que estamos dispostos a assimilar e do que o significado malaio de Sentosa prometia.
Afastamo-nos da competição. Ficamos a observar os petroleiros e os cargueiros contra o pôr-do-sol que pintava o vasto Estreito de Singapura.