O dia aproxima-se do fim.
Tóquio continua entregue a uma Primavera com céu azul e sol radioso. Deambulamos pelas ruas de Shibuya. A caminho de casa, grupos de alunas de mini-saias axadrezadas e pulôveres cinzentos perdem-se em diabruras e travessuras, .
Lolitas garridas e gyarus glamorosas passam por assalariados cinzentões no cruzamento mais atravessado do mundo. Jovens sobre bicicletas modernas adiantam-se pelos espaços desaproveitados pelo fluxo e contra fluxo da multidão.
Já do outro lado, metemo-nos numa ruela comercial repleta de montras que atraem adolescentes sedentos das novidades da moda.
Chama-nos a atenção uma parede decorada com posters com personagens de manga e caracteres nipónicos sobre fundos amarelos. Examinamos o edifício de aparência algo Blade Runner.
Os Salões Barulhentos, Fumarentos e Alienantes de Pachinko
Damos com a sua entrada principal, barrada por uma porta que obedece a sensores. E com um antro tecnológico, barulhento e fumarento. Tratava-se de um dos milhares de salões de pachinko que infestam o Japão.
No interior, dezenas de almas desperdiçam horas da sua vida, em frente a aquários electrónicos multicolores em que soltam esferas reluzentes. A maior parte dos jogadores perde rasto da realidade e a muitos milhares de ienes.
A ironia das ironias está em que tudo começou com um simples brinquedo.
Corinthian Bagatelle: a Surpreendente Inspiração Ocidental
Em, 1920, os japoneses descobriram um jogo de crianças americano, o Corinthian Bagatelle. Criaram a sua versão a que chamaram de korinto gemu.
Dez anos depois, a engenhoca apaixonou os adultos de Nagoya. A partir desta cidade, o fenómeno contagiou o resto da nação.
Após a 2ª Guerra Mundial ter interrompido o seu alastramento, o passatempo não tardou a regressar ao Japão vencido e destruído. Então, os prémios do jogo eram produtos valiosos no mercado negro, como sabão e chocolate.
Do Mero Passatempo, à Rede Nipónica de Salões de Pachinko
Em 1948, na mesma Nagoya, surgiram os primeiros salões comerciais. Agrupavam máquinas que usavam campainhas para assinalar os estados do jogo e flippers que projectavam as esferas com impactos reguláveis.
Estas máquinas mantiveram-se no activo até ao virar dos anos 80. Daí em diante, a revolução electrónica japonesa garantiu modelos cada vez mais futuristas e sedutores.
De volta ao mesmo salão de Shibuya, jogadores compenetrados continuam a ignorar os inúmeros prazeres do ar livre.
É normal chegarem muito antes da abertura das casas para disputarem as máquinas mais familiares ou as menos sofisticadas, que acreditam poder manipular com mais facilidade.
As Máquinas “de Crianças” Que Sugam a Vida aos Adultos do Japão
Depois, sentam-se lado a lado, pernas contra pernas. Durante horas a fio, sofrem a alienação digital de “Sea Story”, “Star Wars” ou “Mappy Park” – temas gráficos e de programação dos jogos.
É raro comunicarem entre si, ou sequer olharem para o lado. A mínima perda de concentração causa a derrota na partida em que estão envolvidos.
Haveríamos de explorar pachinkos em diferentes cidades. Sem grande conhecimento, limitamo-nos a inserir ienes sem fim.
Aborrecemo-nos mais depressa do que pensávamos, a vermos as esferas infernais seguir o seu próprio destino entre pinos e outras barreiras. Ao contrário do pensávamos, o pachinko concede-nos pouco ou nenhum controlo.
Para as vítimas do jogo, todavia, as luzes, os sons infantis e o circular das esferas revelam-se hipnóticos.
Pachinko: um Drama Social Há muito Latente
Mesmo se o jogo permite jackpots máximos de 40 euros e ritmos de perda nunca superiores a 1.5 euros por minuto, o pachinko tem o condão de mudar vidas. Quase sempre para pior, diga-se de passagem.
É a razão porque as empresas proprietárias protegem ao máximo as identidades dos jogadores. E porque nos obrigam a repetidos exercícios de gato e rato com os seus seguranças para conseguirmos fotografias decentes no interior dos salões.
Sentimos como muitos japoneses se refugiam da pressão esmagadora dos seus trabalhos em frente das máquinas. E como, ao fim de algum tempo, perdem empregos atrás de empregos. Arruinam-se e às suas famílias e veem-se forçados a juntar-se a grupos de jogadores compulsivos anónimos.
Por estranho que pareça, estas não são sequer as consequências mais dramáticas. Quase todos os anos, morrem duas ou três crianças devido ao excesso de calor quando os pais se esquecem delas nos carros depois de entrarem nos salões para jogarem “apenas alguns minutos”.
E, no entanto, quando os japoneses em geral são questionados sobre os hábitos de jogo da sua nação, a maior parte limita-se a dizer que é ilegal ou que os nipónicos não jogam. Estas respostas provam o grau de marginalidade tolerada ou camuflada do pachinko.
Na realidade, o Japão tem dez vezes mais máquinas de jogo que os Estados Unidos.
Um Vídeo-vício que Arruina Famílias e Enriquece Corporações
Trinta dos seus quase 130 milhões de habitantes frequenta os salões de pachinko onde deixam, todos os anos, mais de 150 milhares de milhões de euros. Causam perdas estimadas da ordem dos 40 milhares de milhões de euros.
Ameaçada pela indústria crescente dos videojogos e de outras formas de apostas, os promotores e proprietários de pachinkos optaram por se apresentarem como divertidos e emocionantes.
Tomaram inclusive de empréstimo para as suas decorações de fachadas e do interior, o tipo de personagens e de grafismo manga que os hipersofisticados videojogos nipónicos aperfeiçoaram.
Os empresários nipónicos são tão obcecados por dinheiro como os jogadores de pachinko. Recorrem a truques ainda mais baixos. Chegamos a entrar em salões ainda de manhã.
Nessas ocasiões, o ruído da música e dos jogos revela-se exagerado face ao número de clientes. Não tardamos a apurar que os salões passam em contínuo uma banda sonora que simula casa cheia.
Essa música incita os recém-chegados a permanecer e a gastar. Quando as várias estratégias resultam, as casas de pachinko ficam lotadas num ápice.
Bem mais depressa que os cestos em que os apostadores guardam as esferas que conquistam.
A espaços, vemos os jogadores mais experientes ou felizardos levantarem-se e chamarem funcionários para os recolherem.
Estes, correm para satisfazer a vontade do freguês, despejam as esferas para um dispositivo contador e trazem de volta um recibo que o jogador troca por dinheiro.
O Jogo à Margem dos Prémios do Pachinko
Em teoria, os prémios do pachinko deveriam ser apenas produtos. Cada salão tem a sua boutique com perfumes Channel, despertadores Hello Kity e outros objectos quase insignificantes, pensos, canetas, revistas etc – que podem ser trocados por algumas centenas de esferas.
Na realidade, quase todos os jogadores preferem receber dinheiro. De maneira a contornarem a lei, os salões criaram “special prizes” fictícios e sem valor que os ganhadores levam a casas de troca sombrias situados na proximidade.
Nessas casas, outros funcionários trocam as esferas pelo desejado numerário nipónico.
Os ienes não tardam a entrar nas máquinas e a renovar o ciclo vicioso do pachinko.