Vágar é, salvo a excepção de quem chega em cruzeiros, em veleiros e afins, a primeira ilha das 18 das Faroé que os forasteiros pisam.
Lá se situa o único aeroporto, desenvolvido de um aeródromo que os britânicos instalaram durante a segunda guerra mundial, num período de presença consensual dos aliados.
Em 1940, resultado da operação Weserübung, os alemães tinham invadido a Dinamarca e a Noruega. O controle dos mares e do céu do norte da Europa tornou-se crucial.
Avancemos dois anos. Os britânicos aterraram nesse aeródromo setentrional o seu avião estreante, o primeiro de vários que contribuíram para que, em 1945, o norte da Europa fosse libertado. Na sequência da capitulação das forças do Eixo, durante vinte anos, o aeroporto manteve-se inactivo.
Na década de 70, a intensificação da necessidade de viajar dos faroenses e do turismo no arquipélago, justificou a sua modernização e reactivação.
Éramos apenas dois dos cerca de 100 mil estrangeiros anuais com o privilégio de explorarmos uma das nações mais remotas e exuberantes da Europa. Aterramos em Vágar quase à meia-noite. Viajamos até à capital Torshavn e lá passamos a noite.
Dois dias depois, cruzamos da ilha de Streymoy, de volta à de Vágar. Por um túnel submarino, também ele o inaugural das Faroé, escavado, com quase 5km de extensão, sob o estreito de Vestmanna.
Tínhamos como destino SØrvagur, uma aldeia no sudoeste de Vágar situada no fundo em U do fiorde de SØrvágs e no enfiamento da pista do aeroporto. SØrvagur seria o ponto de partida para uma incursão de barco ao ponto mais ocidental absoluto do arquipélago das Faroé, a ilha de Mykines.
Encontramos SØrvagur disseminada pelas encostas suaves e, durante o curto Verão, ervadas, desse mesmo U. Abaixo do Lago SØrvagvatn, o maior das Faroé, notório, sobretudo, por o seu término sul parecer flutuar acima do oceano. Haveríamos de o explorar.

Povoação numa margem arredondada do fiorde Sorvags
Descemos até ao cais. Lá nos juntamos a uma comitiva de estrangeiros apostados em desbravar Mykines. Tínhamos chegado com alguma antecipação.
No tempo que faltava, apuramos factos do passado de SØrvagur que lhe granjeavam uma inesperada importância.
O Passado Viquingue de SØrvagur
Em 1957, durante escavações requeridas por uma escola, a equipa de construção deu com povoado viquingue milenar.
Revelou-se um de meros quatro em que os arqueólogos conseguiram provas inequívocas de terem sido fundados dentro do século e meio após o período de expansão (séculos IX e X) para a Islândia, mas não só, dos povos nórdicos da Escandinávia.
Essa expansão foi descrita numa obra incontornável da sua história, o “Landnámabók” ou “Livro da Colonização”.
É, assim, surpreendente o facto de nela não existir menção do lugar na origem de SØrvagur, como também não existe noutra obra fulcral, “A Saga dos Feroeses”, escrita no início do século XIII e que narra como, num período posterior, os habitantes locais se converteram ao Cristianismo.
Malgrado a ausência desses escritos, sabe-se que SØrvagur mudou de local por mais que uma vez, provavelmente para que os moradores pudessem beneficiar de meteorologias mais favoráveis.
Quase no fim do século XVI, surgiram, por fim, testemunhos escritos da coexistência de três pequenas propriedades rurais, dependentes de cultivos vulneráveis. Daí, até quase ao século XVIII uma família nobre norueguesa deteve toda a terra da zona.
Sabe-se que, pouco depois, um dinamarquês a adquiriu e a vendeu, em pequenos lotes, a moradores humildes. Ao fazê-lo, transformou essas terras de propriedades reais em privadas, como hoje se mantêm.

Casas pouco acima do mar do fiorde Sorvags
De cerca de 50 habitantes, nessa altura, a população aumentou, até às mais de mil almas que hoje lá se abrigam, boa parte, directamente ou indirectamente envolvidas no lucrativo turismo.
Partida Rumo à Ilha Mykines
Chega a hora do embarque. Subimos a bordo.
Percorremos todo o fiorde de SØrvags com navegação próxima do ilhéu dramático de Tindhólmur.

O ilhéu Tindhólmur, duma perspectiva que realça a suas forma afiada.
E, daí, até Mykines onde desembarcamos pelas duas da tarde e passamos quatro horas e meia à descoberta, já narrada num artigo dedicado.
Regressamos a SØrvagur sobre às 19h.
SØrvagur a Gásadalur, ao longo do Fiorde SØrvags
Em pleno Verão árctico, o ocaso era estimado para depois das 23h. Seguir-se-ia um período generoso de luz crepuscular. De acordo, regressamos ao carro, subimos de volta à estrada 45 que serpenteia pelo cimo do fiorde de SØrvags.
De pontos elevados na encosta, admiramos o casario disperso de SØrvagur, com o seu campo de futebol quase a entrar pelo areal adentro. Contados outros poucos quilómetros, o de BØur, bastante mais apertado num talvegue abrupto que o rio Stórá sulca, acelerado.
Pouco depois de BØur, ficamos a par com a entrada ampla do fiorde de SØrvags, como que vigiada, à distância pelos ilhéus de Tindhólmur e Gáshólmur por que tínhamos recentemente navegado.
Ovelhas felpudas, de cores dispares pastam entre a estrada e o mar gélido, num equilíbrio precário que, de tempos em tempos, redunda em tragédia.

Ovelhas no cimo do fiorde Sorvags, com o ilhéu Tindhólmur em fundo
Não tarda, nas imediações de uma enseada afundada e preenchida por grandes calhaus polidos, salpicada pelo caudal esvoaçante da queda d’água de Skardsá, a via 45 flecte para norte. Interna-se em Vágar.
A certo ponto, parece prestes a esbarrar numa vertente semi-camuflada pela cobertura verdejante do Estio faroense.
Diríamos que tínhamos alcançado o fim da estada. Ao invés, outro dos túneis engenhosos e providenciais que sulcam a terra e o mar das Faroés, dá-nos passagem.
O Gásadalstunnelin tem 1.4 km. Contados no âmago de rocha dos montes Knúkarnir que nos separavam de uma aldeia epónima: Gásadalur.
Escavado num modo de “apenas o necessário”, o túnel conta com uma única faixa. Permite fluxo num sentido de cada vez.
Assim que o semáforo nos dá passagem, avançamos. Até voltarmos a ver luz natural, já num ponto de declive contrário, de onde a estrada 45 volta a apontar ao limiar sul da ilha e ao oceano para, logo, reverter para norte.
Desviamos para uma via secundária. Essa, sim, destinada a uma orla vertiginosa, fortemente panorâmica de Vágar. Detemo-nos num parque de estacionamento perdido no meio do verde.
Descemos um trilho íngreme. Até nos vermos numa ladeira de asfalto.
Um rail protegia os forasteiros de um abismo inclemente.
O Cenário Remoto e Irrepreensível de Gásadalur, Múlafossur e monte Heinanova
Dali, desvelava-se a queda d’agua de Múlafossur, apesar de remota, a mais famosa das Ilhas Faroé, em virtude da paisagem contrastante e dramática de que se despenha para o mar.
O derradeiro caudal do rio cai 60 metros, contra um fundo rochoso e escuro que a erva circundante não alcança.
Logo acima, um lugarejo feito de umas poucas casas de distintos tons, submete-se à imponência lítica das montanhas de Heinanova e, à direita, à de Árnafjall, com 722 metros, a montanha suprema de Vágar.

Névoa em volta do pico do Monte Heinanova, acima de Gásadalur
Instalados na melhor posição possível, admiramos e fotografamos aquele cenário sem igual, atentos à passagem das nuvens e de névoa que, com a lenta deslocação do sol para oeste, geravam atmosferas mágicas.
Enquanto o fazemos, pensamos na peculiaridade extrema da povoação, assente em muita coragem e ainda mais determinação. A data da construção da primeira casa da aldeia tornou-se difusa.
Gásadalur: uma Vida de Isolamento e Provações
Sabe-se que os povoadores se começaram a juntar devido à qualidade agrícola do solo e à excelência das pastagens, não tanto pelo potencial da pesca que, por ali, sempre obrigou a mais trabalho que proveito.
O único ponto de embarque viável de Gásadalur fica situado demasiado acima do nível do mar.
Como tal, os seus homens sempre se viram obrigados a manter os barcos junto a BØur, a quase 6km. Só em 1940, durante a presença britânica na ilha foi construída uma escadaria que ligava a praia às alturas da povoação.
Como se não bastasse, tendo em conta que o túnel Gásadalstunnelin foi inaugurado para os pedestres em 2003 e, para as viaturas, em 2006, as gentes de Gásadalur passaram a maior parte das suas vidas entregues a si mesmas.

Casario de Gásadalur, uma aldeia cada vez menos habitada do oeste da ilha de Vágar
Até à abertura do túnel, sempre que queriam chegar a BØur, a SØrvagur ou a outras povoações, viam-se condenadas a caminhadas extenuantes acima e abaixo dos montes Knúkarnir e dos que se seguiam.
O túnel facilitou as suas vidas no povoado e levou até lá os forasteiros. Mesmo assim, Gásadalur continua em perigo de abandono. Em 2012, abrigava 18 moradores. Em 2020, já só eram 11. Os dois anos de pandemia dificilmente ajudaram.
E, no entanto, Múlafossur, Gásadalur e o cimo rochoso de HeinanØva formam um panorama que nos continuava a maravilhar, como o faz a quem quer que os contemple.
As autoridades faroenses celebram-no e promovem-no, em ilustração e fotografia, em pelo menos dois selos.
Quase às 22h, temos a sorte de o reverenciar, uma derradeira vez, mais memorável que nunca.

Névoa e sol lateral faz resplandecer a aldeia de Gásadalur
Uma névoa densa, rasteira, abraçava-se à base das falésias de HeinanØva, em jeito de cachecol meteorológico. A caminho do seu ocaso tardio, o sol fazia resplandecer a povoação e o ervado em redor.
Múlafossur precipitava-se para o Atlântico do Norte, como há milénios, indiferente aos moradores e visitantes da aldeola acima.
Como Ir
Voe de Lisboa para Vagar, ilhas Faroé, com a TAP: https://www.flytap.com/ e a Atlantic Airways https://www.atlanticairways.com/ via Paris ou Copenhaga, por a partir de 680€, ida-e-volta.