A manhã compõe-se.
Como em tantas outras, forasteiros desembarcados de um cruzeiro cirandam, de banca em banca, a meterem o nariz nas especiarias que a ilha há muito produz.
Um casal pede a um vendedor para cheirar a melhor noz-moscada de Granada.
Dono dos seus mais de sessenta anos e paciente, o comerciante passa-lhes uma amostra prodigiosa.
Não só.
Dá-lhes também a testar anis, canela, gengibre e curcuma. O casal demora-se. Em vez de comprar, prossegue na sua demanda.
Quando abandona a banca, revela-se outra preocupação do vendedor, à parte do excesso de forasteiros que analisam as suas especiarias e que partem sem as comprar.
De visual com influências rastafarianas, adornado por um colar colorido pendurado abaixo de uma barba branca e de que pende uma grande semente castanha, o homem é apologista dos benefícios das substâncias naturais. “Let’s discuss the real issues. The legalisation of recreation cannabis…” propõe uma tarja.
A Market Square é apenas o portal para o mundo condimentado das especiarias de Granada.
Saint George e Granada: uma História Condimentada pelas Especiarias
Um sortido de cores, texturas e sabores de tal maneira sensorial e impressionante que os criadores de textos e chavões turísticos anglófonos lhe atribuíram trocadilhos merecidos: “the spice and easy island”, “at Grenada, just take it spice and easy”.
À imagem do nome da cidade e dos de alguns dos seus lugares, o título de Spice Island deveu-se ao rei George III da Grã- Bretanha.
No início do século XVIII, como nas Índias Ocidentais em redor, os colonos procuraram lucrar com plantações de cana-de-açúcar, cacau e algodão.
O conselheiro botânico de George III advertiu-o, todavia, que o clima e o solo de Granada eram especiais, ideais para a plantação de especiarias que, a muito esforço, os portugueses e seus concorrentes coloniais do Velho Mundo foram “descobrir” nos confins do Oriente.
Já quase a meio do século XIX, os britânicos “desviaram” sementes das ilhas holandesas de Banda e começaram a produzir especiarias em Granada.
Primeiro, noz-moscada e macis, logo, cravinho, gengibre, canela e outras, em quantidades cada vez maiores e mais lucrativas.
A determinada altura, Granada assegurava mais de 40% da noz-moscada consumida no Mundo.
Encontramo-la um pouco por toda a parte, na ilha. Em Saint George, até o piso que envolve uma roulote-bar em que almoçamos é feito de cascas de noz-moscada.
O golpe britânico no quase-monopólio holandês de então envolveu outra vantagem. Granada distava menos da Europa do que as Índias Ocidentais Holandesas em que a Holanda tentou replicar a produção oriental: São Martinho, Saba, Santo Eustáquio, Aruba, Curaçao.
Um Casario vasto e Pródigo, erguido com a Riqueza das Especiarias
As várias benesses juntas, assentes no trabalho de escravos sequestrados em África, fizeram de Granada uma das mais abastadas Pequenas Antilhas.
Como constatamos ao caminharmos acima e abaixo das inúmeras ladeiras, a riqueza da ilha concentra-se nas encostas, aqui e ali, ainda verdejantes da sua velha capital.
Da Market Square, seguimos o apelo de uma torre de igreja destacada. Na intersecção cimeira das ruas St. John e Church, damos com a Catedral da Imaculada Concepção, parte do duo religioso improvável que forma com a Catedral de Saint George a seus pés.
São ambas vizinhas da York House, antiga Casa do Parlamento, do século XIX até à passagem do ciclone Ivan pela ilha, em 2004.
Categoria 3, sobre Granada, Categoria 5 à chegada a Cuba, este furacão deixou o edifício nas ruínas que constatamos.
De tal maneira degradado, que exigiu a edificação de um novo parlamento.
São tantos os edifícios seculares de Saint George como os furacões que a atormentam.
As ruínas da cidade não se ficariam por aí.
Caminhamos até à entrada norte do túnel de Sendall, escavado em 1894, como atalho para a Wharf Rd e a entrada do porto interior de Saint George, mais conhecida como a sua Carenage.
Ascensão às Alturas Muralhadas do Fort George
Em vez de nele entrarmos, subimos uma escadaria enrolada.
À conquista de um outeiro peninsular destacado à entrada de ambos os portos da cidade, a sua principal estrutura militar, fortificada a condizer.
Como a capital e a catedral, também o forte serviu o propósito de homenagear o rei George III. Denomina-se, assim, Fort George.
No seu cimo, uma plataforma sustem uma bateria de canhões apontados à Baía de Saint George, a dois navios cruzeiros e ao maior veleiro do mundo, todos, por ali ancorados.
Do seu alto, também protegidos pelo quartel-general da Royal Grenada Police Force, apreciamos o casario branco e de tons pastel gasto pelo sol tropical, a ondular encostas acima.
Como viríamos a comprovar in loco, Saint George estende-se até junto das muralhas do bem mais distante e elevado Fort Frederick, conhecido pelo “forte virado para trás” em virtude de os colonos antecessores, os franceses, terem apontado os seus canhões para o interior da ilha.
Ainda não estávamos despachados do seu congénere litoral.
Aventuramo-nos pelos seus recantos mais improváveis, entre antenas de comunicações, estendais repletos de uniformes azuis-escuros e a torre do farol local, em óbvio risco de colapso.
Torre da Igreja de Saint Andrew e a Destruição causada pelo Furacão Ivan
O que nos leva de volta à relação das ruínas monumentais de Saint George com os furacões.
Serpenteamos do forte para o âmago da cidade, por parte da circular Grand Etang Rd.
Quase chegados à sua base, vemos, dela destacada, o que sobrava de uma torre com ameias e quatro bicos.
Até 2004, esta torre num equilíbrio precário, completava a, em tempos, hiperactiva Igreja Presbiteriana de St. Andrews.
Ivan, o ciclone terrível desse ano, derrubou-a quase na íntegra.
Túnel Sendall adentro, rumo à Carenage de Saint George
A deambulação leva-nos de volta à entrada do Túnel Sendall. Cruzamo-lo, a pé, até à Carenage.
E a um complexo de edifícios coloniais em que as autoridades de Granada instalaram o Ministério das Finanças e serviços dele dependentes.
Os únicos postos profissionais da ilha a requererem camisa e fato.
Pela Wharf Rd. fora, embarcamos numa caminhada em volta do Inner Port de Saint George e dos seus afazeres sobretudo náuticos, benzidos pelas mãos ao céu da estátua do Cristo do Abismo.
Por ali, marinheiros fazem embarcar e desembarcar carga, incluindo um pequeno rebanho reticente de cabras.
Uma embarcação de maior porte, fumega sem aparente sentido.
Trata-se do ferry Osprey que assegura a ligação a Carriacou, a maior ilha do arquipélago das Granadinas, a cerca de 65km para norte.
Com tanto ainda por explorar em Granada, deixamo-la para uma segunda incursão às Pequenas Antilhas.
A Azáfama apenas Indígena da Market Square
No caminho de regresso, metemo-nos numa ladeira diferente, a da Young Street a que o museu da House of Chocolate concedia um agradável aroma achocolatado.
O seguimento deixa-nos no cimo da Market Square, àquela hora vespertina, com os cruzeiros já zarpados ou de partida, entregue a um frenesim todo ele nativo.
Protagonizavam a azáfama das compras e vendas do dia granadinos afro-descendentes, negros, como constatávamos pelos seus trajes, nas decorações e nas fachadas garridas dos negócios, sérios adeptos da cor.
Em termos étnicos, Granada pouco difere das Pequenas Antilhas vizinhas.
Uma População com Origem Escrava Libertada pela Abolição da Escravatura
Num tempo prévio à abolição definitiva britânica da escravatura (1833), coabitavam a ilha famílias fazendeiras poderosas e outros súbditos de Sua Majestade relacionados.
Abaixo, em maior número, servia-os uma multidão escravizada.
A Abolição da Escravatura ditou a liberdade dos escravos, mas também, num ápice, a inviabilidade lucrativa das plantações que os senhores coloniais mantinham.
Boa parte dos grandes proprietários esclavagistas regressaram à metrópole.
Granada decretou a sua independência, em Saint George, apenas em 1974.
A Invasão Anti-Comunista de Granada pelos E.U.A.
Seguiu-se uma contenda político-militar intrincada.
Em 1983, os Estados Unidos lideraram uma aliança anti-comunista e anti-soviética com o fim de removerem do poder, Maurice Bishop, líder do golpe de estado esquerdista e de reporem o governo constitucional.
Durante dois anos, consolidou-o uma força de manutenção da paz.
Daí para cá, Granada foi governada pelos descendentes de escravos mais poderosos e abastados da nação, alguns, com posses e poder comparável ao dos antigos slave masters.
E um Raro pedido de Desculpas e Indemnização pela Escravatura
Há apenas alguns meses, Dickon Mitchel, o jovem primeiro-ministro de Granada, recebeu, em Saint George, Laura Trevelyan.
A correspondente da BBC em Nova Iorque viajou a Granada para pedir desculpas oficiais e pagar reparações pelo passado esclavagista dos seus ancestrais, proprietários de seis plantações de cana-de-açúcar e de mais de mil escravos.
Dickon Mitchel e Saint George agradeceram as 100 mil libras que a visitante ofereceu para estabelecerem um Fundo Comunitário de desenvolvimento económico da ilha.
Pelas nossas contas, insuficientes para a recuperação dos danos causados pelo furacão Ivan.