Não acontecia todos os dias por aqueles lados.
Um grande Mercedes e várias outras viaturas de luxo detêm-se nas imediações de uma aeronave sofisticada. O insólito desenrola-se sobre a pista do aeroporto Brang Biji de Sumbawa Besar.
Tinha acabado de aterrar Lady Diana, acompanhada de três amigas e um guarda-costas.
São recebidas com pompa e circunstância.
Pouco depois, embarcariam numa travessia curta a bordo da lancha Aman XI com destino final na doca elegante do Amanwana, um ecoresort favorecido da cadeia Aman, fundada pelo hoteleiro indonésio Adrian Zecha.
Nem na Indonésia mais improvável a Princesa se livrou dos artigos descritivos e opinativos que a imprensa mundial publicava sobre a sua vida, a pública e a privada.
Entre outros, o jornal Lombok News não tardou a relatar nas suas versões bahasa, (o dialecto nacional indonésio) e inglesa que Diana iria ficar duas noites e três dias. Entretanto, adiantou que Di parecia triste.
Que nadava no Mar de Flores e apreciava o pôr-do-sol a partir da praia. As descrições surgiram, estima-se que feitas por outros hóspedes e pelos empregados do hotel.
Que se saiba, nesse período, Diana Spencer esteve a salvo dos hiperactivos e obsessivos paparazzis britânicos e de quaisquer países que visitasse.
As características deste resort solitário alojado numa ilha furtiva foram a razão para que a então Princesa de Gales – à semelhança de David Bowie, Yoko Ono e Mick Jagger – tivesse escolhido evadir-se no Amanwana.
Uma Ilha Reserva. E Reservada a Visitantes Endinheirados
O nome do hotel significa floresta pacífica. E não é qualquer um que usufrui da excentricidade natural, da tranquilidade e da privacidade da ilha.
Andávamos a explorar a ilha vizinha de Lombok quando, fruto de interesse geográfico e de investigações online, Moyo nos despertou a curiosidade.
Após uma troca de emails exaustiva, conseguimos suscitar o interesse dos responsáveis do Amanwana e a sua autorização para lá passarmos uns dias. Escusado será dizer que a nossa viagem e chegada destoaram e muito das das vedetas já mencionadas.
Recebemos o OK para a visita a partir da manhã seguinte, estávamos ainda por Senggigi, que tínhamos estabelecido como base para a descoberta de Lombok.
A notícia obriga-nos a medidas logísticas resolvidas sob pressão. O próximo autocarro para Sumbawa partia de Mataram, a capital de Lombok, às 15h.
A Viagem Inesperada entre a Capital de Lombok e a Ilha Moyo
Finalizamos algumas derradeiras negociações com os gerentes do Amanwana.
Enquanto fazemos as malas, pagamos as contas do hotel e da motoreta alugada. Logo, apanhamos um táxi para o terminal de autocarros Mandalika.
Chegamos uns meros minutos antes da hora de partida, ainda com tempo para comprarmos umas bolachas e pacotes de leite de búfala.
Massacram-nos angariadores de passageiros, a quem custava a acreditar tanto na presença incomum de estrangeiros como em que tínhamos pré-adquirido os bilhetes numa agência de Senggigi.
O primeiro trecho terrestre da jornada passou mais depressa do que esperávamos.
O autocarro provou-se uma feira ambulante, animada por vendedores, músicos e pedintes que promoviam uma panóplia inacreditável de produtos, tocavam e mendigavam ao longo do corredor.
Os músicos tocavam êxitos do repertório nacional. Nós, acompanhamos a acção e restantes variedades num misto de incredulidade e fascínio.
Por volta das cinco da tarde, chegamos ao porto de Labuhan. Pouco depois das seis, com o sol já a mergulhar no oceano em frente, o autocarro entra no convés oleoso de um ferry.
Lombok – Sumbawa: O Surreal Trecho Marítimo da Viagem
O destino final daquele bus saltitão era a ilha de Flores, um dos poucos redutos católicos da Indonésia graças à influência portuguesa secular. No extenso arquipélago de Nusa Tenggara e no sub-arquipélago de Sonda, Flores ficava duas ilhas à frente.
Nós, desembarcaríamos na próxima.
Tal como no autocarro, a bordo, nem sinal de estrangeiros. Revelamo-nos uma atracção inesperada da viagem. Ao ponto de nos fotografarem vezes sem conta.
No sentido inverso da admiração cultural, pasmamo-nos com as várias TVs proselitistas em que imams barbudos protagonizavam sermões e pregações. E com estranhos videoclips propagandistas do Islamismo, religião que tem, na Indonésia, o seu maior número de fieis.
Às horas de oração, vemo-los prostrarem-se a Alá, por turnos, na mushola abafada do navio, contra o sentido da navegação.
De Volta à Estrada, a Caminho da Capital de Sumbawa
Uma hora e meia depois, regressamos ao bus, desembarcamos em Poto Tano e completámos a viagem até Sumbawa Besar, a principal cidade.
Cumprimos o derradeiro percurso rodoviário por uma estrada escura e sinuosa, clareada apenas pelo luar.
Não era um luar qualquer o que nos iluminava. Rasava o horizonte terrestre como há muito não víamos, o seu disco natural a exibir-se, enorme, recortado pelas silhuetas das copas das árvores mais imponentes porque passávamos.
Esta inesperada aura cósmica embala-nos para um sono desconfortável mas profundo. Só percebemos que chegámos ao destino quando o motorista nos desperta e aponta a porta de saída.
Em vez de táxis, espera-nos um exército de moto-táxis insolentes. Demasiado cansados, rendemo-nos à solução possível.
Subimos a bordo de duas motorizadas, cada um no seu número de circo que passava por evitar que deixássemos pelo caminho uma mochila grande entre nós e o condutor e duas mais pequenas, uma às costas a outra à frente.
Eram dez da noite. Sem energias ou disposição para mais, acabamos por dar entrada naquele que teria que ser uma das piores guest-houses da ilha, com condições de higiene e conforto que ainda hoje usamos como padrão para o pior que nos dispusemos a suportar e que tentamos por tudo esquecer.
Às cinco da manhã, acordamos assustados com o cantar doloroso do muezzin de uma mesquita ao lado.
Uma hora depois, uma carrinha de serviço do Amanwana resgata-nos da tortura de Sumbawa Besar, leva-nos ao barco que transporta diariamente os empregados moradores de Sumbawa para a ilha Moyo, a 15 km.
Às 8h30 da manhã, damos entrada no Amanwana.
Enfim, Desembarcados no Aconchego Luxuriante e Privativo da Ilha Moyo
Tínhamos passado directamente de uma espelunca de zero estrelas – ou estrelas negativas -para um ecoresort excelso de cinco ou mais.
Sempre fomos avessos a ligar mais aos hotéis que aos lugares que justificaram a viagem. No caso da quase incógnita e misteriosa ilha Moyo, a regra dizia-nos mais que nunca.
Um guest-assistant espera-nos no pontão. Conduz-nos num velho Land Cruiser descapotável até ao domínio do resort.
O Amanwana aloja os hóspedes em 20 tendas híperluxuosas, o também condutor deixa-nos à porta da que nos iria acolher, a 17, perdida no meio da vegetação.
Recuperámos o corpo e a alma num longo duche de água quente, o primeiro desde a partida de Senggigi.
“Housekeeping!” Uma das empregadas faz questão de completar o cesto de fruta de boas-vindas com mais exemplares tropicais. “A Ladi Di ficou na tenda 20.
As amigas e o guarda-costas ficaram nas 17, 18 e 19.” inclui num rol de informações e sugestões que nos esforçamos por reter do diálogo bem disposto, em inglês.
A meio da manhã, por fim, registamo-nos na recepção.
Por essa altura, aterrava um hidroavião em frente à enseada do Amanwana. Aproveitamos.
Fotografamos o seu deslizar e o pouso de novos hóspedes multimilionários provenientes de Bali.
Moyo, uma Ilha Protegida pelo Estatuto de Parque Nacional
No regresso aos aposentos, deparamo-nos com a confirmação de que estamos na selva. Uma enorme aranha felpuda de estilo tarântula – possivelmente uma tarântula – passeava-se pelo soalho.
Passamos cinco minutos a engendrar e pôr em prática estratagemas para a fazer sair viva, sem lhe tocar.
A aranha era só uma das muitas espécies que as autoridades indonésias decidiram proteger.
Em 1986, foram oficialmente reconhecidas as características especiais do ecossistema de Moyo. E estabelecido um parque nacional destinado a a preservar a sua vegetação e as inúmeras aves – algumas em perigo de extinção – morcegos, macacos, javalis, veados, lagartos monitores e pitões residentes.
Os javalis e os veados vemo-los em redor das tendas. Os macacos chegam a usar o tecto da nossa como colchão de aterragem em mais que uma noite, com tal estrondo, que na primeira ocasião, pensávamos que iríamos ser vítimas de uma derrocada.
De quando em quando, alguma destas espécies, quase sempre os javalis e os veados, tornam-se demasiados. Então, as autoridades concedem licenças de caça que permitem que a ilha recupere o equilíbrio.
Ao largo, existem recifes de coral profícuos em vida subaquática e esta secção idílica do Mar de Flores foi decretada reserva marinha.
A Concessão Privilegiada do Eco-Resort Amanwana
O Amanwana resultou de uma outra licença especial. A concedida a uma empresa de nome Moyo Safari Abadi, sediada em Denpasar, a capital de Bali.
Foi esta a única companhia autorizada a instalar um resort na ilha com a responsabilidade de contribuir financeiramente (mas não só) para a protecção da ilha e bem-estar dos seus habitantes.
Sob regras ecologistas exigentes.
É essa a principal razão para estarmos alojados numa tenda e não numa estrutura habitacional permanente e mais invasiva.
Com muita paciência, lá arrastamos um caixote do lixo virado ao contrário até ao exterior e, nele retida, a provável tarântula.
Já com a casa em paz, sentimos nova aproximação do Land Cruiser verde. Dois guias do hotel convidam-nos para uma volta pela ilha. Aceitamos sem hesitações. Saímos de pronto.
À Descoberta da Ilha Moyo com Passagem pela Aldeia de Labuan Aji
O caminho começa por sulcar selva densa. Mais à frente, passa entre arrozais e milheirais. Ainda andamos 15 minutos até um leito de rio gentil onde, com a desculpa de nos refrescarmos do calor húmido nos banhámos sob quedas d’água com dimensões de duche.
Ambos os guias eram nativos.
Conversa puxa conversa, Paul, que falava um bom inglês conta-nos que cerca de 50 dos 150 empregados do Amanwana era de Labuan Aji, a maior das seis aldeias palafíticas da ilha que, apesar dos seus 350 km2, só tem 1000 habitantes.
Acrescenta que os restantes provinham de Sumbawa.
Conta-nos isso e mais: “todos nós vemos o resort com bons olhos.” Continua. “Foram muitos empregos que cá caíram de pára-quedas e que salvaram outras tantas famílias da separação.
Eu, por exemplo, ganho o mesmo ou até mais que alguns amigos que tiveram que emigrar para a Índia ou países árabes.
Vários fazem o mesmo que eu mas, outros, trabalham na pesca ou na construção, o que é bem mais duro. Todos eles estão a milhares de quilómetros de casa. Eu sinto-me um privilegiado por poder ir para casa todos os dias.”
No regresso das quedas d’ água, paramos em frente à casa de uma família. Debulhavam arroz.
Com afinco, batiam com as plantas com toda a força contra um crivo de madeira. E juntavam os bagos sobre lonas de plástico, prontos para secar.
Sob o mesmo sol de que se protegiam as mulheres mais jovens do clã que trabalhavam de hijab e mantinham a cara sarapintada com um curioso protector solar natural.
A Simbiose Perfeita entre o Amanwana e as Gentes da Ilha Moyo
“Se não fosse o Amanwana só nos restava ou isto ou a pesca!” completa Tony.
Passamos por entre as palafitas geminadas de Labuan Aji.
Na povoação, sentimos um pouco do bem-estar e do acolhimento da comunidade que, apesar de uma relativa invasão da sua privacidade, nos recebe com sorrisos tímidos.
É o que fazem com quase tudo o que lhes chega do lodge.
Em 2008, foi criado um fundo conservacionista para a ilha mantido com parte dos pagamentos dos hóspedes. Até ao surgimento do lodge, os aldeãos costumavam apanhar os ovos postos pelas tartarugas nas praias de Moyo – incluindo algumas tartarugas – para vender nos mercados de Sumbawa.
O Amanwana passou a pagar-lhes o dobro para que não os desenterrassem. Ou para os voltarem a enterrar caso ficassem a descoberto. Alguns habitantes desempenham a função de guarda-parques.
Patrulham a floresta contra o abate ilegal de árvores e de animais, recuperam recifes antes danificados pela pesca com explosivos ou constroem escolas em que leccionam professores também eles pagos pelo novo fundo.
Quanto mais explorávamos de Moyo e do Amanwana mais nos convencíamos que ilhas como estas não se encontram todos os dias.