O sol mal saiu detrás das colinas a oriente mas a Cidade de los Adelantados apresta-se a recuperar o dia-a-dia atarefado, nos devidos momentos, prazeroso que constatámos e voltámos a constatar.
Este cognome advém de, no seu dealbar, a povoação ter sido fundada e regida por um tal de Adelantado Alonso Fernández de Lugo, o conquistador andaluz das ilhas de Tenerife e de La Palma que as entregou à Coroa de Castela-Aragão, já livres da ameaça dos nativos guanches.
De Lugo recebeu o título de Adelantado. Ficou para a história sobretudo pela crueldade e obsessão com que impôs a sua liderança enquanto governador e chefe de justiça de ambas as ilhas.
E por como fez funcionar e desenvolver San Cristóbal de La Laguna, à data e por algum tempo, capital do arquipélago das Canárias, a cidade em que se encontra o seu túmulo.
Em sua homenagem, na hoje tratada apenas por La Laguna, pelo menos, uma rua e uma praça por que cirandamos têm o nome de Del Adelantado.
Passou mais de meio milénio. Boa parte do âmago de La Laguna é pedestre.
Preserva a grandiosidade e elegância de pastel de várias outras povoações das Canárias, financiadas com os proveitos que as oito ilhas entretanto garantiram à Coroa e aos seus senhores coloniais.
De tal maneira que La Laguna é, em simultâneo, a Capital Cultural das Canárias e, desde 1999, Património Universal UNESCO.
De San Cristobal de La Laguna para Oriente da Ilha
Encontramo-nos com o guia que nos fora designado para Tenerife, Juan Miguel Delporte, no átrio do La Laguna Grande Hotel.
Este estabelecimento resultou de um aproveitamento quase-perfeito da casa original (1755) de D. Fernando de La Guerra, lar em que, mesmo receosos da Inquisição, se reuniam os chamados “Los Caballeritos”, tertulianos que ansiavam por que Tenerife fosse governada segundo os preceitos proscritos pelo Santo Ofício de Rousseau, de Voltaire e de outros iluminados.
Juan Miguel oferece-se para nos conduzir. Nessa mesma manhã, deixamos La Laguna apontados ao Parque Rural e bosque de Anaga.
Nas imediações de Jardina e de Mercedes, um vale amplo dá lugar a uma encosta florestada. Ascendemos a ziguezaguear, devagar devagarinho, atrás de ciclistas que por ali treinam.
Detemo-nos. No Mirador de Jardina, apreciamos o cenário no sentido inverso, espraiado e difuso nalguma névoa que envolvia até o El Teide, o grande vulcão de Tenerife, das Canárias e de Espanha.
Já distante, assente numa vertente suave e sobre o que nos parece ser um grande prado, dá mais sentido ao miradouro a aldeia de Jardina, feita de um aglomerado multicolor de casas de tons quentes, com algum branco e azul a quebrar a monotonia.
O Litoral Rude e Abrupto do Nordeste de Tenerife
Dessa espécie de prado, o leste de Tenerife evolui para uma floresta de encosta, íngreme, irrigada pela nebulosidade que os Alísios empurram ilha adentro.
A toda a volta, vemos o limiar leste de Tenerife entregue ao Maciço de Anaga, recortado por uma cordilheira de cumes aguçados, alguns, acima dos 1000 metros (Chinobre, Anambro, Roques de Anaga e outros).
Onde a vegetação se agarra com raízes eficientes, prolifera o bosque do Parque Rural de Anaga, Reserva da Biosfera, floresta de vertente, resiliente, repleta de mistérios e de espécies endémicas, um dos lugares da Europa com mais endemismo, há que sublinhá-lo.
Ao mesmo tempo, lar caprichoso e exigente de 2.500 almas, habitantes de quase trinta pequenos pueblos, com os seus redutos agrícolas e pecuários.
Avançamos pela sua crista verdejante, com a névoa a entrar de norte, logo, retida pelos picos destacados a sul. Por altura de El Bailadero, inauguramos uma descida abrupta e sinuosa até à beira-mar escarpada da ilha.
Pelo caminho, detemo-nos nos miradouros de León de Taganana e “Risco de Amogoje”. De lá apreciamos os picos e recortes dramáticos em que se alojaram os casarios de Azanos, de Bajo El Roque e, claro está, de Taganana.
Cruzamos Taganana. A continuação da carretera Almaciga deixa-nos primeiro de frente para o Atlântico, logo, a progredirmos paralelos ao oceano, no sopé de escarpas ressequidas pelo longo Verão, de que sobressai o emblemático Roque de las Animas.
Sob uma meteorologia ventosa mas amornada por nova onda de cacima (tempo vindo do deserto do Sara), mais que animada, a vida seguia deleitosa por estas paragens de Tenerife.
Chegados à Playa del Roque de Las Bodegas, damos com a marginal da enseada repleta de banhistas, surfistas e convivas às mesas dos bares e restaurantes que matam a fome e a sede à multidão em evasão.
Playa del Roque à Deslumbrante Benijo
Soam tons de viola e jambé, abafados por outros bem mais electrónicos do reggaeton que se alastrou pelo mundo como um maremoto portoriquenho avassalador.
Com a maré a subir, as vagas embatem na base do paredão da marginal com estrondo. Ao voltarem para trás, colidem com as seguintes.
Formam estranhos vectores aquáticos, frentes temporárias de espuma marinha que contrastam com a negrura vulcânica da areia, e que vemos estenderem-se até aos rochedos de Roque de Las Bodegas que emprestam o nome à praia.
Surfistas e bodyboarders atiram-se ao mar bravio como se o de amanhã não estivesse igual. Logo ao lado, uma banhista solitária bronzeia-se, deitada, num retalho de areia-cinza exíguo perdido num mar de calhaus.
Com a manhã já bem mais longa do que contávamos, sentamo-nos no restaurante Playa Casa Africa determinados a repor energias. O peixe-grelhado vem com papas arrugadas e uma salada mista enriquecida com fruta. Provamos ainda o café barraquito (ou zaperoco) típico de Tenerife, potenciado com Tia Maria, Licor 43 ou afim, e limão.
De seguida, espreitamos a praia Benijo, lugar incontornável da adolescência de Juan Miguel, perceberíamos, mais tarde, o porquê. Por essa altura, a maré-cheia retirava-lhe boa parte do areal e do encanto. De acordo, voltamos noutro dia, sobre o pôr-do-sol.
O areal negro revelava-se enorme. Dele se projectavam penhascos aguçados batidos por grandes ondas.
Quando o sol se pôs a ocidente, estes penhascos geraram silhuetas avassaladoras que competiam com as dos picos afiados à distância.
Originaram jogos de luz derradeira e de sombra que inspiraram incontáveis fotos, selfies, intercaladas por tropelias e mergulhos.
Las Teresitas: o Recreio Balnear da Capital Santa Cruz
Mas regressemos à tarde que antecedeu este tal crepúsculo mágico. Após nova maratona de curvas e contracurvas, regressamos a El Bailadero. Daí, descemos toda a vertente oposta à que tínhamos explorado, rumo ao litoral sul de Tenerife.
Confrontamo-nos com o mar suave desse lado, no Mirador Gaviotas, bem acima da Playa de Las Teresitas, uma enseada aberta de areia dourada importada do Sara, com mar esmeralda, suavizado por um grande molhe e por um recife artificial perfeito para qualquer tipo de natação.
Por si só, o recreio balnear de Las Teresitas dá mais sentido à vida em Santa Cruz de Tenerife e pueblos veciños.
A praia não se fica por aí.
Encerra-a, a sudoeste, o povoado de San Andrés, um dos mais excêntricos da ilha, com o seu casario branco e de cores sortidas, amontoado quase até ao cume de um monte castanho-escuro de Anaga, salpicado por arbustos verdejantes.
San Andrés vai mais além.
À margem das suas gentes e lares contemporâneos, encontrou-se numa gruta nas imediações uma múmia de um indígena guanche, não necessariamente real, apesar de fontes recentes terem apurado que o rei dos Guanches da altura da conquista espanhola habitava o Vale de San Andrés.
Contornamos o monte em que se encosta a povoação. Do lado de lá, por alguns quilómetros, o sul de Tenerife torna-se portuário e algo industrial.
De Entrada em Santa Cruz, a Capital na Extensão de La Laguna
Até que entramos na capital Santa Cruz e nos sentimos pela primeira vez num domínio urbano e moderno da ilha. Falta a Santa Cruz o encanto e a profundidade histórica de La Laguna. Para compensar, Santa Cruz vive sobre o oceano e a sua beira-mar é coroada por dois monumentos obrigatórios das Canárias.
O Castillo Negro de San Juan, da primeira metade do século XVII. E, ao alcance, o auditório em forma ou de vaga ou de vela, da autoria de Santiago Calatrava, o edifício cívico mais moderno da cidade, erguido entre 1997 e 2003, considerado, aliás, o símbolo principal de Santa Cruz de Tenerife.
Circundamo-lo, até ficarmos entre o castillo e o mar. Sem que o esperássemos, damos connosco num recanto balnear e alternativo da cidade. Uma placa determina que é proibido mergulhar. Não obstante, um grupo de jovens entregam-se a saltos sem fim a partir do molhe.
Mais próximas, duas mulheres, cinquentonas ou até sessentonas, bronzeiam-se em modo topless, na companhia de chihuahuas e pequenos rafeiros irritadiços e estridentes que nos infernizam o passeio.
Um aroma a erva, da espécie marijuana, paira e adoça a inusitada marginal. Também o sol começava a relaxar.
Ao regressarmos ao ponto de partida, encontramos La Laguna em peso na rua, a usufruir do modo terraza (esplanada) que há muito rege a cidade a partir das cinco da tarde.
Sentamo-nos numa delas. Celebramos o dia canário que tínhamos feito por merecer.
A BINTER www.bintercanarias.com ; (+351) 291 290 129 VOA DE LISBOA E DO FUNCHAL PARA TENERIFE, NAS CANÁRIAS, ÀS QUINTAS E DOMINGOS.