Os muitos quilómetros de auto-estrada de Negombo para sul pouco ou nada indiciam quanto ao que se seguiria.
Chegados a Balapitya, Ary, o guia de modos lentos que nos conduzia indaga-nos “Estamos a chegar ao rio, querem lá ir fazer o safari?”
Assim, do nada, não contávamos com a possibilidade de um safari por aqueles lados. Muito menos, com um safari fluvial. Inundamos Ary com questões e pedidos de explicações, ao ponto de o guia se aborrecer.
Rogamos-lhe que pare para almoçarmos junto ao ponto de partida. Quando lá chegamos, o cenário revela-se de tal forma tropical e luxuriante que o veredicto se simplifica. Íamos para a frente com o safari no rio, ou com o que quer que dali saísse.
Uma derradeira ponte de cimento com algum trânsito separa-nos do desconhecido. Para diante, estende-se um manguezal. Verde.
O do mangue a perder de vista e o da água dele tingida. Quatro ou cinco barcos garridos quebram o predomínio vegetal.
O dono de um deles dá-nos as boas-vindas. Acordado o preço, embarcamos.
Sem mais demoras, zarpamos.
Madunganga adentro: à Descoberta do Rio e Lagoa Madu
Seguimos por um braço de rio que parece fechado por um coqueiral denso.
Em vez, um meandro dissimulado revela, primeiro, o rumo certo, depois, um túnel de mangal que abre passagem para um qualquer lado de lá.
Quanto mais nos embrenhamos, mais se diversifica a fauna com que nos cruzamos.
Vemos uns poucos morcegos dependurados do cimo de uma árvore. Garças, guarda-rios, lagartos-monitores e langures.
Passamos por crocodilos e por corvos-marinhos equilibrados sobre estruturas de cana.
Estas armações fazem de viveiros de camarão, uma actividade anciã a que os cingaleses da região chamam Jakotu. Em tempos, foi das mais lucrativas que o rio e o lago Madu concederam.
Com a intensificação do turismo no Sri Lanka e a popularidade do denominado Maduganga, os barcos a percorrerem-no aumentaram sobremaneira.
A agitação provocada pelos motores gera danos frequentes nas estruturas e afecta a desova dos camarões sobre o mangue.
Aos poucos, os pescadores e donos dos viveiros desmotivaram-se.
Muitos, renderam-se ao lucro provindo dos visitantes do rio e lago Madu, sob formas distintas que a imaginação das gentes nativas faz multiplicar.
A Indústria Local dos Fish SPAs
O barqueiro aponta a outra estrutura flutuante, diferente das que até então tínhamos visto. Convida-nos a desembarcar. Um passadiço leva-nos a uma série de outros viveiros.
Quando os espreitamos, percebemos que, em vez de camarão, retinham centenas de peixes de distintos tons de vermelho e laranja.
O cingalês encarregue da plataforma vê-nos a cirandar sem o destino que lhe interessava. Para o sugerir, senta-se sobre o extremo de um dos rectângulos.
Coloca os pés dentro de água. De imediato, centenas de peixes-médicos disputam-lhe os pés. De início, mordiscam-nos num frenesim.
Aos poucos, organizam-se num turbilhão centrípeto.
São tilápias-moçambicanas e tilápias-do-Nilo, em vez dos populares garra-rufa.
Em 2010, inspirado por experiências de outros lugares, um estrangeiro a viver no Sri Lanka lembrou-se de ali instalar um SPA-piscícola pioneiro. Com os anos, apareceram vários outros. Ao ponto de a actividade já ter merecido estudos e relatórios científicos e universitários.
Os criadores dos peixes mantêm-nos de diferentes tamanhos, por forma a proporcionarem experiências de esfoliação mais ou menos suaves. Assemelha-se ao que fazem com os preços.
O valor pago pelos cingaleses é metade – ou até menos – que o pago pelos estrangeiros. Barqueiros como o nosso recebem comissões correspondentes pelos passageiros que lá fazem desembarcar.
Já tínhamos usufruído dessa mesma terapia quatro ou cinco vezes, noutras partes do Mundo, com estreia em Singapura. Os tais turbilhões escarlates, esses, estávamos a vê-los pela primeira vez.
Fotografamos um deles, deslumbrados. Após o que retomamos a navegação.
A Lagoa do Madu River e as suas Ilhas
Instantes depois, confrontamo-nos com nova iniciativa empresarial. Um homem aproxima-se, a remar sobre uma canoa elementar.
Traz o que nos parece uma civeta juvenil.
Com a anuência do nosso barqueiro comissionista, exibe-a, sobre a palma da mão.
Coloca-a na cabeça e noutros equilíbrios, com o propósito de nos encantar.
Fotografamos a sua intimidade com a mascote explorada. E prosseguimos.
É vasta a lagoa formada pelo Madu, o rio que desce da selva que forra o velho Ceilão.
Salpicam-na quinze ilhas. Continuávamos a contar meandros sem pôr os pés em nenhuma.
Até que nos vemos de frente para uma longa ponte de ferro envelhecido.
Cruzam-na mulheres de saris garridos, seguidas de crianças carregadas com malas da escola. Sobrevoam-nos grandes raposas voadoras, também conhecidas por morcegos-da-fruta.
A ponte liga a margem à mais ampla das ilhas habitadas da lagoa, Madhuwa.
A sul desta, fica a “ilha canela” de Kurundu Duwa, toda habitada pela família de G.H. Premadasa, um dos produtores de canela abastados da região.
Lá nos explicam como descascar a canela de maneira a produzir óleo com as mais diversas propriedades medicinais.
Kothduwa, a Ilha Budista Sagrada de Maduganga
As ilhas não se ficam por aí. Junto ao extremo norte do lago, encontramos a de Kothduwa. Em termos religiosos e históricos, é a mais importante de Maduganga.
Mal desembarcamos, uma mensagem num painel impinge a sua unicidade: “Poderes cósmicos especiais subsistem neste lugar. Mantenha-se calmo e silencioso. O poder cósmico entrará no seu corpo e mente e criará desenvolvimento espiritual.”
À entrada, um monge budista cobra uma contribuição registada.
Passamos para o interior do templo.
Ficamos de frente para uma estátua de Buda, amarelado, trajado com uma expectável túnica laranja, só um pouco mais clara que a do monge cobrador.
Uma mãe e filha colocam pequenas flores brancas sobre a mesa baixa que faz de altar.
Louvam a figura e o Buda como qualquer budista cingalês deve louvar.
Assim dita o passado entre o histórico e o mitológico daquelas paragens, partilhado por outro templo cingalês sagrado, situado em Cândia.
O Esconderijo Eleito do Dente de Buda
Rezam as narrativas do Budismo que, por volta do século IV d.C., um tal de rei Guhasiva da região indiana de Kalinga guardava um dente de Buda.
Desde há séculos que esse dente conferia a quem o possuísse, a legitimidade divina de governar.
Como tal, era invejado por vários outros pretendentes que o procuravam obter, fosse como fosse. Receoso de o perder e à sua soberania, Guhasiva, entregou o dente à filha e ao marido, princesa e príncipe, para que o colocassem em segurança.
A princesa escondeu o dente no cabelo. Logo, o casal partiu para o Ceilão.
A Crónica da Relíquia do Dente, revela que desembarcam em Balapitya, a mesma povoação porque passámos antes de iniciarmos a descoberta do rio e lago Madu. De Balapitya, foram até Kothduwa.
Enterraram-no na areia da ilha. Mais tarde, entregaram-no a Sirimeghavanna, o rei de então do Ceilão, que consideravam um guardião de confiança.
Avancemos até ao séc. XVI. A ilha do Ceilão tornou-se dividida e disputada pelos reinos de Kotte e Sitawaka. Os portugueses entrariam em cena em 1603.
Por essa altura, era já o príncipe Veediya Bandara o guardião do dente.
Temente de o perder para os poderes rivais, resolveu devolvê-lo, por algum tempo mais, à segurança de Kothduwa.
No conflito complexo pelo controle do Ceilão, a relíquia passou por vários outros lugares.
Crê-se que regressou à cidade de Cândia.
Malgrado ataques que se repetiram até tão tarde como 1989 e 1998, lá continua.
Madu e o Resgate Providencial de Kothduwa
Kothduwa passou por períodos de esquecimento e negligência. Budistas devotos e estudiosos preservaram o conhecimento da sua história.
Em 1860, um deles, um homem de negócios chamado Sansom Rajapkse ditou a construção do templo actual, em volta de uma figueira-da-Índia, considerada sagrada, por, durante a sua vida, Siddharta Gautama (Buda) se ter sentado numa outra, conhecida como a figueira de Bodhi.
Zarparmos da ilha. Outros dois monges budistas cruzam a ponte-passadiço de Madhuwa. Nuvens de monção, carregadas até mais não, escurecem a água ligeiramente salobra da lagoa.
O barqueiro sabe ao que vêm. Aponta ao rio homónimo que a liga ao Índico.
Quando desembarcamos, a bátega já reabastecia o inundado Maduganga.
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