Não seria a primeira vez, nem a última.
Nessa manhã, um dos muitos cruzeiros que sulcam o Mar das Caraíbas surgia atracado ao largo de Scarborough. Alguns passageiros tinham desembarcado para umas curtas voltas guiadas pela cidade e distintas partes de Tobago.
Outros, nem isso. Aglomeravam-se num pequeno centro comercial em frente ao porto. Disputavam um sinal de Wifi que para pouco ou nada servia.
Quando por ali passamos e os vemos naquela inércia e desinteresse por Tobago, sentimo-nos privilegiados a dobrar.
Por não seguirmos a bordo do cruzeiro. Por termos bem mais que meia tarde para dedicar à ilha. E por a podermos deixar quando nos der na gana.
Scarborough: À Conquista do Forte King George
Apanhamos um táxi. O destino é o forte King George, o grande monumento da cidade.
Situado no cimo da colina de Scarborough, bem acima da Baía Rockly a que, mais tarde, se apegaria a cidade, o transporte poupava-nos, nem que fosse só isso, a uma caminhada extenuante.
A ladeira da Fort Street termina já em pleno complexo histórico.
O mesmo sítio em que se esgota a sorte do taxista, enfurecido ao se aperceber que uma pick-up acabava de lhe amolgar o carro.
Deixamo-lo a discutir com o responsável pelo incidente.
Uns meros passos e damos com o topo, ainda armado por canhões negros, encaixados em ranhuras deixadas abertas num muro de metro, agora sobre um relvado imaculado.
Os canhões apontam à vastidão azul-marinha e celeste do Mar das Caraíbas. A mesma imensidão aquática em que o farol local sinaliza a ilha à navegação.
Nos nossos tempos, as fronteiras de Trinidade e Tobago estão consolidadas e a salvo de rivais.
Piratas ainda infestam as águas ao largo. Atacam, sobretudo, pequenas embarcações desprevenidas.
Tobago e a Complexa História Colonial das Índias Ocidentais
Na longa era de colonização das índias Ocidentais, como tantas outras, estas partes das Caraíbas foram híper-disputadas.
Até mesmo por nações menos assíduas na corrida ao Novo Mundo, casos da Suécia e da Comunidade Polaca-Lituana.
Os diversos pretendentes europeus confrontaram-se com a resistência aguerrida dos indígenas Kalina que, não obstante, os espanhóis baseados em Hispaniola, conseguiam raptar e usar como mão-de-obra escrava.
Até 1628, os muitos indígenas que contornaram esse destino, evitaram todas as tentativas de ocupação de Tobago. Conseguiram-na, por fim, os holandeses.
Daí em diante, assim registou a História, a ilha mudou de nação mais de trinta vezes.
Os canhões que encontramos disseminados pelo agora complexo-museu, num ambiente tropical-luxuriante salpicado de palmeiras imperiais, serão já menos.
A par com o paiol que os municiava de pólvora e com a vizinha grande cisterna, testemunham o comprometimento dos britânicos, entre 1777 e 1779 em erguerem a fortaleza e se preservarem donos e senhores de Tobago.
Mesmo assim, decorridos apenas dois anos, os franceses reconquistaram a ilha e apoderaram-se do forte.
O já longo ping-pong de Tobago, entre franceses e britânicos prosseguiu.
Os Britânicos tomaram a ilha, de vez, em 1803. Ficaram até à declaração de independência de 1962.
Do zénite panorâmico do forte, apreciamos o ferry que assegura a ligação de Tobago à irmã Trinidade, deixar um rasto curvo no mar.
Vemos o cruzeiro hiperbólico ainda atracado e a fumegar sobre Scarborough.
Só não vemos sinal dos seus passageiros, em grande parte, norte-americanos, no Forte King George Heritage Park que continuámos a explorar.
De Volta a Scarborough
Meia-hora depois, com a lição de história do dia apreendida, regressamos ao quase nível do mar do extremo oeste de Tobago. Apontados a uma provável recompensa balnear.
Desta feita, descemos a Fort Street a pé. Cirandamos um pouco pelo centro de Scarborough. A cidade prova-se incaracterística, pouco ou nada fotogénica. Depressa vemos esgotar-se o interesse que lhe poderíamos encontrar.
Metemo-nos num autocarro. Atravessamos os bairros de Canaan e de Bon Accord, ambos acima do aeroporto principal da ilha e de uma zona dotada de pequenos resorts que uma beira-mar pouco apelativa nada fazia por merecer.
Naquele vadiar, prosseguimos por uma tal de Pigeon Point Road. Percorremos o litoral de Tobago virado a ocidente. Em termos de cenários tropicais, o caso depressa mudou de figura.
A Atarefada Swallows Beach de Tobago
A via torna-se íntima com uma sebe de coqueiros que, a espaços, nos desvenda o Mar das Caraíbas típico de dias solarengos. Tom de esmeralda, para lá de uma barreira de recife providencial, a tornar-se turquesa.
O areal aumenta.
Uma tal de Swallow Beach fervilha sob o sol inclemente e de um inesperado frenesim balnear. Nessa tarde, dezenas de famílias das redondezas por banham-se por ali.
Convivem entre barcos de pesca que servem de pouso a uma outra comunidade local, a dos pelicanos.
Nem todos os tobagenses repousam e se divertem.
Numa propriedade abarracada, uns poucos pescadores amanham e cortam peixes recém-pescados.
Dezenas de pelicanos conflituosos acompanham os seus movimentos, à espera das sobras com que os homens os prendam.
Progredimos para norte. Sem aviso, a península passa de aberta e popular a um domínio pago com cancelas à entrada.
E o Domínio Esplendoroso e Protegido do Pigeon Point
O litoral da Swallow Beach dava lugar ao famoso Pigeon Point de Tobago, à imagem do Fort King George, também ele convertido em Heritage Park.
Os coqueiros despontam, agora, de um relvado aparado. Duas placas afixadas no tronco de um deles indicam o espaço de estacionamento reservado a um casamento.
Passo a passo, percebemos porque se diz que o Pigeon Point acolhe as praias mais deslumbrantes de Tobago.
A razão do seu estatuto protegido e da tarifa de entrada.
A Pigeon Point Rd estende-se por entre os coqueiros. Volta a aproximar-se da beira-mar.
Em simultâneo, daquele que se tornou o lugar turístico imagem de marca de Tobago, o seu pontão dotado de telhado de colmo.
Detemo-nos na base. Apreciamos e a fotografamos as Caraíbas imaculadas em redor.
Dois rapazes saem da sombra do coqueiral. Propõem-nos que nos juntemos ao passeio seguinte de um barco glass bottom ali sediado.
Agradecemos, mas recusamos. Em vez, caminhamos praia acima. Até ao lugar exacto do Pigeon Point e para o lado de lá da península.
Um conjunto multinacional de banhistas, em boa parte forasteiros norte-americanos, britânicos e de outras partes da Europa, banham-se, dormitam, bronzeiam-se em distintos tons do Caribe.
Vão ao bar-restaurante “Renmars”.
Voltam com cervejas “Carib”, rum punches, mojitos e bebidas tropicais afins. Um núcleo particular de veraneantes emborca-as no bar, de olhos postos em partidas de futebol exibidas em TVs.
Tudo parece normal e pacífico. Como acontece, amiúde, nestes confins das velhas Índias Ocidentais, a realidade foi imposta por uns poucos poderosos, para privilégio de outros tantos.
Pigeon Point: a Génese Ornitológica
Crê-se que o nome Pigeon Point teve origem no início do século XIX. Por essa altura, cobria a península um mato tropical denso. Essa vegetação sobreviveu a sucessivos furações e tempestades.
Em, 1887, não resistiu aos planos coloniais de transformação numa plantação de coqueiros.
Assistiu o processo, um capataz, James Kirk de seu nome. Ora, Kirk também era um ávido ornitólogo, autor do guia “List of Birds of Tobago”. Num período prévio à desflorestação, constatou que grandes bandos de pombos selvagens por ali habitavam e nidificavam.
Com o tempo, o seu entusiasmo e testemunho deram origem ao baptismo.
À medida que as autoridades de Trinidad e Tobago viram a importância turística de Tobago intensificar-se, procuraram nacionalizar e gerir os lugares com maior potencial da ilha.
E a Polémica que Perdura
O Pigeon Point pertencia, desde 2005, a um conglomerado poderoso.
O governo viu-se obrigado a despender uma pequena fortuna (em redor de 15 milhões de euros) para o adquirir.
Por esse valor, a promessa foi cumprida e, como era devido, o Pigeon Point transformado em Heritage Park.
A controvérsia adveio e subsiste entre os habitantes, de, terminado esse processo, as autoridades terem imposto um preço à entrada na península, barrando o seu uso pela camada mais humilde da população de Scarborough que se passou a ver limitada à longa, mas quase sempre repleta de barcos de pesca, Swallow Beach.
Com o crepúsculo a insinuar-se, inauguramos um arrastado regresso à casa de Scarborough.
No pontão do Pigeon Point, já contra o fundo alaranjado do horizonte, o barco glass bottom voltava da sua derradeira navegação contemplativa.
Desembarcava passageiros encantados.
À Swallow Beach, por sua vez, retornavam barcos de pesca, carregados com o peixe que alimenta a cidade.
No meio das embarcações, banhistas persistentes prolongavam o repouso balnear.
A Swallow Beach mantinha uma água morna que, por enquanto, nem eles nem os incontáveis pelicanos, tinham que pagar.