Não é só Chania, a pólis secular, repleta de história mediterrânica, no extremo nordeste de Creta que deslumbra. Refrescam-na e aos seus moradores e visitantes, Balos, Stavros e Seitan, três dos mais exuberantes litorais da Grécia.
Como se ainda fosse necessário, longe de o ser, Creta volta a provar-se a mais imensa ilha helénica.
O que começara como um mero plano de evasão matinal, revela-se uma verdadeira odisseia rodoviária.
Começamos por subir rumo à quase auto-estrada E65 que percorre o cimo de Creta, numa das raras linhas em que a orografia dramática da ilha o permitiu.
Percorremo-la entre o Golfo de Chania e as vertentes verdejantes a sul.
Por alguns quilómetros, na base de uma primeira península que se estende Mar Egeu adentro. Depois, pela beira de um novo golfo pronunciado, o de Kissamou.
O Caminho Árduo para o Extremo Noroeste de Creta
Encerra-o e à Creta continental, outra península, não tão longa, mas mais afiada que a anterior e que tinha como prolongamento insular um tal de arquipélago Gramvousa, abençoado por uma velha igreja ortodoxa.
Sem chegarmos a tanto, confrontados com a base do tal cabo, deixamos a via principal. Para uma outra desgastada, empoeirada e que, não tarda, se despromove a estrada terrosa repleta de sulcos, buracos e crateras que nos mantêm em constante trepidação e agitação.
Compensam o desconforto, os panoramas do mar arredondado do Golfo Kissamou. Aos poucos, subimos pelo cabo que o encerrava, pela base da crista de Platiskinos que nos barrava o acesso e a vista para ocidente.
Alguns meandros mais, e tanto a estrada como a crista se ficam por ali.
O Trilho para o Sopé de Platiskinos
Damos com um parque de estacionamento improvisado, patrulhado por um rebanho de cabras que, àquela hora, preferiam a sombra ao pasto.
Duas delas repousam contra uma venda de bebidas, submetidas à aresta que, por enquanto, o sol poupava. Outras, mantinham-se encostadas a carros mais altos ou disputavam os seus fundos oleosos.
Abandonamos o nosso em busca do trilho que conduzia ao lado oeste do cabo e ao destino final da expedição, Balos.
Percorremo-lo na companhia de banhistas ansiosos.
Ultrapassam-nos outros, a cavalo de um sortido incaracterístico de equídeos, burros de distintos tamanhos, mulas e cavalos diminutos.
Praia Balos e um Deslumbre Turquesa-Esmeralda
O trilho desemboca numa espécie de socalco avançado. Por fim, para lá do fundo da encosta, vemos estender-se uma lagoa marinha de um ciano que o sol a pique acentuava e que só a profundidade longínqua transformava em turquesa.
Delimitavam-na, a oeste e a noroeste, ilhéus áridos, sarapintados de vegetação mediterrânica rasteira.
Um areal inesperado ligava o ilhéu mais próximo à vertente de que contemplávamos o cenário. As suas linhas caprichosas uniam distintas praias.
Uma, mais longa, ao longo do sopé de Platiskinos. Uma outra, arredondada, perpendicular a esta, já a meio da lagoa. E uma terceira, instalada contra a base do ilhéu.
Em todas elas, os banhistas dividiam o tempo entre conversas veraneantes e um arrefecimento custoso, num mar raso de leito bem alvo em que a água amornava ao ritmo a que o sol subia para o seu zénite.
Em certos trechos, a areia assumia uma enigmática dominante rosada gerada pela moagem natural de conchas por ali abundantes.
Balos: uma Lagoa Marinha Protegida mas Não o Suficiente
No exterior da lagoa, onde o mar se aprofunda e escurece ao tom do petróleo, do lado detrás, mais inacessível dos ilhéus, resiste uma fauna protegida pelo estatuto de reserva integrante do programa Natura 2000 e suas restrições.
Convivem, entre Balos e as ilhas de Gramvousa, tartarugas-careta, focas-monge, corvos-marinhos, falcões-da-rainha e painhos-de-cauda-quadrada.
Não obstante esta sua fauna diversificada, para o bem e para o mal, a notoriedade de Balos adveio das suas formas e, sobretudo, cores.
As gentes e, em especial, os guias de Chania e outras partes de Creta fazem questão de lembrar que, no seu tempo de casal funcional, o príncipe Carlos e a princesa Diana a frequentaram, a bordo dum iate real.
Afiançam ainda que Balos é a praia mais fotografada da Grécia.
Numa nação com mais de cinco mil ilhas e ilhéus, tantos deles repletos de litorais privilegiados e praias famosas, hesitamos em partilhar de tal certeza.
Caminhamos para a tarde. Aglomeram-se os pequenos barcos de excursões provenientes de Kissamos.
E a diminuí-los e às supostas regras Natura 2000, um navio de maior calado com música em altos berros que ancora além da lagoa e faz os passageiros desembarcarem para o areal na base do ilhéu central de Balos.
Com o calor a atingir o auge vespertino, o barco surgiu como o desmobilizador que nos faltava. Encetamos a ascensão de regresso ao cimo de Platiskinos e ao carro.
Regressamos a Chania.
Em redor da península de Akrotiri de que a cidade serve de pé, aguardavam-nos outras praias inverosímeis.
Stavros e as Praias do Norte de Akrotiri
Não chegamos a reentrar na capital do poente cretense. Em vez, subimos pelo lado oeste até a um quase cimo de Akrotiri e à povoação-retiro de Stavros.
Com menos de quinhentos habitantes permanentes, Stavros desenvolveu-se na iminência de uma enseada recortada e praia homónima, também ela aquém de um monte árido, um morro em forma de bossas de camelo, denominado Vardies.
O desenvolvimento de Stavros deve, todavia, ser relativizado.
O magnetismo e móbil deste arredor disputado assentou em dois atributos principais. A lagoa marinha tranquila e apelativa a leste do casario.
E os meros 15km de distância do domínio urbano de Chania, ainda menos do aeroporto internacional da cidade.
Quando lá damos entrada, percebemos que, em vez de se manter na sua torre de observação, o nadador-salvador convivia nos bares, esplanadas e outros negócios balneares em redor.
Ao nos fazermos ao mar encurralado da Golden Beach local, percebemos o quão difícil seria criticá-lo. Temos que andar muitas dezenas de metros para a água nos chegar à cintura. Com a maré a começar a encher, a única corrente que se esboçava, vinha do mar aberto para o interior arredondado da lagoa.
Mar e marés à parte, Stavros e a Golden Beach já tiveram os seus tempos inolvidáveis, de irradiação mundial da cultura cretense.
Stavros e a Golden Beach Eternizada em “Zorba o Grego”
Recuemos até 1964. A povoação pouco passava de um lugarejo piscatório. O realizador grego-cipriota Michel Cacoyannis achou-a encantadora. Escolheu-a para uma das cenas mais memoráveis do clássico do cinema helénico “Zorba o Grego”.
Aquela em que, precisamente contra o recorte do monte Vardies e ao som de bouzoukis, Anthony Quinn dança uma dança sirtaki coreografada à medida para o filme, a melodia, crescente e contagiante, da autoria do não menos famoso compositor grego Mikis Theodorakis.
A longa-metragem baseou-se no romance homónimo do escritor cretense Nikos Kazantzakis, de 1946.
Aquém de uma música e dança tradicional grega, a cena combinou distintos ritmos lentos e acelerados de um tipo de música tradicional helénica denominado hasapiko. O nome Sirtaki, esse, foi adaptado da dança comunal e tradicional syrtos, em que os dançarinos dão as mãos, em círculo.
Mas voltemos à beira-mar que acolheu Michel Cacoyannis e Anthony Quinn.
A hoje conhecida tanto por Golden como por Zorba Beach não é a única praia de Stavros. Cerca de duzentos metros acima, encontramos uma outra mais exposta ao mar, agitada a condizer.
Trata-se Pachia Ammos, traduzível por “de areia grossa”.
Separa-as um cimo de península com vestígios de uma pedreira usada durante a Era Veneziana de Chania (sec. XIII a XVII), quando os colonos originários da Península Itálica extraíram as centenas de toneladas de pedra calcária, em boa parte, ainda empilhadas a formar as muralhas de Chania.
Em Busca da Furtiva Seitan Limiani
Com o fim do dia, haveríamos de lá nos refugiarmos. Enquanto isso, tínhamos uma derradeira e, assim esperávamos, impressionante praia de Chania e de Akrotiri para desvendar.
Atravessamos a península arredondada de oeste a leste, a determinada altura, entre o Mosteiro Ortodoxo de Agia Triada e a área vedada do aeroporto.
Pelo caminho, cruzamos as aldeias de Chordaki e de Akropoli. Quando deixamos Akropoli para trás, o novo destino final já pouco distava.
Encontramo-lo no cimo de uma espécie de rasgo geológico triplo na costa oriental de Akrotiri, uma sequência de braços de mar cavados na vertente abrupta e rochosa da península. Passamos por nova pedreira. Descemos.
E ainda mais.
Apesar de tanto descermos, é lá em baixo, ainda distante, que avistamos o meandro, de um tom turquesa, tão intenso que mais parece retroiluminado, de Seitan Limania, contrastante com o solo ferroso e ocre no cimo da falésia.
À medida que descemos, apercebemo-nos o deleite em que alguns banhistas flutuam naquela piscina natural, como deuses de folga, a recuperarem das atribulações e complicações terrenas.
Uma vez mais, a praia confirma-se divinal. E, no entanto, popularizou-se como demoníaca.
A Génese Otomana do Baptismo Balnear
O termo grego “limani” traduz o convencional “porto” ou “abrigo”. Já “Seitan” tem uma génese turca, do tempo que os Otomanos mantinham estas paragens no seu vasto império.
Diz-se que assim o baptizaram porque, em especial durante o Inverno, o seu visual apelativo encobria uma corrente traiçoeira, que terá provocado vítimas, tragédias atribuídas a um diabo marinho.
O mais demoníaco de que nos apercebemos foi o sol ter caído para o poente de Akrotiri.
De ter levado consigo o brilho do azul-turquesa. E nos deixado numa sombra decadente da glória balnear com que o dia e o recanto noroeste de Creta nos haviam prendado.
No recanto sudoeste ainda havia a famosa Elafonisi. E tantas outra menos notórias.