A meio da Primavera, nem todos os dias têm a meteorologia perfeita.
O vento sopra um pouco mais forte, a espaços, desviado de oeste, pelo que a Serra do Risco acima nem sempre o barra da fortaleza mandada erguer por D. João IV.
Concluído em 1648, o forte provou-se fulcral no movimento da Restauração da Independência.
Já no reinado seguinte, serviu de balneário aos vários filhos bastardos de D. João V, conhecidos como Meninos de Palhavã, até que lhe foi restituída a merecida dignidade, nomeado sede do Governo das Armas da Região que liderava as defesas mais próximas.
Junto de uma das guaridas que se destacam da estrutura, percebemos a actual função vital da Fortaleza de Santiago.
Hoje, mal-habituada ao aconchego estival da enseada, a comunidade internacional de banhistas ajusta-se a ela como pode, em fuga do desconforto intermitente.
Sol, Praia e o Melhor Peixe do Mundo
No dia seguinte, a bonança retorna à vila e uma multidão ansiosa salpica o areal desafogado.
A água tinha amornado um pouco. A garantia do sol quente no regresso às toalhas provava-se suficiente para incentivar banhos revigorantes, em tons de verde-esmeralda.
Uma hora depois, também os restaurantes logo acima do Ouro e da Califórnia ficam à pinha. Muitos dos visitantes de Sesimbra chegam pela beleza e pelo privilégio das suas praias.
Outros, pela simplicidade e excelência da gastronomia do mar, pelos grelhados de tudo um pouco, peixe foi coisa que nunca faltou, ao largo, com qualidade tal que Sesimbra o proclama, sem cerimónias ,“o melhor do Mundo”, tal como proferido por vários chefs de cozinha portugueses incontornáveis.
Mesmo se a frota pesqueira da vila diminuiu com os tempos, a que subsiste, continua a abastecer os restaurantes e a deliciar os convivas.
Em tempos, era dos areais longos de ambos os lados do Forte da Praia (como é também conhecida a fortaleza) que os pescadores zarpavam.
Praias para um Lado, Pesca para o Outro
A eles regressavam e lá se entregavam à arte xávega que resiste, em Sesimbra. Mais recentemente, a notoriedade turística da vila obrigou a um reordenamento.
Os areais dourados ficaram, em pleno, para turistas e banhistas.
Os pescadores, lota, polícia marítima, docas e afins foram agrupados no recanto oeste da enseada, com as embarcações e restantes estruturas protegidas a dobrar pelo grande pontão que as autoridades dotaram de um farol providencial.
Malgrado o muito por explorar no centro histórico da povoação, desviamos para a área do porto.
O Regresso das Traineiras, a uma Hora de Almoço Tardia
Por lá deambulamos, entre gaivotas oportunistas que bicam os restos das redes, acima de cardumes de grandes peixes que patrulham as águas translúcidas e vedadas.
Passamos por trabalhadores que recuperam embarcações, nem todas de pesca.
Por grupos de pescadores que partilham mesas e repastos, com turnos distintos dos embarcados, prestes a amararem por ali mesmo, carregados de polvo e peixe-espada.
O “Leãozinho”, todo pintado de verde, sem deixar espaço a dúvidas.
O “Nossa Fé”, verde-e-branco, de crença no destino e, assim diríamos, no mesmo êxito clubístico do “Leãozinho”.
Os pescadores de Sesimbra mantêm o seu sotaque pexito da região e ainda pescam em família.
Do nada, António Lourenço, ancião de 91 anos, muito bem conservado, aparece a empurrar um carrinho com caixas.
Os filhos tinham terminado de descarregar os polvos na doca oposta. Uma vez arrumadas as caixas vazias, podiam juntar-se, com um neto que já sai para o mar, à mesa da sua família.
Perguntamos-lhes, na brincadeira, se os polvos ainda caem naquele truque, se não deslindaram já as armadilhas. “Olhe, até ver, parece que não!”, afiançam-nos, bem-dispostos.
“Esperemos que não aprendam tão cedo. Os polvos vendem-se bem que se farta e são caros.”
A Pesca num Atlântico Inclemente, como Sempre
Aproveitamos o embalo. Indagamos ao Sr. Lourenço se a pesca continua tão dura como sempre. “É a mesma coisa!” confirma-nos sem apelo. “Já viram aquele mar lá pró Cabo Espichel?
Aquilo, quando somos apanhados de surpresa, é terrível.
E há barcos que vão daqui até Peniche e voltam. Há uns anos, foi um ao fundo com onze ou doze homens.”
Ficamos esclarecidos. Libertamo-lo para o almoço que já tardava. Regressamos ao centro.
As gaivotas também por ali esvoaçam, atraídas pelos arranjos, pelos restos e aromas emanados pelos restaurantes.
Não obstante a inevitável gentrificação, muitos pescadores habitam as casas de infância do centro que, devemos sublinhá-lo, ainda se faz de costumes e tradições.
Murais de Homenagem e a Cultura Pexita de Sesimbra
Caminhamos Rua da Fortaleza e Av. 25 de Abril fora, aqui e ali, com incursões a ruas e ruelas interiores à marginal, atentos aos murais que louvam a vida dura dos pescadores e decoram a cidade.
O do Largo de Bombaldes, homenageia Serafim Painho, Mestre Baúça (1933-2019), pescador emblemático da vila e da arte xávega.
A pouca distância, encontramos o artista João da Kruz, compenetrado a decorar mais uma caixa de circuitos de Sesimbra com personagens e frases pexitas, saídas de uma qualquer conversa de rua: “Choques e lulas?? Safa já a giga!!! Squééiste !!!”
A tradição pexita vem de há muito e está um pouco por todo o lado, na vila.
Subsiste por exemplo, ao balcão da padaria-pastelaria “A Camponesa”, conhecida como Joaquim do Moinho, que expõe um amontoado equilibrado de farinha torrada e um trunfo gastronómico histórico da região.
Farinha Torrada: Sobremesa e Refeição, de Geração em Geração
A determinada altura, a farinha torrada popularizou-se como o doce por excelência de Sesimbra. As famílias confecionavam-na com farinha, ovos, açúcar amarelo, chocolate, canela e raspas de limão.
Os ovos e o chocolate, dispendiosos, eram usados em pouca quantidade. Por essa razão, em pouco tempo, farinha torrada endurecia.
Por um lado, o seu consumo tornava-se desafiante. Por outro, as fatias resistiam a quase tudo.
Foi consumida com fins terapêuticos, em casos de constipações e de tosses, maleitas que se acreditava que eram curadas mais depressa se a farinha fosse acompanhada de cerveja preta.
Os pescadores, em particular, habituaram-se a levá-la para bordo dos barcos, a contar com o estímulo adocicado e alimado imediato e com o poder energético de cada barra.
Sesimbra e As Origens Remotas na Póvoa Ribeirinha
Logo abaixo, no fundo da escadaria calçada que serve o Largo Euzébio Leão, surge um chafariz de quatro bicas, em tempos partilhado pelos sesimbrenses.
Uns meros metros a sul, destaca-se de um outro largo o pelourinho da vila, uma réplica do original do sec. XVI, destruído já durante o séc. XX e reerguido em 1988.
Sesimbra é bem mais antiga que o seu pelourinho original.
A pesca na zona é anterior ao século XIII. Em 1201, D. Sancho proclamou, via Foral, que deveria ser pago um soldo por pescado, razão de sérios proveitos para a Coroa.
Desde os tempos romanos que os cardumes abundavam ao largo.
De tal maneira que, já com a Idade Média para trás, a Ordem de Santiago relatava ao rei D. Sancho II que até navios estrangeiros ali pescavam ao largo.
Na origem e até ao sec. XVI, a vila concentrava-se nos quase 300 metros de altitude, dentro do castelo que D. Afonso Henriques conquistou, mas perdeu para os Almoádas.
E que, sobre o virar para o século XII, D. Sancho I reconquistou de vez, após o que oficializou a povoação, mediante foral.
Com o tempo e a prioridade da pesca, da construção naval e de outras actividades marítimas fomentadas em redor da original Póvoa Ribeirinha, Sesimbra desceu em peso para a beira-mar.
O castelo continua a impor-lhe as suas torres de menagem e ameias seculares.
O Castelo Imponente de Sesimbra
Quando o apreciamos, a partir do miradouro do baloiço panorâmico Facho de Santana, entre moinhos algo quixotescos, maravilha-nos, como uma miragem amarelada a pairar entre a floresta de pinheiros mansos e as nuvens.
Sesimbra é pródiga neste tipo de visões apaixonantes. Momentos depois, de volta à beira-mar, vivemos outra.
Com o porto e o Forte do Cavalo para trás, uma estrada de brita conduz-nos serrania acima. Uma curva pronunciada aponta-a a Sentrão.
Por essa altura, deixamo-la para um trilho indefinido, ramificado na vegetação densa.
A Visão Atlântica Surreal da Praia do Ribeiro do Cavalo
Aos poucos, o trilho desce para um talvegue pronunciado, o do Ribeiro do Cavalo. Por ele, descemos para os fundos da vertente.
Duas figueiras cheirosas prenunciam um areal arredondado.
E esse areal, um mar imóvel, translúcido, num tom exuberante de turquesa que contrasta com as falésias de calcário e com a areia fina, quanto mais próxima do Atlântico, mais dourada.
Os dias sucediam-se. Sesimbra continuava a deslumbrar-nos.
Sem termos como lhe resistir, enfiamo-nos na água, chapinhamos, nadamos entre os penhascos felizardos, estimulados a dobrar pelo muito que ainda tínhamos por descobrir.
ONDE FICAR EM SESIMBRA:
Four Points By Sheraton Sesimbra
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Tel.: +351 21 051 8370