Bali soava a destino merecedor mas demasiado explorado. Lombok chamava por nós. Em viagem pelo sudeste asiático havia já algum tempo, precisávamos de uma calma revigorante que a ilha vizinha da província de Nusa Tenggara augurava.
Bastou um voo curto com aterragem em Mataram, capital da sua ilha mais ocidental para nos mudarmos. Umas poucas horas de descanso depois, já estávamos entregues à descoberta de Lombok.
“Onde é que vão? “Quais são os vossos planos?” Posso ajudar-vos?”. Em cada saída do hotel quase vazio, somos abordados por “agentes” turísticos e pretensos guias que, em nítido desespero financeiro, tudo fazem para nos vender os seus serviços.
A Exploração Motorizada de Lombok
Precisamos apenas de uma motoreta e dois capacetes que nos entregam em três tempos a preços que, apesar de se contarem em milhares de rupias, eram tão baixos que não justificam que regateássemos.
Aproveitamos de imediato a liberdade concedida pela scooter. Escapamo-nos para o litoral tropical e recortado da ilha. Curva atrás de curva, seguimos a meia-encosta e cruzamo-nos com camponeses de chapéus cónicos que conduzem cabras e vacas através dos campos verdejantes na beira do asfalto.
Ao nível do mar, vemos pescadores a bordo de pequenos perahus (barcos artesanais) junto às suas aldeias estendidas sobre os areais.
Constatamos que abundam praias perfeitas, em Lombok. Com recurso a um mapa básico, apuramos os seus nomes.
Na costa noroeste, entre Senggigi e Pemenang destacavam-se a Malimbu e a Mangsit. Mais para norte, a de Sira e, ao lado, a Medana. Encontramo-las desertas. Intrigam-nos os reais motivos de tanto desperdício.
Em conversa com outros forasteiros, concluímos que em termos turísticos, Lombok era então, a Bali de há vinte anos atrás.
À medida que exploramos mais da ilha, apercebemo-nos de como se preservou genuína, protegida por uma população, ao contrário da de Bali na sua maioria muçulmana e tradicionalista que inibe alguns comportamentos ocidentais “pagãos” , caso das vestes diminutas próprias da inactividade balnear.
A Maioria Muçulmana Sasak e a Minoria Balinesa Hindu
Actualmente, a etnia islâmica Sasak perfaz 90% da população. Os balineses hindus preenchem os restantes 10%. Estes, destacam-se da multidão e são por ela respeitados.
À imagem das restantes cidades e povoações menores da ilha, Senggigi – a mais turística – desperta ao chamamento do “Allah hu Akbar” madrugador cantado pelos muezins. Rege-se pelos quatro apelos seguintes.
Isso não impede que, ao mesmo tempo, no Pura (templo) Batu Bolong, a família Mindra, trajada a preceito de sash (lenço) e sarong coloridos leve a cabo os rituais elegantes do hinduísmo balinês.
O Fascinante Ritual Hindu da Família Mindra
Passam pelo candi bentar (pórtico da divisão) carregados com um cesto com fruta, flores e doces que colocam sobre o altar de pedra. Rezam no primeiro santuário e avançam em direcção ao mar. Logo, atravessam novo candi bentar para aceder ao segundo santuário.
Ali, antes de passarem à sua purificação com água, deixam outra oferenda ao lado de duas pequenas torres vermelhas, protegidas por nagas e três estátuas de kalas.
Os kalas são os demónios feios e barrigudos do tempo, devoradores insaciáveis de tudo e de todos que os balineses tentam apaziguar, ainda mais com a chegada da lua cheia ou da lua nova que acreditam influenciar a mente humana e ser geradora de agressividade.
Este ritual processa-se depois do pôr-do-sol, durante o instalar do lusco-fusco. Os balineses acreditam que é nessa altura que os demónios kala andam à procura de comida.
O hinduísmo balinês dista mais do indiano que Lombok da Índia. Como os hindus do sub-continente, os balineses crêem na trindade Brahma, Shiva e Vishnu.
Mas acreditam também num deus supremo, Acintya ou Sanghyang Widi Wasa que não pode ser pensado, concebido ou imaginado e que, de acordo, só muito raramente é venerado.
Ao contrário do que acontece na Índia, em que proliferam imagens quase livres e invariavelmente garridas destes deuses, em Lombok, como em Bali, a trindade nunca é vista.
Os Refúgios do Hinduísmo Indonésio de Bali e Lombok
A génese da cultura e religião balinesas está na era Majapahit, um reino de influência indiana que, de 1293 a 1500, dominou várias ilhas indonésias e a península malaia.
Este reino acabou por ter que se refugiar da invasão dos Sultanatos de Malaca e Demak. Encontrou abrigo em Bali, ao largo da grande ilha de Java.
Uma das crenças pré-Majapahit que os balineses preservaram foi o kaja, a orientação dos templos de frente para montanhas, o mar ou o nascer do sol, em deferência aos seus espíritos animistas.
É por respeito a esta crença que o ritual da família Mindra se faz sob a supervisão longínqua e sagrada do Gunung Agung, o maior vulcão de Bali.
A sua fé tem, neles, efeitos óbvios que caracterizam os crentes balineses. A tranquilidade de espírito que partilham é incomum e sente-se, como a disponibilidade e a simpatia.
Partilham um discurso em inglês quase fluente que é altivo mas, ao mesmo tempo, humilde. E combinam as falas elegantes com sorrisos naturais contagiantes.
Bastam algumas palavras para nos autorizarem a fotografar um momento que é íntimo. Malgrado não resistirmos a abusar em nome da fotografia, nem por uma vez perdem a compostura ou sequer a paciência.
Ao invés, ignoram-nos o mais que podem. Sem pressas ou sinais de ansiedade, completam as suas preces e oferendas.
As Forças do Bem e do Mal do Hinduísmo Balinês
Nem sempre a expressão do hinduísmo balinês resulta em auto-controlo. Entre os seu cerimoniais contam-se exibições de dramas dançados em noites de lua cheia como a eterna batalha entre o bem e o mal.
São respectivamente representados pelo leão ou dragão Barong e pela viúva bruxa Rangda. Os seus actores entram em transe. Por acção de Rangda, tentam ferir-se com punhais. Protege-os Barong.
Em Bali, as exibições do hinduísmo balinês são sempre sagradas. Ainda assim, são levadas a cabo versões comerciais que ajudam a promover o turismo.
Já em Lombok, continuam a realizar-se quase só por motivos religiosos. Têm a sua maior expressão na parada Ogoh Ogoh, com lugar na capital Mataram, no dia anterior ao feriado Nyepi – pôr do sol de 15 de Março a pôr do sol de 16 de Março.
É este o dia do silêncio e do retiro que marca o início do novo ano hindu. E do hinduismo balinês.
O de Bali e o da vizinha Lombok.