Seguíamos no banco de trás. Ainda despertos e atentos aos cenários em redor, apesar da viagem longa desde as ruínas de Edzná e os confins trópico-selvagens da península de Iucatão.
Instalado no lugar do morto, Wilberth Alexandro Pech mantinha-se também alerta, entusiasmado por nos transmitir as peculiaridades dos lugares por que passávamos. “pois amigos, agora estamos a chegar a Champotón.
Pode parecer-vos difícil de acreditar mas, o mar do Golfo do México que aí vêem nem sempre está assim imóvel. Foi neste mesmo litoral que, em 1507, Francisco Hernández de Córdoba fez aqui, depois de Campeche, a segunda escala da incursão hispânica ao interior destas partes das Américas.
Os indígenas cocomes e tutul xiúes receberam-nos bem. Permitiram que se abastecessem de água e mantimentos e que prosseguissem à descoberta”.
Quando nada o parecia indicar e, chegados por terra, somos prendados com um acolhimento provavelmente ainda mais caloroso.
A tarde já ia a meio. A principal cidade do estado aproximava-se a olhos vistos. Mas um frenesim de beira-estrada desperta-nos a atenção e a curiosidade. “Ah, isto é uma das nossas feiras. Esta realiza-se em homenagem da Virgen de la Concépcion.” adianta-nos Wilberth. Acho que vai haver mais uma charreada. Ainda estamos com tempo.
Querem lá ir espreitar?” Não pensamos duas vezes. Uns bons anos antes tínhamos assistido a um rodeo incrível, em Perth, na Austrália. Estávamos curiosos para ver o que nos reservava Campeche. Saltamos do carro, atravessamos a via e reassumimos um sempre bem-vindo modo de exploração.
O Inesperado Rodeo Charro Mexicano de Champotón
Do lado de lá, um grupo de señoritas a cavalo avança ao longo de um muro que estabelece a fronteira da rua para o evento. Trajam vestidos fartos e coloridos de adelitas ou rancheiras. Preparam-se para regressar ao recinto e pouco se importam – muito pelo contrário – que as sigamos.
Damos com uma portão improvisado. Uma espécie de porteiro permite-lhes a passagem. Surpreso pela inesperada sequência, el charro de serviço pede a um colega que vá falar com alguém mais.
Quando o emissário trás a resposta, convida-nos a entrar e dá-nos as boas-vindas.
Depressa percebemos que tínhamos ingressado no partidero, a secção rectangular do lienzo charro (arena mexicana) em que a competição decorreria. Ali, dezenas de vaqueiros igualmente vestidos a rigor, confraternizam e ensaiam os passos e movimentos que estão prestes a exibir.
Um ou outro charros mais desinibidos abordam-nos com curtos diálogos de ocasião. Até que os congéneres os convocam para novos exercícios. Nesse momento, ficamos por conta própria, entre os muros brancos e os cavalos e cavaleiros ali encerrados.
A charreada está prestes começar.
Lugar à Competição das Suertes Charras do Rodeo Mexicano
Um vaqueiro mais velho com ar e postura de líder surge do nada e trata de nos acomodar de forma menos inconveniente. “Amigos, se querem fotografar isto o melhor sítio é a varanda lá à frente. Mas olhem que a escada se partiu. Tenham cuidado a subir.”
Passamos para o exterior e caminhamos ao longo do muro. Cruzamo-nos com vários outros participantes da charreada e com seus familiares e amigos. É então que começamos a sentir o espírito de comunidade de que se reveste o acontecimento.
Com a ajuda de duas madres expectantes, encontramos o tal ponto de acesso, menos problemático do que o organizador o havia feito.
Trepamos sem cerimónias e instalamo-nos no pequeno terraço de cimento já semi-ocupado por mais adelitas, por crianças e um anfitrião-apresentador-juiz do evento munido de uma prancha de notas e de um microfone.
“E aí esta Maz. Esse que vem para mais! Já está na porta. Carlos Maz, aí vem ele lá no fundo. Aí se aproxima Maz!”
Também de sombrero e uniforme charro, o apresentador, narra a acção das colas en el lienzo, uma das várias suertes charras em que são avaliados os concorrentes.
Um a um, estes, perseguem bezerros largados no início do partidero e tentam laçar-lhes as patas ou quartos traseiros de forma a imobiliza-los. O charro seguinte acerta apenas numa das patas e vê o vitelo fugir-lhe a espernear.
À parte desse erro, comete outras falhas técnicas. Num hispânico campechano cerrado, o juiz apresentador faz-lhe as contas sem cerimónias.
Do tagarelado amplificado, percebemos que tinha conseguido zero menos oito pontos e mais algumas desencorajadoras subtracções.
Prossegue o Rodeo Mexicano Debaixo de Sombreros de Campeche
A feira decorria havia alguns dias. O público escasseava nas bancadas. Ainda assim, os desfiles, as suertes charras e as escaramuzas (acrobacias femininas a cavalo) sucedem-se com as jovens competidoras a montarem à la mujeriegas – que é como dizer de lado – enquanto, sobre o terraço em que permanecemos, outras, admiram as exibições a decorrerem logo abaixo.
Bem junto a nós, uma adelita mais nova irrompe num pranto birrento e gera uma discussão que o pai resolve sem grande apelo.
Entretanto, a charreada chega ao fim. Descemos para o solo. Ao passarmos por uma carrinha pick-up, ouvimos de novo o choro que havia começado no terraço.
Momentos Preciosos de Convívio Após o Rodeo Mexicano de Campeche
Espreitamos pela janela e damos com a jovenzita que o pai colocara de castigo. Tentamos animá-la e acabamos por compreender finalmente as suas razões: “É que faz muito calor e eu já estava farta de usar a saia e aquela roupa toda. Queria pôr-me mais fresca mas o meu pai dizia que hoje era um dia especial e que tinha que aguentar.”
Conversa puxa conversa, lá conseguimos animá-la. Entre brincadeiras com o volante e muitas caretas, Aisse encanta-nos com a sua beleza mestiça e boa-disposição juvenil.
Lembramo-nos que temos Wilberth há muito à espera. Já nos dirigimos para a saída do lienzo charro nos chamam para uma mesa em que decorre um repasto improvisado. “ Sentem-se!” ordena o senhor que nos tinha dado concedido a entrada. “Já trabalharam muito. Agora descansem e comam!”
Servem-nos refrescos e mixiote (carne de borrego assada). Os convivas também satisfazem a sua curiosidade com inúmeras perguntas sobre de onde vimos e o que por ali fazemos.
Saboreamos a refeição e a agradável hospitalidade enquanto podemos. Até que o sol surge a rondar o horizonte e nos relembra que já estaríamos a abusar da paciência do guia e do motorista.
Despedimo-nos daquela gente de coração quente e subimos mais um pouco pelo litoral oeste da Península de Iucatão, apontados a Campeche.