Estamos no final da época das chuvas.
O avião sobrevoa a ilha de Panay, entre camadas de nebulosidade. Sem aviso, o branco difuso fica-nos acima. Desvenda-se uma superfície verdejante.
Campos agrícolas, sobretudo arrozais ensopados, retalham a floresta tropical. Descemos mais.
Os cenários tornam-se tão nítidos que percebemos as sebes de palmeiras de areca, nas orlas dos minifúndios. Uns poucos lugarejos salpicam o verde, alinhadas ao longo de estradas.
Quando as povoações se sobrepõem às plantações, no que nos parece a iminência de Iloilo, aterramos.
Lyn Ay, a guia local, depressa define as prioridades.
Casa Mariquit: em Destaque no Legado Colonial Hispânico de Iloilo
Seguimos directos para uma tal de casa Mariquit, um impressionante exemplar das mansões legadas e inspiradas pelos colonos espanhóis.
Existiam bastantes, em Iloilo, e no todo de Panay. A Mariquit destacava-se das demais.
Erguida em 1803, continuava preservada como a casa colonial mais antiga da cidade.
Encontramo-la na rua de Santa Isabel do bairro de Jaro.
Um conjunto arquitectónico com fachadas em tijolinho, até mesmo a moldura do portão que dá acesso ao pátio gradeado que se estende diante e abaixo de uma varanda integral, em parte, à sombra de uma figueira-da-Índia portentosa.
Entramos.
O silong – o piso térreo – dá para uma escadaria de madeira escura, com laterais e corrimões de ferro fundido.
Daí para cima, tal como já acontecia com as escadas, um soalho feito de mogno maciço disputa o predomínio do tijolinho.
Também chamada de Javellana-López, a mansão está repleta de mobília e elementos decorativos originais e seculares, incluindo velhas fotografias de quem a habitou. Não só.
Foi Ramon Javellana, um banqueiro abastado, quem mandou erguer a Casa Mariquit.
Fernando “Nanding” Hofileña López, o Diplomata que Recuperou Mariquit
Anos mais tarde, tornou-se o lar da sua neta Maria Salvación Javellana-López, conhecida na família e comunidade por Mariquit (bonita, no dialecto tagalog) e do seu marido Fernando “Nanding” Hofileña López, um ilonggo conceituado, desde cedo imiscuído nos assuntos de estado filipinos.
De tal maneira que, entre 1949 e 1953, serviu como o vice-presidente de Elpídio Quirino e, mais tarde, entre 1965 e 1972, do Presidente Ferdinand Marcos.
Sem surpresa, além das fotos de família, também encontramos incríveis registos diplomáticos.
De reuniões e encontros com grandes líderes mundiais: com o 36º presidente dos Estados Unidos Lyndon Johnson, o imperador Hirohito, o General Franco e o ex-Presidente da China, mais tarde, de Taiwan, Chiang Kai-shek.
Nos derradeiros anos de vida de Fernando López (falecido em 1993) a casa degradou-se. O seu bisneto encarregou-se de a recuperar.
Como resultado, a Casa Mariquit foi declarada herança histórico-cultural de Iloilo.
Passou a funcionar como uma espécie de museu privado, a acolher visitas de forasteiros.
Uma Inesperada Sessão Fotográfica Casamenteira
De uns poucos, como nós, meros admiradores curiosos da nação filipina. De outros, infinitamente mais populares, caso do Papa João Paulo II que a abençoou durante uma breve passagem, parte de um périplo filipino.
Chegamos ao cimo da escadaria. Esperávamos encontrar um ou outro visitante. Não o que passámos a testemunhar. Uma mulher filipina ia casar-se.
Cercam-na outras, em vestidos axadrezados e coloridos tradicionais, damas de honor, amigas, familiares.
Compunham encenações de uma produção fotográfica conduzida por um fotógrafo cingalês.
Uma das cenas centrava-se numa liga alva que uma das acompanhantes fazia subir e descer numa das pernas da noiva.
Noutra, as mulheres seguravam bouquets de flores.
A sessão pré-casamenteira termina.
A noiva e restantes modelos entregam-se a uma alegre cavaqueira. Nós, cirandamos pelo piso superior. Arejamos na varanda, com vista para o dia-a-dia de Iloilo.
Mães traziam os filhos da escola.
Condutores de triciclos a pedais e motorizados, omnipresentes nas Filipinas, circulavam, uns poucos já prendados com passageiros, a maior parte, em busca dos seus.
Lyn Ay tem o tempo contado. “Gostava de vos levar a um outro nosso património.
Fica fora de Iloilo, mas sempre fez parte da história da cidade.”
Iloilo a Miagao: em Busca da Igreja de Santo Tomás de Villanueva de Miagao
Circulamos cerca de 40km, numa hora, por uma estrada quase-marginal, a Iloilo Antique Rd. Cruzamos o rio Tumagbok. Pouco depois, entramos em Miagao.
Um desvio para uma tal de Noble Street, deixa-nos de frente para um dos monumentos religiosos ancestrais de Panay e das Filipinas, a igreja paroquial de Santo Tomás de Villanueva de Miagao, mais conhecida como igreja de Miagao.
Antecede-a um jardim que uma chuva recente encharcara. Aproximamo-nos. De imediato, no todo do templo erguido entre 1787 e 1797, surpreende-nos uma inusitada arquitectura barroca-romanesca.
A fachada é composta de uma mescla de pedra calcária, coral, adobe e até ovo. Ostenta uma superfície mais clara que as torres. Inclui três nichos santificados por Tomás de Villanueva, Henrique da Baviera e o Papa Pio VI.
Destacado no centro do frontão, há um coqueiro, interpretado como uma “árvore tropical da vida”.
Em trajes tradicionais filipinos, São Cristóvão agarra-se ao coqueiro, com um menino Jesus às suas costas.
Dos lados e abaixo, abundam relevos com outras árvores cruciais, papaieiras, palmeiras.
E cenas do dia-a-dia rural das gentes da ilha.
As Funções Também Defensivas da Igreja de Miagao
As duas torres que ladeiam a nave surgem inclinadas para trás, como se um dos tremores de terra frequentes das Filipinas as tivesse abaulado de forma selectiva.
Além disso, encomendadas por padres diferentes, são distintas. A da esquerda é a mais antiga e a mais alta, com quatro níveis.
A oposta conta com três, o último nível, adicionado, em 1830, pelo padre designado para a paróquia, Francisco Pérez, provavelmente apreensivo com a insuficiência das vistas que proporcionava. Se assim foi, a sua preocupação tinha razões de ser.
Espanha decidiu-se a conquistar e colonizar o arquipélago filipino, a partir de 1565. Decorriam quarenta anos de quando o chefe tribal Lapu-Lapu e os seus guerreiros chacinaram Fernão Magalhães, num manguezal da ilha de Mactan.
O líder da expedição, o navegador basco Miguel de Legazpi, zarpou do México, com instruções validadas por Filipe II de Espanha, I de Portugal, monarca que inspirou o baptismo do arquipélago.
Tal como acontecera nas Américas, os espanhóis depressa se expandiram. No centro e sul das Filipinas, confrontaram-se com forças muçulmanas, tidas como moros orientais. Miagao tornou-se um alvo frequente.
A igreja de Santo Tomás de Villanueva foi, assim, fortificada, dotada de torres que permitiam destrinçar as embarcações no Golfo de Panay a sul.
Exploramos o interior. Uma congregação cristã recém-chegada, ocupa a frente do altar. Entrega-se a orações.
Nós, prosseguimos.
Pelo Interior de Panay, de Regresso a Iloilo
Internamo-nos na ilha. Na imensidão de arrozais que tínhamos apreciado do avião e, aqui e ali, de coqueirais que a época das chuvas mantinha viçosos.
Nova bátega gera um arco-íris.
Perseguimo-lo por algum tempo, a caminho de um atelier perdido no campo, onde umas poucas tecelãs produziam tecidos idênticos aos que vimos as mulheres usarem, na Casa Mariquit.
Regressamos a Iloilo com duas horas para o ocaso.
Usamo-las para explorar outros lugares incontornáveis da capital. Lyn Ay leva-nos aos escritórios do departamento de turismo para que trabalhava, no cimo de um edifício alto.
Iloilo, a Capital Hispânica e Cristã da Ilha de Panay
Do terraço, admiramos a Praça da Libertad onde a bandeira da República das Filipinas foi hasteada, após a rendição das forças espanholas às revolucionárias de Iloilo.
Percebemos o Estreito de Guimaras que delimita a cidade a sudeste.
Logo abaixo, jovens disputam uma partida de basquetebol.
Abençoa-os a igreja de San José Placer, erguida pelos jesuítas, em 1607, e, como tal, a primeira de Iloilo.
A pouca distância, a de Santa Ana, de 1831, é a única erguida em estilo gótico-renascentista da ilha e do sub-arquipélago das Visayas.
Dá para a sua própria praça, a de Molo, delimitada por um jardim sombrio. Num raio de uns poucos quilómetros, damos com seis outras igrejas, sem contar com a de Miagao.
Esta concentração, faz de Iloilo uma das capitais mais cristãs das Filipinas. Sem despeito para o “uma das mais hispânicas” que continuamos a confirmar, com paralelo em Vigan e em Manila.
Descemos à Baixa da capital. Uma frota de Jeepneys inferniza-a, com os seus motores ruidosos. Em tempos coloniais, a antiga Calle Real concentrava a azáfama comercial.
Hoje, ainda lá sobressai outro dos edifícios coloniais marcantes, o A. Javellana, assente em longas arcadas duplas que, desde há muitas décadas, permitem aos transeuntes refugiar-se da pior meteorologia tropical. Poderíamos explorar Iloilo por quanto tempo tivéssemos.
A sua hispanidade continuaria a revelar-se no âmago da alma filipina da cidade.
Tinha chegado o tempo de passarmos às ilhas vizinhas de Guimaras e de Negros.
Como ir
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