Morador de Goiás Velho repousa num banco em frente à casa-museu de Cora Coralina.
Morador de Goiás Velho repousa num banco em frente à casa-museu de Cora Coralina.
Rua Dom Cândido, a via histórica de Goiás que conduz a casa em que viveu Cora Coralina.
Quarto de Cora Coralina com vários dos seus vestidos e artefactos religiosos.
Fotografia antiga de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas.
Uma fotografia de Cora Coralina já idosa, sentada na sua cadeira da casa de Goiás Velho.
Cora Coralina aprendeu a dactilografar aos 70 anos.
Fotografia de Cora Coralina visitada pelo escritor baiano Jorge Amado.
Manuscrito de Cora Coralina exibido na casa-museu de Goiás Velho.
Os grandes tachos e panelas usados por Cora Coralina para a confecção de doces que a sustentou durante algum tempo em Goiás Velho.
Parede decorada da casa de Goiás Velho de Cora Coralina.
Transeunte desde uma das várias rua de todas as cores que atravessam Goiás Velho.
Palmeiras buriti criam silhuetas contra o sol que se põe a oeste da velha Goiás.
Crianças praticam capoeira à luz de um dos lampões antigos de Goiás Velho.
Morador de Goiás Velho repousa num banco em frente à casa-museu de Cora Coralina.
Goiás Velho, Brasil
Nascida em Goiás, Ana Lins Bretas passou a maior parte da vida longe da família castradora e da cidade. Regressada às origens, continuou a retratar a mentalidade preconceituosa do interior brasileiro
Marco C. Pereira
(texto)
e
Marco C. Pereira-Sara Wong
(fotos)
Deixamos para trás um ensaio de dança regional goiana e descemos o calçadão irregular em direcção à Praça do Rosário. Um varredor empoeirado, algo fantasmagórico, caminha com uma vassoura de palha ao ombro indeciso sobre onde mais varrer e acossado pela passagem demasiado frequente dos fuscas coloridos que parecem patrulhar a velha cidade colonial.
Damos com montras improvisadas em janelas do casario. Entramos num dos estabelecimentos para espreitar a mercadoria. A empregada rechonchuda abandona a moldura em que apreciava a acção na rua, dá-nos umas boas-vindas efusivas e guia-nos ao longo da profusão de fruta cristalizada, adocicada e em bagaço, entre empadões dourados e outras especialidades provindas do cerrado circundante, confeccionadas com dedicação nos fogões decanos dela e de várias amigas.
Durante muitos anos, Aninha da Ponte da Lapa - como era conhecida Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas – destacou-se do lote destas confeiteiras virtuosas.
Aos 67 anos, viúva e com quatro filhos do casal, retornou à casa da sua família de solteira, uma das mais antigas de Goiás, assente na margem do rio Vermelho desde o século XVIII. Voltou a suscitar intrigas e cochichos mas passou a ser apreciada pelas mentes mais abertas da cidade também pela excelência dos doces que confeccionava e vendia.
Damos com o seu domicílio verde-branco encantador no fim da rua Dom Cândido, na iminência da ponte de madeira que cruza o caudal abaixo. Examinamos a inscrição sobre uma placa de acrílico que cita a antiga moradora “... Gente que passa indiferente, olha de longe, na dobra das esquinas, as traves que despencam. Que vale para eles o sobrado? ... ”
Sentimos a observação bater ao lado mas, intrigados, entramos na agora casa-museu com o propósito de melhor conhecermos a sua eterna dona.
Passado o espaço da recepção, o interior parece manter-se tal qual o deixou Ana da Ponte. Um retrato em postura de leitura colocado atrás de uma cadeira que suporta uma muleta sugere inclusive a sua presença na sala simples, a tender para o espartano.
Se na cozinha, enormes panelas de cobre dispostos de forma organizada comprovam o tempo dedicado à culinária, já no quarto exíguo decorado apenas com vestidos leves e simples, uma máquina de escrever (aprendeu a dactilografar aos 70 anos) e vários manuscritos comprovam a sua paixão quase religiosa pela leitura, pela criação de prosa e poesia.
Apesar da curta escolaridade – frequentou apenas quatro anos, todos com a Mestra-escola Silvina Xavier de Brito - Ana Lins começou a escrever os primeiros textos com 14 anos. Pouco depois assumiu o pseudónimo que manteve até ao fim da vida: Cora Coralina.
Publicava os seus escritos nos jornais e revistas da Villa Boa de Goyaz e de outras cidades deste estado e também do Rio de Janeiro. Em 1907, ela e três amigas dirigiam já “A Rosa” um jornal literário que contava regularmente com trabalhos seus.
Por essa altura, Ana Lins passou a frequentar as tertúlias do “Clube Literário Goiano” com sede num dos salões do sobrado de Dona Virgínia da Luz Vieira. O lugar haveria de lhe inspirar o poema “Velho Sobrado”.
Descendente de uma família com tradição, a jovem escritora empregava a sua expressão fácil e impulsiva para defender as classes desfavorecidas da sociedade em que crescera. Tanto com a sua prosa como em poesia, defendeu o valor das lavadeiras, mulheres da rua, entre outros.
Em “Becos de Goiás” denuncia a atitude repressiva da polícia e dos homens da cidade face às prostitutas e chegou a acusar directamente responsáveis da cidade pelo abuso desmedido do seu poder. Em “Coisas de Goiás” considera e promove Maria Grampinho a símbolo das mulheres classificadas entre as “pessoas de bem” como doidas.
Ana Lins – ou, podemos usar também o seu pseudónimo - Cora Coralina - preocupava-se e, de certa maneira, identificava-se com a marginalidade daquelas personagens. À frente do tempo em que vivia, sempre se sentiu mal-amada pela mãe e pelas irmãs. Não tardaria a ser ostracizada por parte da sociedade vilaboense e a sentir na pele o desconforto da sua opressão.
Tudo se precipitou quando tinha 20 anos e se envolveu com o advogado Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, um homem previamente casado, com filhos em São Paulo, o novo Chefe de Polícia de Goiás.
Após vários encontros nas tertúlias literárias e outros, mais íntimos, Ana Lins engravidou. A sua mãe tentou impedir o romance e proibiu-a de se encontrar com Cantídio. Inconformada como sempre, Ana Lins pediu a ajuda de Maria Grampinho que facilitou a fuga do casal para o estado de São Paulo. Viveram nos municípios de Avaré e Jabotical durante 45 anos. Nesse período, tiveram seis filhos. Dois deles morreram pouco depois do nascimento.
Pouco depois de se mudar para São Paulo o casal foi apanhado pela revolução paulista e viu-se obrigado a passar algumas semanas fechado num hotel.
A determinação de participar nos destinos políticos estavam nos genes de Ana Lins. Oito anos mais tarde, alistou-se como enfermeira, a forma mais honesta e prática que encontrou de participar na Revolução Constitucionalista de 1932, despoletada durante a primeira presidência de Getúlio Vargas.
Dois anos depois, o seu marido Cantídio Vargas faleceu. Ana Lins teve que recorrer a uma série de iniciativas comerciais para sobreviver: vendeu livros de porta em porta, abriu uma pensão e uma casa de retalhos. Como conta a neta Ana Maria Tahan “Já em Andradina, inaugurou a Casa Borboleta que vendia um pouco de tudo para mulheres. “ Por essa altura, subia em palanques para apelar ao foto na UDN (União Democrática Nacional), um movimento político com origem e alma académica.
Em 1956, com os filhos criados, decidiu regressar a Goiás, também porque precisava de recuperar a posse legal da casa da ponte, de que um sobrinho estaria prestes a apoderar-se por usucapião.
Quando o conseguiu, habitou-a com a companhia de “Seu” Vicente” um nordestino analfabeto mas dócil, dedicado e faz-tudo que, assim narra também a neta, “se embebedava até com guaraná”.
Foi só quando se aproximava dos noventa anos que o Brasil a descobriu como a escritora desafiadora dos preconceitos da vida do interior que encantou Carlos Drummond de Andrade e Jorge Amado.
No interior da casa da ponte encontramos a imagem do escritor baiano de visita a Cora Coralina. E a citação de uma das cartas que Drummond de Andrade lhe havia enviado: “(...) Admiro e amo você como alguém que vive em estado de graça com a poesia. Seu livro [Poemas dos Becos de Goiás e outras histórias mais] é um encanto, seu lirismo tem a força e a delicadeza das coisas naturais (..).
Cora Coralina faleceu em 1985. Em pouco tempo, a autora e a sua casa tornaram-se fortes referências culturais goianas e brasileiras. Para a visitar, cruzam a ponte da Lapa incontáveis excursões de estudantes irrequietos e visitantes individuais. Alguns vêm de tão longe como São Paulo, o Rio de Janeiro ou, como nós, do outro lado do Atlântico.
A Terra não pára.
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Como ir:
VISTOS E OUTROS PROCEDIMENTOS
Os cidadãos portugueses não necessitam de visto para visitas turísticas e obtêm autorização de permanência para 90 dias.
CUIDADOS DE SAÚDE
É necessária prevenção da malária se planeia visitar a região da Amazónia, em especial Acre, Amape, Amazonas, Oeste do Maranhao, norte do Mato Grosso, Pára, Rondonia, Roraima and Tocantis. Também deve estar vacinado contra a febre amarela se pensa entrar de um dos países vizinhos identificados como problemáticos, caso da Bolívia.
Saiba que principalmente durante e após a época das chuvas, várias zonas do Brasil, incluindo o Rio de Janeiro são assoladas por epidemias de Dengue.
Especialmente se alguns dos lugares da Amazónia acima indicados estão nos seus planos, antes de partir para o Brasil, deve contactar a Clínica de Medicina Tropical e do Viajante, Av. da Liberdade, 129, 7.º Dto, tel. 21 322 5622.
Para mais informações sobre saúde em viagem, consulte o Portal da Saúde do Ministério da Saúde e Clínica de Medicina Tropical e do Viajante. Em FitForTravel encontra conselhos de saúde e prevenção de doenças específicas de cada país (em língua inglesa).
VIAGEM PARA O BRASIL
A TAP (tel.: 707 205 700) opera voos directos e privilegiados de Lisboa para várias cidades brasileiras: Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Natal, Fortaleza, Brasília, Belém e Manaus.
Explorar o destino:
VOOS INTERNOS
Várias companhias aéreas operam voos que ligam as maiores cidades brasileiras: TAM, Gol, Azul. A concorrência fez com que os preços das ligações mais populares descessem consideravelmente. Como exemplos, um voo só de ida entre São Paulo e o Rio de Janeiro pode custar menos de 40€. Já entre o Rio de Janeiro e Brasília, o preço pode ficar-se pelos 50€.
ALUGUER DE VIATURA
É possível alugar carro nos aeroportos e outros balcões de rent-a-car das principais cidades brasileiras. Lembre-se, no entanto, que as estradas brasileiras podem ser seriamente perigosas, por falta de qualidade das infraestruturas mas acima de tudo graças ao comportamento inconsciente dos condutores. Além disso, algumas zonas do país mantêm estradas em condições terceiro mundistas como é o caso do interior sertanejo. E que deve manter todas as janelas fechadas e portas trancadas quando conduzir nas grandes cidades.
Estime a partir dos 25€ por dia para aluguer de um carro económico. A gasolina custa em redor de 1€ por litro. O gasóleo cerca de 0,70€ e o álcool 0,80€.
AUTOCARRO
O Brasil é percorrido por uma enorme frota de autocarros de longo curso que só aumentou à medida que os já escassos comboios foram sendo desactivados. Poderá encontrar autocarros para virtualmente todos os destinos do país excepto aqueles perdidos na imensidão da selva Amazona e outros similares.
BARCO
Toda a região da Amazónia continua a depender do serviço dos barcos que sulcam o rio Amazonas afluentes e efluentes. Por norma, as viagens podem ser feitas no convés com lugar para estender uma rede (preço mais baixo) ou numa cabine partilhada (mais dispendiosas). O barco também é a única forma de chegar a várias das ilhas ao largo do litoral Atlântico e de explorar partes do Pantanal.
OUTROS
Por todos os avisos feitos em relação ao aluguer de carros, desaconselhamos o mais possível o uso de motos ou bicicletas para viajar pelo Brasil. Não se aplica obviamente à mera descoberta de povoações tranquilas do interior e situações similares.
Meteorologia / Quando Ir:
Devido à sua vasta dimensão, o Brasil tem várias épocas aconselhadas para visitar, dependendo das regiões que têm em mente. Sul: evite Junho a fim de Agosto, o pico do Inverno das regiões de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul quando poderá apanhar temperaturas bem distintas - leia-se baixas - das que normalmente se associa ao Brasil, facilmente mínimas de 4º, 5º e 6ºC. A época alta para estas regiões é o Verão, de Dezembro a Fevereiro que coincidem com as férias escolares, em que grande parte dos brasileiros fazem férias e assim inflacionam os preços de quase tudo nos seus refúgios preferidos. Zona do Rio de Janeiro: é muito quente e húmida (máximas acima dos 30ºC) durante todo o Verão quando chuvadas fulminantes costumam refrescar o ambiente ao fim da tarde ou noite. No Inverno, o Rio tem temperaturas médias na ordem dos 20ºC mas a região pode ser assolada por frentes frias que trazem períodos longos de chuva. Nordeste: durante o Verão, a região é ainda mais quente que o Rio, mas menos húmida. Tem temperaturas bem mais suaves e é pouco chuvosa de Setembro a Fevereiro. Planalto Central e Minas Gerais: esta região continental é quase sempre um pouco mais fresca que a costa. O clima do Planalto Central é ditado por duas épocas bem marcadas, uma seca e outra das chuvas. Visite, de preferência, de Maio a Setembro, o Inverno e época seca da região, quando raramente chove, o céu se mantém azul e o ar é límpido. Sertão (Pernambuco, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Piaui, Ceará, Norte de Minas Gerais: em toda a região sertaneja, chove em abundância de Dezembro a Abril. Depois, por norma, instala-se uma longa seca que pode ser drástica. Bacia do Amazonas: esta região recebe a maior parte da chuva do Brasil. Belém é uma das cidades mais chuvosas do mundo. A Amazona não é propriamente muito quente - médias de 27ºC - mas, para compensar, é muito húmida. De Janeiro a Março cai a maior parte da chuva. De Junho a Setembro o calor e a chuva diminuem substancialmente. Rondónia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: As temperaturas são elevadas de Outubro a Março, nestes meses chove muito. De Maio a Setembro as temperaturas são mais amenas e a chuva torna-se mais rara.
Dinheiro & Custos:
A moeda brasileira é o Real (BRL). Existem caixas ATM das principais cidades e até vilas do país. Grande parte dos estabelecimentos mais sofisticados permite pagamentos com cartões de crédito e débito. A apreciação do valor do Real face ao Euro e o recente embalo da economia brasileira, alimentado pelas sucessivas descobertas de petróleo fez com que os preços dos produtos tenham aumentado substancialmente também para os visitantes europeus.
ALOJAMENTO
Os preços variam dos 10€ ou 15€ por noite em quarto duplo de pousadas e hotéis convencionais fora das grandes cidades até às muitas centenas de euros nos hotéis requintados de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília e os resorts de luxo em redor destas cidades e das estâncias balneares mais populares do país.
ALIMENTAÇÃO
Pode contar com diferenças abismais entre o custo da alimentação num bairro sofisticado de São Paulo e uma povoação perdida no meio do Sertão. Conte com a partir de 4€ ou 5€ para uma refeição completa tradicional no interior do Brasil, até um mínimo de 30€ num restaurante mais requintado de São Paulo ou do Rio de Janeiro.
INTERNET
Só por muito azar não teria internet disponível na pousada ou hotel que escolher. Caso aconteça, vai com certeza encontrar nas imediações várias casas de internet com boa velocidade e preços que se ficam por um máximo de 2€ por hora de navegação.