Sem dúvida alguma o aroma no ar.
Se nos perguntassem o que mais nos tinha surpreendido, à descoberta de Tequila, diríamos, em concordância, que o estranho cheiro adocicado que tantas vezes sentíamos.
Já tínhamos viajado vezes sem conta por domínios tropicais pejados de cana-de-açúcar, dotados de engenhos e unidades processadoras e que disseminavam a sua fragrância particular. Aquela era, todavia, outra. Aos poucos, entranhou-se-nos nas mentes.
Chegámos a Tequila extenuados de uma longa viagem, quase toda nocturna, com partida em Mexcaltitan, no norte do estado de Nayarit, vizinho do de Jalisco que continuávamos a explorar. Instalamo-nos numa casa alugada, a alguma distância do zócalo e do centro histórico.
Na manhã seguinte, tal como temíamos, começou por nos despertar o trânsito da rua empedrada em frente. Terminou o serviço, um coro gorgolejante de uma criação de perus logo ao lado.
Tequila também é isto. Mas tanto, tanto mais.
Em época alta, visitam-na e vivem-na milhares de forasteiros por dia, boa parte deles, gringos expatriados em Guadalajara, em Puerto Vallarta e redondezas.
Em qualquer noite, o seu nome é repetido vezes sem conta em redor da Terra.
A bebida, misturada e agitada em incontáveis Margaritas, Tequila Sunrises e Bloody Marias.
Não obstante, a cidade epónima preserva um recato, uma tradicionalidade e ruralidade que só lhe reforçam o encanto.
O termo “tequila” deriva da palavra nahuatl (dialecto azteca) “tecuilan”, traduzível como “lugar de tributos”.
Tequila: do Lugarejo Azteca à Fama Planetária
Com o passar dos séculos, a história indígena, colonial e mexicana transformou a cidade de Tequila no seu próprio tributo.
Uma homenagem jalisquense e mexicana ao engenho e à criatividade humana.
E, em jeito de recompensa, ao convívio e boa-disposição.
O zócalo de Tequila é, como quase todos no México, formado por uma igreja mandada erguer em pedra pelos colonos espanhóis, irmanada com uma praça com um coreto de ferro no centro.
O inevitável letreiro tridimensional e colorido identifica o pueblo e compõe o conjunto.
No caso de Tequila, o dito letreiro tornou-se de tal forma disputado que alguns jovens filhos da terra dele fizeram mister.
Promovem-se como fotógrafos experimentados e criativos e fotografam visitantes atrás de visitantes, de todos os ângulos e mais alguns, até mesmo deitados no chão ou quase a fazerem o pino.
Os pesos mexicanos com que as gentes de fora os recompensam estimulam-nos a perseverar.
Tequila e o seu Zócalo sempre Animado
Há algo mais no zócalo da cidade que o diferencia.
Ocupam-no dezenas de bares de rua, bancas e atrelados repletos de garrafas de tequila com rótulos notórios, dos mais clássicos e sérios da Tequila añeja – maturada e com qualidade superior – a outros, juvenis e na moda.
Estes bares servem as bebidas mexicanas predilectas, micheladas, botanas e afins.
Servem, sobretudo, cantaritos, pequenos potes de barro a transbordar de uma versão popularucha de cocktails, feitos de laranjada ou gasosa de toranja, sumo de lima e laranja, gelo e, claro está, tequila.
Como o veem os mexicanos, ir a Tequila e não beber um cantarito (melhor será dizer, vários) redunda numa heresia irreparável.
De acordo, na praça, nas calles em redor, cruzamo-nos com cantaritos sem conta, segurados, como dádivas, por almas ébrias, por mãos trémulas de felicidade convivial.
Amiúde, a bordo de veículos em forma de barricas em que guias credenciados lhes apresentam e explicam as peculiaridades e excentricidades do pueblo.
As Destiladoras que dão à Cidade Aroma de Agave
De tempos a tempos, volta a inebriar-lhes o olfacto o bálsamo de agave que envolve o casario multicolor, aqui e ali, embelezado por murais temáticos.
Da tequila, claro está.
Libertam o tal olor as chaminés das destiladoras seculares e conceituadas da cidade, a José Cuervo e a Sauza.
Estiveram ambas na génese da empreitada tequilera de Jalisco e do México.
São indissociáveis da fundação e notoriedade do povoado Tequila e da sua região demarcada.
Hoje, limitada ao estado de Jalisco e a umas poucas municipalidades dos de Guanajuato, Michoacán, Nayarit e Tamaulipas.
Ao longo da história, as duas famílias conviveram e enriqueceram do lucro da tequila.
As suas enormes fazendas e fábricas ainda se confrontam.
Separam-nas ruelas ou muros. As chaminés das suas destiladoras destacam-se acima do casario, como que a vigiarem a produção rival.
Incursões ao Mundo Cuervo e a Casa Sauza, as Produtoras Incontornáveis de Tequila
Visitar uma hacienda tequilera é outro dos rituais incontornáveis de Tequila. Temos a sorte de nos convidarem para périplos guiados tanto do Mundo Cuervo como no domínio vizinho e concorrente da Casa Sauza.
De ambos os lados da calle José Cuervo (promovida como a mais antiga da cidade) deslumbram-nos a colecção de calhambeques, a enorme sala de barricas e a fábrica La Rojena, (por sua vez, a mais antiga da América Latina)
E a enorme estátua do corvo negro, logo à entrada.
Ainda, a magnificência da hacienda complementar El Centenário, lugar do Museu de arte e cultura José Beckmann Gallardo.
Nesse intrincado e elegante Mundo Cuervo, prendam-nos também com uma prova aturada de tequila, em que aprendemos a destrinçar as variantes de sabor, cor e aroma entre as categorias de tequila, da mais à menos maturada: a Extra Añeja, a Añeja, a Reposada, a Joven u Oro e a Blanca, em qualquer caso, dependente da percentagem dos açucares do agave-azul empregues no fabrico.
Já nas mãos da Casa Sauza, temos o privilégio de acompanhar uma mostra de jima.
A Jima dos Agaves e a Opulência da Casa Sauza
Numa plantação de agaves-azuis nos arredores, espantamo-nos com a perícia de um jimador trajado e protegido a rigor que recorre a distintas ferramentas afiadas para colher e cortar a espinhosa (e perigosa) planta do agave-azul.
Fá-lo até que resta apenas o seu coração polpudo e açucarado que, depois de espremido, é deixado a fermentar e a destilar.
De regresso ao centro histórico de Tequila, mostram-nos os jardins e os edifícios seculares da Casa Sauza.
Incluindo o mural “Tahona y Fiesta” pintado, em 1969, por José Maria Servin e que dramatiza e surrealiza a longa e intrincada história da tequila.
Concedem-nos ainda uma passagem deslumbrante pelo interior da fábrica, com explicações meticulosas sobre os tratamentos dados em cada enorme depósito, consoante a desejada tequila final.
Trata-se de uma gestão complexa, se tivermos em conta que, com o tempo, a Casa Sauza se desdobrou em várias marcas e subnomes de produtos condizentes com a categoria da aguardente de agave-azul engarrafada.
A José Cuervo e a Casa Sauza até podem ser as produtoras mais antigas e renomeadas de Tequila.
Muitas mais ocuparam os solos ressequidos e vulcânicos em redor, cada qual com as suas próprias plantações de agave-azul.
Paisage Agavero de Tequila: Agaves a Perder de Vista
Nos derradeiros dias passados em Tequila, deixamo-nos perder na ruta del paisage agavero da região, de tal maneira pitoresca e única que a UNESCO a classificou e faz por proteger.
Deambulamos também pelas plantações José Cuervo, numa imensidão de filas pontiagudas estendida entre o Vulcão de Tequila e a estrada Federal 15D.
Quando nisso estamos, com o sol a assentar sobre o oceano Pacífico e a fazer reluzir os agaves-azuis, inquieta-nos o que teria gerado todo aquele excêntrico mar vegetal.
As Origens Nativas e Coloniais da Tequila
Sabe-se que os indígenas olmecas, astecas e de outras etnias e sub-etnias já fermentavam o agave para produzir pulque, uma bebida sagrada a que atribuíam o seu próprio deus, Patecatl.
Ora, consolidada a conquista do México, os espanhóis depressa angustiaram com a falta do vinho com que estavam habituados a regar as refeições, e com a da aguardente que bebiam, nas mais diversas ocasiões ou até sem ocasiões, por toda a Ibéria.
Ainda tentaram substituí-los com o pulque. Só que, ao contrário dos indígenas, os espanhóis desprezavam a bebida divina.
Avessos à desistência, os invasores resolveram fazer as suas próprias experimentações de fermentação e, mais tarde, de destilação do agave.
Começaram por improvisar, com a mistura de argila com a polpa dos agaves.
Esse processo que veio a dar origem ao não menos famoso Mezcal.
A determinada altura, aperceberam-se de que o agave-azul, em particular, lhes garantia uma aguardente, mesmo se destilada de uma espécie de cacto, tão boa ou melhor que as consumidas por em Espanha.
A Tequila que é um Mezcal mas o Mezal que não pode ser Tequila
A diferença entre o Mezcal e a Tequila tem imenso que se lhe diga.
Assenta, no entanto, em duas premissas:
- a tequila é considerada um Mezcal.
- o oposto não se aplica. O Mezcal pode ser obtido de diversos agaves. Caso a matéria-prima seja apenas o agave-azul, nesse caso, estaremos a provar uma tequila, já não um Mezcal.
No início do século XVII, o Marquês de Altamira, um colono abastado, resolveu erguer uma destilaria de aguardentes de grande escala, pioneira no México.
Ao fazê-lo nas terras actuais de Tequila semeou, assim, a produção e a tradição local.
E abriu portas a sucessivas outras iniciativas que a rota comercial entre Manila (Filipinas) e o México, aberta pela Coroa Espanhola, no século anterior, quase sempre garantiu lucrativas.
Hoje, as famílias Cuervo e Sauza, que lançaram as suas próprias produções, respectivamente em 1758 e 1873, são consideradas as anciãs ainda activas da mundialmente consumida e celebrada tequila.
ONDE FICAR EM TEQUILA
Hotel Posada Tierra Mágica
Tel.: +52 374 742 1414
Hotel Nueve Agaves
Tel: +52 374 688 03 96