Ainda em Kagbeni, a espera matinal por um transporte que nos levasse na direcção de Jomsom, atinge as duas horas.
Deixa-nos saturados. Aparece um carro no sentido contrário, o de Muktinath.
O condutor aborda-nos. “O autocarro já passou. Agora vai ser difícil apanharem outro. Se quiserem, posso ligar a uma pessoa que tem um jipe. Por 1800 rúpias (cerca de 11€), ele leva-vos lá.” Aceitamos de imediato.
Cinco minutos depois, o jipe aparece. Nuns poucos mais, chegamos às imediações de Jomsom, uma povoação situada nas margens do rio Gandaki, por ali, tão dilatado que mais parece um lago. Jomsom acolhe um dos aeroportos principais daqueles confins setentrionais do Nepal.
Com o tempo, a relevância dessa infra-estrutura trouxe um desenvolvimento e modernização que não víamos fazia quase meio mês.
Caminhada de Jomsom até Marpha, pelas Margens do Gandaki
O condutor deixa-nos numa margem do Gandhaki que encurtava a caminhada em falta. Cumprimos os 5km para Marpha, numa hora e quarenta e cinco minutos.
Um primeiro trecho, ao longo das margens áridas e pedregosas do Gandaki. Do rio, seguimos por caminhos rurais, muitos deles murados. Desnivelamos menos de 100 metros dos 2760m a que se situa Jomsom.
Encontramos Marpha recolhida no vale Kali Gandaki, com o seu casario disposto contra encostas baixas da cordilheira Dhaulagiri que ali tem mais próximas as montanhas Dhamphus (6012m) e Tukuche (6920m).
A certo ponto, uma via estreita, de terra batida, dá lugar a outra, já com perfil de rua e pavimento feito de pedras quase lisas, de tom claro e que leva ao âmago da aldeia.
A meio da tarde, damos com a “Paradise Guest House” que, ainda em Kagbeni, um americano do Colorado nos tinha aconselhado.
E uma Volta Inaugural por Marpha
Instalamo-nos. Damos uma volta inaugural por Marpha.

Ancião à entrada duma rua deserta de Marpha
Ruela após ruela, reconhecemos a sua arquitectura peculiar, dos lares de pedra empilhada e pintada de branco, quase todos dotados de terraços com pilhas de lenha armazenadas nas orlas.
Ascendemos na vertente. Ao mesmo tempo, afastamo-nos, em busca de uma perspectiva panorâmica.
Tanto, que cruzamos o portal de acesso à aldeia, do lado oposto àquele por que tínhamos entrado.
É branco. Dão-lhe cor linhas de bandeirolas tibetanas lung ta.
Subimos o mais que podemos.

Vista panorâmica de Marpha
Por fim, conquistamos uma vista geral de Marpha.
Apreciamos o casario estendido aba adentro, coroado pelo mosteiro Tashi Lha Khang da seita tibetana Nyingma, o grande templo do povoado e que dele sobressai num tom quase grená.
A Espiritualidade Sobranceira do mosteiro Tashi Lha Khang
Mais distantes, percebíamos ainda os pomares de maçãs e outras plantações próximas da vertente oposta, do rio Gandaki e do seu afluente Thak Kola.

Pormenor de uma porta do mosteiro Tashi Lha Khang
O mosteiro Tashi Lha Khang conta com mais de dois séculos.
Abriga uma colecção de 225 livros tibetanos sagrados e forma boa parte dos jovens de Marpha.

Sala de veneração do mosteiro Tashi Lha Khang, com a imagem de Buda em fundo
A partir de 1960, passou a desempenhar uma função agregadora crucial para a civilização tibetana.
A Invasão do Tibete e o Refúgio de Tibetanos, também em Marpha
Em 1950, a China invadiu o Tibete. Forçou quase 130 mil tibetanos a uma diáspora viabilizada sobretudo pela Índia, pelo Nepal e pelo Butão.
Marpha tem cerca de 1600 habitantes.
A menos de meia-hora a pé, na margem oposta do Gandaki, dotado de uma escola primária e de um centro de saúde, o campo de refugiados de Tserok abriga cerca de duzentos tibetanos sem grandes esperanças de voltarem às suas casas.
Por fundamentos da espiritualidade e logística do acolhimento, o campo foi instalado junto a um mosteiro homónimo.
Erguido no século XVI, numa antiga rota de comércio de sal, o também conhecido como mosteiro Chhairo é anterior ao de Tashi Lha Khang.

Elementos budistas no telhado do mosteiro Tashi Lha Khang
É, na realidade, o primeiro mosteiro da seita budista-tibetana Nyingma da região de Mustang.
Essa rota de sal que, em parte, seguia os meandros do rio Gandaki deixou de fazer sentido quando, determinada a estancar a circulação de activistas da libertação do Tibete, a China encerrou a sua fronteira com o Nepal.

Pormenor de uma porta do mosteiro Tashi Lha Khang
A comunidade budista thakali local, minoritária, mas considerada uma das mais abastadas do Nepal, fez o que pôde para integrar os refugiados tibetanos na vida da aldeia.
Cada família tibetana tem direito a um talhão de terra para cultivo.

Vendedores numa das ruas do cerne de Marpha
Trabalham nas lojas do centro.
Apoiam a actividade turística em geral, amiúde, como guias e carregadores nas muitas caminhadas que passam por Marpha, que de lá partem para outros lugares nepaleses meritórios.
A Capital Nepalesa da Maçã
De regresso, voltamos a cruzar o pórtico da aldeia.
Damos passagem a uma caravana de equídeos com sacas sobre os lombos.

Portal budista-tibetano de entrada em Marpha
Conduzem-na um trio de proprietários, três de vários criadores de mulas e pequenos cavalos, que lucram com a sua venda e aluguer para os mais distintos serviços.
Num domínio, como Marpha, cercado de pomares e outras produções rurais, a necessidade deste gado é premente, com frequência, para transporte de maçãs. Marpha é, afinal, a capital nepalesa da maçã.

Equinos num curral solarengo de Marpha
Produz compotas e licores e o famoso brandy de Marpha, tudo derivado dos seus frutos, preciosos, numa vastidão montanhosa em que esse tipo de alimentos frescos escasseia.
Ao longo dos séculos, Marpha e a etnia thakali que a povoa foram quase sempre contemplados com abastança e bem-estar.
A Fé Budista-Tibetana que Erradicou uma Epidemia de Lepra
Existem, todavia, relatos de um período negro em que uma epidemia de lepra flagelou a aldeia e que nenhuma tentativa para a erradicar parecia ter sucesso.
Desse flagelo terá resultado outro dos santuários budista-tibetanos locais.

Chorten adicionado a uma encosta da aldeia, diz-se que como tentativa de erradicar uma epidemia de lepra
Um chorten adicionado a uma vertente íngreme e rochosa, uma pintura branca e vermelha destacada acima e à direita do mosteiro Tashi Lha Khang, complementada com chortens de dimensões normais abaixo da base a que os crentes podem aceder para aí desfiarem as suas preces.
Reza a história que o responsável pela inusitada obra terá sido um monge da povoação vizinha de Tukuche.
Esse monge aconselhou as gentes de Marpha a ali erguerem o chorten, que se o fizessem e lá orassem e levassem a cabo determinados rituais, a lepra desapareceria.
Os thakali de Marpha seguiram o conselho. A lepra soçobrou.
A aldeia regressou à sua conhecida fecundidade.

Letreiros de negócios numa rua mais turística de Marpha
Escurece.
A Noite e Novo Amanhecer
Regressamos à “Paradise Guest House”. Jantamos com a companhia de Kofi Josua (nós, chamávamos-lhe Josh) e duma australiana com quem nos tínhamos cruzado na ascensão de há uns dias ao Ice Lake (4600m), acima de Brakka (3470m).
Enquanto saboreamos tartes de maça cobertas com creme de ovos, falamos de experiências passadas no trecho crucial e mais exigente do percurso, o que vai de Manang ao desfiladeiro de Thorong La, aos 5416 metros, o seu ponto supremo e mais arriscado.
Falamos de mal de altitude, de salvamentos dispendiosos de helicóptero e de outros males que nunca nos chegaram a afectar.
A previsão meteorológica contemplava chuva para o dia seguinte. Poderia, aliás, ser duradoura.
Estranhamos. Marpha surge numa zona envolta de montanhas que bloqueiam a chegada de nuvens carregadas. Até mesmo nos meses de monção, que geram fortes inundações noutras partes do Nepal, chove pouco.

Vista de Marpha com o mosteiro Tashi Lha Khang em destaque
É a prevalência de dias solarengos, associada à irrigação garantida pelos rios iminentes que substancia a abundância das maçãs e de outras frutas.
Terminamos as tartes. Conversamos mais um pouco. Vencidos pelo cansaço, vamo-nos deitar. Tal como suspeitávamos que aconteceria, o dia seguinte amanhece solarengo, sem grandes sinais de que o sol se sumisse.
Tomamos um pequeno-almoço um pouco mais acelerado que o normal, não fosse a meteorologia fazer das suas. Ainda antes das 8h, regressamos às ruas de Marpha.
Voltamos a passar pelo mosteiro.

Noviços brincam no pátio do mosteiro Tashi Lha Khang
Uma Vida Nepalesa Harmoniosa
Uns poucos noviços brincam num pátio afundado em que o sol começa a incidir.
Abençoa-os uma encruzilhada de bandeirolas de oração estendidas entre um mastro central e os telheiros da estrutura alpendrada, aberta para o céu.
Numa das salas do piso superior, um jovem monge agasalhado do frio, com um gorro ainda a cobrir-lhe a cabeça, ensina uma turma diminuta e disciplinada.

Aula budista no mosteiro Tashi Lha Khang
Numa varanda próxima, outro grupo, desocupado da aprendizagem, debate um qualquer tema juvenil, costas voltadas para as centenas de terraços dos lares de Marpha, para as bandeiras budistas-tibetanas que lá ondulam ao vento.
Descemos rumo ao cerne turístico e comercial da aldeia.
Pelo caminho, passamos por uma ruela. Anima-a a presença de dois técnicos que se esforçam para restabelecer o abastecimento de electricidade.

Moradores de Marpha acompanham uma intervenção na rede de electricidade da aldeia
Moradores saem, fazem perguntas. Voltam a entrar. Uns poucos, preferem assegurar-se que o trabalho fica feito.
Acompanham os técnicos, com o que nos parecem frequentes bitaites.
Acima desta comoção, mais preocupada com a saúde da sua longa cabeleira, uma mulher estica-a e penteia-a sem tréguas.

Mulher penteia o cabelo no terraço repleto de lenha da sua casa
Sabíamos, quase certo, que, por volta da uma da tarde, um autocarro passaria por Marpha, destinado a Pokhara.
Partida de Marpha e o Fim Antecipado do Circuito Annapurna
Embarcamos com a mente aberta, preparados para sairmos em Ghasa ou na zona de águas termais de Tatopani, em que, em tempos, muitos dos caminhantes do circuito Annapurna paravam para descontraírem os músculos e a mente do esforço diário a que as caminhadas os tinham obrigado.
Só que, sucessivas épocas de monção agravadas pela incursão de furações tinham causado inúmeras derrocadas e outros danos na estrada F042 que se ajusta ao leito do rio Gandaki. Como consequência, na via e não só, sucediam-se zonas de obras e entulho, maquinaria e outras máculas na paisagem.
Quantos mais quilómetros percorríamos mais nos desapontávamos com o que aparecia e nos desmotivávamos da perspectiva de prolongarmos o Circuito Annapurna naquelas condições.
Chegamos a Ghasa. O cenário mantinha-se semelhante.
E o mesmo na iminência de Tatopani. Já íamos com treze dias a caminhar. Com mais de quinze em volta dos Annapurnas se contássemos com a viagem até Besisahar, a noite lá passada e a ligação, também em jipe, até Chame, onde começámos a andar.
Em Tatopani, decidimos que preferíamos manter, imaculadas, as memórias dos muitos trechos entre Chame e Marpha e das povoações e lugares inolvidáveis pelo caminho.
Seguimos até Pokhara.
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