Jonas Pérez aprecia a velocidade.
Não diríamos tanto como a sua ilha natal mas, dá-lhe especial prazer serpentear pelas curvas de La Palma com os pneus em suplício.
Depressa percebemos que o fazia com a experiência de anos de cima abaixo na ilha, a determinada altura, à frente da sua própria empresa de turismo, cargo que o ligou a nós e à nossa visita.
Como resposta ao repto de por onde a queríamos começar a explorar, disparamos para o seu norte, com o parque nacional de Los Tilos como destino.
O Reduto Laurisilval Prodigioso de Los Tilos
Los Tilos é especial por concentrar uma das áreas de floresta Laurisilva mais antigas e melhor preservadas do arquipélago canário e de toda a Macaronésia.
Verdejante, húmido, de vegetação sortida, musgoso e, à sua maneira, místico, Los Tilos é sulcado por inúmeros trilhos que atraem caminhantes de todas as partes.
Em dias estivais e quentes, um deles, acessível e bem mais curto, revela-se um caso à parte.
Como o encontrámos, não o classificaríamos bem como um convencional trilho.
Nas imediações de um rio de nome Barranco del Água, uma levada canalizada acompanha um túnel escavado na encosta.
Deixamo-lo para a entrada de uma garganta apertada, sinuosa e pejada de fetos.
Ali mesmo, uma queda d’água generosa, abastecia o Barranco del Água e deliciava uma pequena multidão de visitantes.
Eram uns tantos turistas, fotógrafos de ocasião e uma minoria balnear de adolescentes deliciados com a frescura e excentricidade do duche vespertino. Sobrava-nos vontade para a eles nos juntarmos.
Se dependesse de Jonas, isso nunca aconteceria: “um lugar especial assim, devia estar fechado a estas invasões. Agora são estes três, mas às vezes são cinco vezes mais, percebem?”
Claro que percebíamos.
Jonas era da ilha. E, em certa maneira, a ilha era de Jonas. Não tínhamos grande coisa acrescentar. Deixámos que nos guiasse a uma equivalente marinha da Cascata de Los Tilos.
Revertemos para sul. Deixamos a estrada principal para uma sua derivada repleta de esses íngremes algo assustadores.
Uma derradeira ladeira deixa-nos de frente para um promontório ressequido, pejado de cactos amarelos, na época certa, prendados com figos-da-Índia, higopicos ou tunos como, dependendo das ilhas, lhes chamam os Canários.
Nogales: uma Praia Crua e Deslumbrante de Areia Negra
Uma vedação de madeira protegia quem ali se aventurava a espreitar o abismo a norte, de uma longa e fatídica queda.
Não obstante, a vista da Playa Nogales abaixo, de um esplendor marinho e vulcânico incomum, convidava-nos a prolongar a contemplação e a renovar os cliques das máquinas fotográficas vezes sem conta.
O seu areal negro, com mais de 500 metros de comprimento e, dependendo da maré, até 25 de largura, encaixa no fundo de falésias que, nos meses mais chuvosos se tornam verdejantes e contrastam com o azulão-petróleo do oceano Atlântico.
Num cenário extremo como tal, pouco surpreende que o leito sofra mudanças bruscas de profundidade suscetíveis a correntes.
Os banhos têm, assim, que se fazer com cuidados redobrados.
Fosse como fosse, os poucos banhistas privilegiados que vislumbrávamos nas profundezas, todos a salvo, jogavam raquetes, brincavam com um cão, dormitavam mesmo antes do limiar da rebentação.
De San Andrés ao Regresso à Capital Santa Cruz
Entre Los Tilos e Nogales, vimos boa parte do relevo de La Palma colonizado por bananais de encosta, já de considerável dimensão. Por aquela altura, mal sabíamos que, à escala de La Palma, se tratavam de meras amostras.
Esta secção inicial do périplo ocupou-nos até em cima da hora de almoço.
Jonas Pérez alicia-nos a concordarmos com a ida a um restaurante seu familiar do pueblo de San Andrés, homónimo, dotado de uma esplanada à sombra de grandes palmeiras e abençoado pela Parróquia de San Andrés Apóstol.
Lá nos sentamos e saboreamos peixe grelhado, com papas arrugadas e, claro está, uma boa dose de gofio, uma papa amarelada feita de uma mistura de grãos e cereais que, se diz que já era consumida pelos indígenas das Canárias guanches, muito antes da chegada dos europeus.
Jonas incita-nos a prová-la com um orgulho genuíno de nativo de há menos tempo. Para seu contentamento, adoramos o petisco. Abusamos de o degustar até percebermos o seu peso e complexidade digestiva.
E, não tarda, a consequente dificuldade em explorarmos a colorida e pitoresca povoação à beira-mar plantada de San Andrés.
Por essa tarde, ficamos por nossa conta a deambular pela capital Santa Cruz de La Palma.
Roque Los Muchachos Enevoado e o Encanto de El Tablado
Na manhã seguinte, bem cedo, saímos uma vez em modo de rali, com o fim de etapa no tecto da ilha de Roque de los Muchachos (2426m), o segundo pico mais elevado das Canárias
Roque de los Muchachos tornou-se um ponto de observação privilegiado do Espaço, razão de ser dos vários Observatórios Espaciais e das enormes antenas que víamos apontadas para os céus.
E, no entanto, à hora a que completamos a ascensão do monte, em vez de pairarem abaixo, envolviam-no nuvens de altitude que nos frustravam uma contemplação condigna da cratera e dos panoramas em redor.
De acordo, demoramos menos do que contávamos.
Jonas aproveita a sequência da estrada.
Conduz-nos a uma das suas zonas preferidas de La Palma, a costa norte, retirada no tempo, isolada pelos recortes caprichosos de montanhas e vales e por um certo apego a um modo ancestral de vida.
Uma região cruzada por trilhos vertiginosos em que Jonas e a esposa Sarai acumularam grande experiência a guiar forasteiros.
O acelera e gentil cicerone mostra-nos, em particular, a aldeia de El Tablado, assim chamada pela estrutura tradicional de madeira dos telhados, a culminarem casas mais antigas e humildes impostas às encostas.
Boa parte das recentes, coloridas, com cimos rasos, chaminés algo mouriscas.
O Atlântico a norte e a companhia vegetal de uns tantos dragoeiros, muito mais anciãos que qualquer morador.
De El Tablado, serpenteamos até Santo Domingo.
A povoação revelou uma estrutura e visual de vila, com a sua praça, igreja e edifício senhoriais.
Encontramo-la quase deserta.
Malgrado as vias bem menos extremas que as de acesso a El Tablado, o evento do dia era o azar de um condutor que tinha invadido e destruído um estabelecimento comercial.
Ao volante do seu carro, há que dizê-lo.
Pela Costa Oeste de La Palma Abaixo
Por nova ladeira ziguezagueante, chegamos à vista dos Roques de Santo Domingo e de Las Tabaidas.
Mesmo se mais escondida, também avistamos a Praia de Bujarén, da mesma laia vulcânica e de retiro no sopé das falésias, da de Nogales.
Apostado em perfazer a circum-condução da ilha, Jonas força um trecho adicional, agora pelo cimo da sua costa oeste, extenso que bastasse para nos convencer da dimensão de La Palma que os mapas não deixam compreender.
Voltamos a sobressaltar-nos com o dramatismo canário da Isla Bonita das Canárias quando atingimos o cimo de El Valle de Aridane.
Fértil como poucos na ilha, El Valle acolhe uma imensa produção agrícola, ao ponto de acolher uma das zonas de bananal mais importantes das Canárias.
À medida que descemos para o seu âmago, os meandros da estrada LP-1, dos Barrancos Tenisca e do de Las Angustias enfiam-nos numa floresta de bananeiras muradas, explica-nos Jonas que assim eram protegidas do vento e melhor amaduradas.
Tantos quilómetros de curvas, altos e baixos, tanto desvendar de novos panoramas, já justificavam nova experiência gastronómica.
Higopicos ou Tunos à Mesa e o Fundo Vulcânico de La Palma
À mesa do gastrobar El Duende del Fuego, de Los Llanos encantamo-nos com o Chef Pedro Castillo a descascar um figo-da-Índia à mão despida. E com os seu risoto e sorvete de higopico, entre outras delícias.
Os tunos continuaram a abundar.
De El Valle para baixo, rumo à finisterra meridional pontiaguda de La Palma, em que o farol de Fuencaliente avisa da iminência da ilha à navegação.
Uma vez mais, por estes lados, vemo-nos num domínio de terra e lava escura, salpicado de vulcões assombrosos: o San António e o San Juan.
São ambos derradeiras crateras de uma longa crista vulcânica de que faz também parte o controverso Cumbre Vieja, que re-entrou em erupção a 19 de Setembro de 2021.
Motivo de uma teoria apocalíptica e viral de que um seu colapso sobre o Atlântico provocaria um gigantesco maremoto que destruiria parte do litoral das Américas e até alguns litorais europeus.
Menos intimidante, o vulcão San Juan é sobranceiro ao farol, às salinas contrastantes de Fuencaliente.
E à praia de grandes seixos em que, não obstante a crueza geológica dos cenários, vemos banhistas desfrutarem do derradeiro sol da tarde e do mar cálido, para suplício de um duo de pescadores, saturados da sua faina.
A noite não tardou a anunciar-se.
Com quase dez horas de voltas pela Isla Bonita, chegara a hora de recolhermos a Santa Cruz, a capital palmera.
A sua segunda maior povoação.