O vale de Coachella some-se à medida que a Twentynine Palms Highway ascende para norte e para fora do grande oásis.
Os campos de golfe, o casario Art Deco, as palmeiras e a floresta de torres eólicas, a sofisticação e riqueza em volta de Palm Springs dão lugar a uma vastidão erma que quase só o asfalto e as viaturas que o percorrem atenuam.
A via curva para leste, na direcção de pequenas povoações que surgem do nada, Yucca Valley e Joshua Tree, ambas expandidas à sombra da popularidade que, com os tempos, conquistou o parque nacional homónimo.
Do mesmo nada, a via transforma-se numa alameda comercial ladeada de negócios térreos ou com meros dois pisos, com o perfil pré-fabricado característico das urbanizações recentes e modernas dos EUA.
Em Joshua Tree, acrescenta-se-lhe o centro de visitantes do parque. Encontramo-lo à pinha de forasteiros ansiosos por evasão. Na época de férias contígua ao Ano Novo chinês, muitos são sino-americanos, chineses de visita às suas famílias ou, tão só, à descoberta da América.
À Descoberta do PN Joshua Tree
Recolhemos informações, dicas, folhetos e mapas. Todos os vemos como privilégios. Essenciais num reduto desértico que, com o Inverno em curso, além de labiríntico e árido, se torna mortalmente gélido sem aviso.
Do centro de visitantes, progredimos para sul da povoação, por uma tal de Park Boulevard, rumo à entrada e estação ocidental do parque, marcadas por barreiras e por casetas habitadas pelos rangers de serviço.
Daí em diante, ficamos entregues ao bom-senso e à imensidão do Joshua Tree National Park.
As árvores de Josué sucedem-se sem fim, de todas as formas e tamanhos. Em redor de formações rochosas monumentais ou caprichosas que, por motivos diversos, concentram boa parte das atenções.
É o caso de The Sentinel, uma pirâmide de granito amarelado com 60 metros de altura, destacada do Real Hidden Valley, com falhas e sulcos que formam distintas rotas de ascensão.
Parque Nacional Joshua Tree e as suas Formações Graníticas Emblemáticas
Ano após ano, milhares de escaladores desafiam-na, determinados a alcançarem o cimo aguçado.
Todos os anos, alguma distração ou azar, vitima um ou dois aspirantes, um preço cruel a pagar por um desfrutar radical do parque que, nas suas origens, as autoridades não tinham sequer previsto.
Vários outros calhaus hiperbólicos e cabeços rochosos dão que fazer aos incansáveis escaladores.
Uns poucos, com formas, sobretudo peculiares, atraem visitantes apostados em enriquecerem o seu espólio fotográfico, os seus Instagrams e montras de selfies afins.
A fantasmagórica Skull Rock tornou-se um desses pontos favoritos. À medida que o sol desce no horizonte, define as covas de olhos que, com o passar dos milénios, a chuva aprofundou na rocha, parte de um estranho processo erosivo de “caveirização” geológica.
Nos nossos tempos, o Parque Nacional Joshua Tree, a Skull Rock, outras “rocks” e as suas inestimáveis árvores de Josué são consideradas preciosidades naturais sem igual. O contrário absoluto de como chegaram a ser vistas durante a aturada Conquista do Oeste Americano.
O Capitão Fremont e as “Vis Joshua Trees”
Encontramos um bom testemunho da sua depreciação nos escritos de John C. Fremont, um capitão que integrava o corpo de engenheiros topográficos do exército dos Estados Unidos, considerado uma das primeiras pessoas brancas a confrontar-se com a espécie yucca brevifolia.
Fremont e a sua companhia desbravavam o sul da actual Califórnia quando, segundo as palavras do capitão: “ao descermos um barranco de que jorrava uma nascente, nos surpreendeu a súbita aparição de árvores yucca, que conferiam à paisagem, um estranho visual sulista, adaptado a região seca e desértica de que nos aproximávamos.
Associada à ideia de areias estéreis, a sua forma hirta e deselegante torna-as, para o viajante, uma das árvores mais repulsivas do reino vegetal.”
O texto do capitão Fremont descreve um evento de 14 Abril de 1844. Por essa altura, nem sequer as yucca brevifolias eram conhecidas por Joshua Trees.
A Génese Provavelmente Mórmon do Termo Joshua Tree
Num âmbito que permanece semi-lendário, esse nome terá sido dado, pouco depois, por um grupo de colonos mórmon que se aventuraram a cruzar o Deserto de Mojave.
A inspiração para o baptismo permanece difusa. Terá vindo da contribuição das árvores para a sua orientação por terras não mapeadas e/ou da configuração das suas folhas que aparentavam barbas.
Ou ainda, da forma dos troncos abertos na direcção do céu que terá lembrado, aos mórmons, o episódio bíblico em que Moisés ergueu as mãos e assim viabilizou o triunfo do exército de Israel, comandado por Josué, sobre o Amalequita.
As yucca brevifolias existem noutras zonas desérticas que a complexa história colonial hispânica e britânica e, a seguinte, dos Estados Unidos em rivalidade com o México, tornou estadounidenses ou mexicanas.
Mais a sul, por exemplo, ao longo do vizinho Deserto de Sonora, os habitantes hispânicos tratam-nas por izotes (del desierto), traduzível por punhais do deserto.
Quem teve o azar de se encostar às folhas de uma yucca brevifolia, percebe a etimologia melhor que ninguém.
O Trilho Espinhoso mas Deslumbrante da Barker Dam
É um dos cuidados com que avançamos pelos vários trilhos em que nos metemos a pé.
O da Barker Dam que nos revela a barragem construída, em 1900, por C.O. Barker e outros criadores de gado pioneiros.
E, ao longo do circuito que a contorna, uma combinação peculiar de formações rochosas com um sortido de árvores de Josué, de cactos e arbustos excêntricos e fotogénicos.
Malgrado a invasão de humanos, neste trilho, cruzamo-nos com coiotes curiosos e com coelhos-rabo-de-algodão enormes, mesmo assim, um dos pratos predilectos dos coiotes.
Na zona sul do trilho, apreciamos ainda petroglifos que se crê terem sido gerados há mais de dois milénios pelos habitantes pré-históricos destes confins da Califórnia.
Se a sua arte pictográfica continua a merecer a admiração dos visitantes da região, uma criação contemporânea fez mais que qualquer outra pela notoriedade da Joshua Tree e do Parque Nacional Joshua Tree.
“The Joshua Tree” e a Homenagem Musical e Fotográfica dos U2
Referimo-nos ao álbum homónimo dos irlandeses U2, lançado em 1987.
Nesse ano, mais de uma década antes do renomeado Festival de Coachella ter sido inaugurado, a banda dedicou vários dias para explorar os cenários do Vale de Coachella, do Vale da Morte e outros, a sul de Los Angeles, cidade em que viria a filmar o videoclip do maior sucesso do álbum “Where the Streets Have No Name”.
Pois, ao contrário do que se possa pensar, a Joshua Tree solitária que surge nas fotografias que ilustram o álbum, não se situa no PN Joshua Tree.
Terá sido o fotógrafo e realizador Anton Corbijn que nela reparou nas imediações do Zabriskie Point do Vale da Morte. Distante da beira da estrada, a árvore exigiu uma caminhada de quase dez minutos aos U2 e ao fotógrafo.
Proporcionou o imaginário de Faroeste desolado para todo o sempre associado ao álbum e às suas canções.
Apesar da localização remota, fãs incondicionais dos U2 encontram-na amiúde e mantêm o lugar identificado com escritos feitos de pedras e outros tributos.
Um ou outro ainda chegam ao PN Joshua Tree a perguntarem pela famosa árvore. Depressa se desiludem.
Universo U2, à parte, abundam no parque Joshua Tree cenários estranhos e inverosímeis que merecem a sua própria adulação.
Continuamos em tal demanda.
Num Jardim de Perigosos Cactos Teddy Bear
De regresso ao início do trilho Barker Dam, com o dia solar prestes a terminar, desviamos para o Wilson Canyon e para uma secção em que o Deserto do Colorado se imiscui no de Mojave.
Ali, uma ladeira vedada por encostas revela-se repleta de cactos Cholla (Cylindropuntia bigelovii), conhecidos, em inglês, por Teddy Bear devido ao seu visual ilusoriamente felpudo.
Caminhamos entre os milhares de exemplares reluzentes, com o dobro do cuidado dedicado às Joshua Trees.
São as próprias autoridades do parque que os sinalizam como “cactos perigosos, proíbem o acesso àquele Cactus Garden a animais de estimação e avisam que são propensos a causar ferimentos.
Bastam uns poucos minutos a por ali cirandarmos para termos que remover algumas das suas folhas espinhosas e agressivas, já agarradas ao calcanhar do calçado e às meias.
Percebemos que o sol se esparramava sobre o horizonte.
Conscientes do quanto costuma colorir o firmamento nublado sobre o deserto, saímos disparados para zonas pejadas de árvores de Josué.
Deixamos o carro, expomo-nos ao vento enregelante e à rispidez do Mojave. Como esperado, o ocaso incendeia e colora as nuvens com uma intensidade incomum.
Vasculhamos entre as Joshua Trees em busca de combinações apelativas.
Sob um firmamento garrido sem igual, deslumbramo-nos com a sua espiritualidade vegetal.