O peso simbólico do Dia da Austrália e o álcool consumido em honra da data despertam, em Rod Caddies, conflitos há muito latentes.
Com um iPod e colunas respectivas sobre o colo e uma cerveja à mão, o anfitrião do churrasco já não se esforça para disfarçar a mágoa causada pela perda da custódia dos filhos. Cede ao revivalismo.
Passa, uns atrás dos outros, os grandes êxitos patriotas de John Williamsom que cantarola comovido. “Home Among the Gumtrees” e “Waltzing Matilda” puxam pela sua faceta True Blue. Fazem-no suspirar pela velha Austrália. “Antes era tudo bem melhor. Havia um verdadeiro mate em cada um de nós.
A amizade e a camaradagem ligavam-nos a esta terra e estavam acima de qualquer interesse pessoal”. E continua a desabafar, desiludido com o multiculturalismo, a seu ver, precipitado e exagerado que destruiu as raízes da nação.
Nascido e criado nas planícies do sul da vasta Austrália Ocidental, Rod acabou por se mudar para a sofisticada Perth. Seduziram-no as luzes da grande cidade e a prosperidade garantida pelo emprego “estatal” que lhe sorrira.
No seu íntimo, os valores do campo continuavam a defender-se das agressões egocêntricas da capital da província, a mais distante de outras grandes urbes à face da Terra.
E venciam, sem apelo, apesar dos sacrifícios exigidos.
Do Campo para a Longínqua Perth: uma Mudança Radical de Vida
O seu irmão e a sua cunhada eram “Wild Souls” como fazia questão de dizer, marginalizadas e consumidas pelas drogas. Tinham perdido os filhos para as instituições de apoio social. Solidário e sensibilizado, Rod acompanhou o processo de perto.
Consciente da possibilidade de deixar o emprego e de ter um rendimento superior se tomasse conta dos miúdos, não hesitou. Afinal, era a vida deles mas também a sua que podia salvar com a mudança.
Na hora da decisão, o coração esmagou a razão. Em pouco tempo, viu-se a alojar em sua casa as duas crianças mas também um jovem casal de neozelandeses à procura de um rumo aussie. E ainda Dain, um outro sobrinho que só recentemente começara a trabalhar.
A nova existência benemérita havia de lhe restituir o ânimo. Como derradeiro e incontornável estímulo, impunha-se um regresso em força aos seus rodeos. Foi algo que o convívio com Dain e outros seus mates se encarregaria de assegurar.
Fiel à promessa, sempre que as competições se realizam suficientemente próximo, Rod e o sobrinho fazem questão de participar. A proximidade australiana é relativa.
Acabam por conduzir dias a fio até Albany ou a voar para Port Augusta, a mais de 2000 km de distância de Perth, na província vizinha de South Australia. As despesas que saem dos seus bolsos só são compensadas caso conquistem um dos prémios em disputa.
O Rodeo Providencial da Arena de El Caballo
Nesse fim de semana do Dia da Austrália, no entanto, o rodeo tem lugar na grande casa de rodeos de Perth. Rod e Dain estão determinados a divertir-se e, quem sabe, a brilhar.
Situado nos arredores de Perth, El Caballo foi, em tempos, um resort rural promissor. A falta de clientes e um desleixo generalizado transformaram o lugar num pardieiro que os poucos “enganados” criticam de forma devastadora na internet.
Apesar da má fama, o lugar possui uma das arenas de rodeo famosas da região.
À medida que a tarde de Verão aquece e o ambiente se americaniza, as bancadas compõem-se com uma multidão devoradora de cerveja.
Abundam os chapéus texanos, os jeans azuis escuros presos por cintos com grandes fivelas douradas e prateadas, as camisas coloridas aos quadrados e botas de vaqueiro.
À hora marcada, quando o recinto já está a pinha, tem início um cerimonial solene.
Uma Exibição Exuberante da Faceta Cowboy da Austrália
Uma cavaleira loura de pose altiva avança até ao meio da arena empunhando as bandeiras da Austrália e dos Estados Unidos. Assim que se imobiliza, o locutor de serviço pede a atenção do público e o hino australiano é tocado e cantado com vigor inquestionável.
Terminado o protocolo, a música muda para estilo country. Sucedem-se as mais diversas exibições: as de laço e perícia com novilhos, as gincanas montadas a contra-relógio, as apresentações circenses, malabaristas e humorísticas, estas últimas, a cargo do cowboy-palhaço de serviço.
Após cada um dos momentos ligeiros, decorrem as eliminatórias das provas rainhas: a montada dos touros e dos cavalos selvagens. A cada largada, a expectativa atinge o clímax para e dá lugar ao desapontamento ou, nos piores casos, ao drama e à entrada em cena das ambulâncias e dos paramédicos.
Ainda mais que, em terras ianques, resistir por oito segundos a um touro tresloucado de várias toneladas é, por aqui, pouco frequente. A modalidade está longe do profissionalismo absoluto norte-americano.
Além de prémios avultados, os montadores que o conseguem guardam para sempre um forte motivo de orgulho.
Dain fica para trás nas primeiras eliminatórias. Rod resiste mas vê-se assombrado pelas agruras do seu passado. A ex-mulher passeia-se pelo recinto com os filhos de ambos e o seu novo companheiro.
As Mazelas do Rodeo Cowboy e da Vida de Rod
Como se não bastasse, mazelas antigas do corpo – que sempre fez questão de curar de forma naturalista – voltam a causar-lhe dor. Atrapalham-lhe o seu desempenho. Desanimado, refugia-se, atrás das grades da arena, entre os compinchas vaqueiros que se preparam para voltar a montar e acompanha a acção compenetrado.
Quando é de novo a sua vez, o panorama pouco muda. Calha-lhe um dos touros mais complicados do lote. Vê-se derrubado num ápice, e salva-se à última de ficar preso na corda que envolve o animal.
Dain certifica-se de que está tudo bem. Cumprimenta o tio, anima-o com piadas improvisadas sobre os falhanços de ambos.
Gravado no seu blusão de cabedal – que combina com a camisa, as calças franjadas justas e o chapéu texano – uma expressão curta relembra Rod da forma destemida como sempre fizeram questão de viver: “No Cry Babies”.
Pela noite fora, os dois cowboys bebem e dançam sem parar na pista transpirada de El Caballo. Quando a exaustão deles se apodera, fazem planos para os rodeos que se seguem, no velho “Oeste” australiano.