É toda uma maioridade viajante.
Em quase duas décadas da nossa deambulação terrestre, boa parte da nação Tica modernizou-se sem retrocesso. Nós, deixámos o mochilar puro e duro que nos fazia chegar a todo o lado.
Em Montezuma, salvo a estrada a partir do porto de Paquera estar agora asfaltada, pouco ou nada mudou.
Desembarcamos no cais a bordo de um carro alugado, já não para o autocarro a transbordar de adolescentes suados e motivados. Cumprimos os 40 km que separam o porto de Montezuma em menos que a hora prevista e sobre o pôr-do-sol.
Não conseguimos explicar ao certo porque não nos lembrávamos dos cenários que envolvem a estrada.
O mais certo é, à data, o “Tambor” – o ferry que ainda liga a cidade de Puntarenas a Paquera – ter chegado mais tarde ou se ter atrasado.
Paquera a Montezuma por Prados Ondulantes, Dourados pelo Ocaso
E, de acordo, o autocarro ter feito a viagem já de noite. Também não nos espantaríamos que tivesse os vidros demasiado escuros, impedindo-nos de apreciar a paisagem. Não seria, por certo, o primeiro.
O que sabemos, é que os derradeiros raios solares, quase paralelos face à superfície da península de Nicoya, roçavam os pastos ganaderos e pintavam-nos de um encanto quase mágico, repletos, comos os víamos, de lombas verdejantes, salpicados de árvores de sombra e de vacas brancas cebu.
Sabemos ainda que, nesse deslumbre ervado, rejeitámos o atalho da Calle Pura Vida que, em vez, esbarrámos com o entroncamento semi-urbano de Gollo Cobano.
Daí, descemos em direcção à costa por uma estrada secundária tão precária e esburacada como as de há vinte anos.
Instalamo-nos na vivenda de férias de Rose Marie e Glen, um casal dos E.U.A. com quem, nos tempos livres da nossa sempre intensa descoberta fotográfica, convivemos.
Mesmo antes de o confirmarmos, o duo volta a louvar-nos os créditos zen de Montezuma. Falam-nos também de lugares vizinhos que devíamos aproveitar para desvendar.
É o que fazemos.
À Redescoberta do Abrigo Tropical de Montezuma
Mais móveis que em 2003, apontamos ao litoral oeste da Península Nicoya.
Damos entrada na Playa Malpaís e no seu areal vasto, bem distinto dos de Montezuma, e lá admiramos o deleite partilhado pela comunidade surf expatriada.
Ondas para surf é algo que Montezuma não pode oferecer. Essa lacuna só a torna mais sossegada.
Cansados dos dias encharcados em Monteverde, no cimo da cordilheira que separa o lado caribenho da Costa Rica, do Pacífico, dividimos o dia inaugural de praia entre recreio balnear e fotos ocasionais e providenciais.
Só regressamos a casa sobre o anoitecer. Por fim, cedemos à ansiedade do reencontro.
Atravessamos o pueblo de Montezuma que encontramos a papel químico do que guardávamos na memória.
Do cimo de um rochedo coroado por uma bandeira branca-azul-vermelha da Costa Rica, espreitamos a enseada mais próxima, a primeira de uma sequência bendita que nos lembrávamos de ter calcorreado até à exaustão.
Em breve, escurece, culminar de um crepúsculo exuberante rasgado pelo sobrevoar de sucessivos esquadrões de pelicanos.
O amanhecer seguinte revela-nos um novo dia solarengo e seco, característico da península de Nicoya.
Sem mais desvios, retomamos a deliciosa redescoberta de Montezuma.
Queda d’Águas de Montezuma. A Alternativa Fluvial às Praias Deslumbrantes
À entrada do Pueblo, há uma bifurcação em que a via direita dele se afasta, na direcção do famoso Cabo Blanco.
Lembrávamo-nos que a umas meras centenas de metros por essa estrada de terra, partia um trilho para uma grande queda d’água, um precipitar do rio que dá o nome à povoação.
Seguimos o seu leito, repleto de altos e baixos, de passagens escorregadias e de outras de tal forma precárias que foram dotadas de cordas de apoio.
Um quilómetro e meio depois, ouvimos o som refrescante do salto, na sequência da longa época das chuvas da América Central, ainda volumoso. Também por ali, a vida havia parado no tempo.
Apesar da hora adiantada, o anfiteatro de selva em redor estava repleto de jovens entregues aos prazeres da Natureza, incluindo os estímulos sensoriais de alguma da sua erva, consumida em grande quantidade por aqueles lados, o que explica que, em jeito de sátira, Montezuma continue a ser conhecida como Montefuma.
Nesse deleite, rapazes cortejam raparigas. Raparigas cortejam rapazes. Como acontece desde sempre e, como tal, e se passava em 2003, os primeiros fazem de tudo para as impressionar e à plateia em geral.
Nestas quase duas décadas, os acidentes acumularam-se. Nem por isso, uma qualquer autoridade se atreveu a proibir as acrobacias.
Saltos Mortais e alguns Banais, Acrobacias Arriscadas da Vida
À boa maneira tica, uma mensagem numa placa envelhecida e embelezada pelo sol e pela chuva, finge que cumpre o seu papel. Logo em frente, os mergulhos seguem-se, uns mais acrobáticos que outros.
Com o nosso banho tomado, concordamos em registá-los. Na primeira passagem por Montezuma, tínhamos assistido e fotografado em diapositivo ao mergulho dos mergulhos, protagonizado em por um jovem destemido que se lançara de cabeça, quase do topo dos 24 metros de altura.
Temos que confessar que, malgrado o risco de tragédia, tínhamos esperança que o momento se repetisse.
Em vez, sucederam-se saltos menores, alguns deles, insultuosos face a esse culminar histórico, de rapazes que mergulhavam a tapar o nariz. E um ou outro com salto mortal incluído mas executado de uns poucos metros de altura.
Assim decorria a manhã quando, do nada, um adolescente alvo e esguio, de cabelo encaracolado, que se limitava a apreciar os feitos dos restantes decide impressionar as moças com quem tinha metido conversa e suplantá-los a todos.
Mais que isso. Jesus, assim, se chamava o nativo de Montezuma, já tinha topado que registávamos as acrobacias e decide eternizar-se.
Vem ter connosco e comunica-nos a piscar o olho: “vou fazer um salto especial, só para vocês. Preparem-se para disparar.”
Dali, contorna a queda d’água e ascende-a até quase a meio. Com as mãos, limpa de terras uma pequena laje de rocha. Volta a descer.
Ganha balanço, projecta-se dessa base contra a parede da queda d’água e, com o impulso renovado, salta para as profundezas da lagoa.
Logo, vem verificar como se tinha saído.
“Bom número não foi?? Vocês têm que me enviar isso, OK?” e passa-nos o seu número de telefone.
As Praias Selvagens e Luxuriantes de Montezuma
Proezas como a sua não surgem assim ao acaso. Mais para a tarde, percorríamos já as enseadas de Montezuma quando voltamos a avistar Jesus.
Treinava saltos e acrobacias afins num castro de rochas que a maré vazia deixara descoberto.
Cruzamos toda a praia de Montezuma.
Na passagem para a seguinte, distrai-nos um bando de macacos-capuchinhos entretido com um dos seus frequentes e estridentes conflitos.
Segue-se a baía diminuta de Piedra Colorada, atravessada por um riacho frio que, tal como nos lembrávamos, sulcava o areal negro.
Em tempos, esta enseada era frequentada por um tal de Jake, um artista local que, manhã após manhã, ali costumava deixar uma escultura de pedras em equilíbrio.
O seu hábito gerou uma tradição. A razão porque encontramos todo um sector da praia repleto dessas esculturas.
Jovens famílias de estrangeiros piquenicam à sombra dos coqueiros, onde o riacho encontra o areal. A espaços, metem-se no mar tranquilo da enseada e alternam o banho de água doce, com outros de salgada.
A Playa de la Piedra Colorada dá para um dos incontáveis redutos naturais protegidos da Costa Rica, acessível por um sendero de início íngreme e em que vigora um silêncio e uma atmosfera clorofilina sagrada.
A Selva Litoral Protegida da Reserva Wessberg
À entrada, uma placa identifica-o como Sueño Verde e ao lugar da finca em tempos habitada pelo casal Nicolas Wessberg e Karen Morgensen, homenageado, em 1994, com a criação da Reserva Nacional Absoluta Wessberg.
Nicolas, ou Olaf, como era tratado pela família, e a esposa foram defensores acérrimos dos ecossistemas da Costa Rica. Nicolas pereceu, aliás, vítima dessa postura.
Nos anos 60, o casal visitou a zona vizinha de Cabo Blanco.
Deparou-se com uma vasta área de floresta recém-cortada.
Decidiram-se a recuperá-la e a transformá-la numa reserva natural, para o que Nicolas procurou convencer o governo da Costa Rica e reunir fundos internacionais que facilitassem tal missão.
Acabou por ter sucesso.
Não tarda, o casal interessou-se pela protecção de outra área selvagem única da Costa Rica, a de Corcovado.
Em 1975, Nicolas, partiu para lá com o objectivo de escrever um relatório que ajudasse a garantir a mesma protecção que obtivera para Cabo Blanco.
Não conseguiu, todavia, cumprir a promessa que tinha feito à esposa de que voltaria para o seu aniversário.
A versão mais aceite da sua tragédia é a de que o terá morto um guia local a mando de nativos da região que desejavam enriquecer com os recursos naturais da zona e temiam que fosse decretada parque nacional.
Na Reserva Nacional Absoluta Wessberg, em perseguição fotográfica de um pelicano solitário, perdemos meia-hora a focar uma garça-tigre menos fugidia.
Ao som de uma qualquer música clássica grandiosa, o morador de uma cabana por ali perdida ajudou-nos a evocar os espíritos ecológicos de Olaf e de Karen.
As melodias que o entretinham, contribuíram para sentirmos ainda mais reforçada a espiritualidade verde e alternativa da elusiva Montezuma.
Artigo realizado com o apoio de:
JUMBO CAR COSTA RICA
Código JUMBOCOSTARICA = -10% em todas as reservas, até 31-12-2022