Uma hora e meia decorrida desde a partida de Mulifanua, o ferry “Lady Samoa III” atraca em Salelologa, junto ao extremo sudeste de Savai’i.
Conveniente porque encurtava a navegação, o destino obriga-nos a um percurso terrestre adicional, rumo à costa norte da ilha.
A habitual precaução rodoviária do guia Anthony McCarthy faz com que cheguemos ao hotel já com o ocaso a definir-se para ocidente da baía de Matautu. Provou-se só uma parte da recompensa.
A equipa de acolhimento samoano que Anthony integrava, tinha-se voltado a esmerar.
De acordo, instalamo-nos à pressa numa fale (cabana tradicional) quase sobre o areal.
Deixamo-la e enfiamo-nos no Oceano Pacífico tépido. Banhamo-nos e refrescamo-nos enquanto o firmamento que envolvia Savaii se dourava, rosava, tornava fogoso.
Saímos da água, para um entorno ainda quente e húmido, com Vénus, como sempre, na dianteira e vários outros astros a juntarem-se-lhe.
Com a noite, Savaii rende-se a um silêncio que só um ou dois galos dessincronizados se atrevem a quebrar. Derreados pelas voltas e caminhadas em Upolu, deixamos trabalho de escritório por fazer.
Dormimos, como pedras, até às 7h30 da manhã seguinte, a de uma sexta-feira.
Por essa hora, já vários velhos e pitorescos autocarros samoanos percorriam a North Coast Road, repletos de crianças a caminho das escolas.
Consciente do muito que tinha que nos mostrar e ensinar em redor de Savaii, Anthony apressa-nos o pequeno-almoço à beira-mar.
“Rapazes, já devíamos estar de saída, vamos lá a apertar com isso!” atira, em modo de piada, com a voz profunda que combinava com a sua solidez polinésia.
Acontecia que a beleza e funcionalidade de um dos lugares a que nos queria levar, os buracos sopradores de Alofaaga dependia de uma determinada maré.
Savai’i: North Coast Road Abaixo
Assim, viajamos para o sul quase antípoda, a circundarmos a ilha, o único modo de o atingirmos. Para o interior, o grande monte e vulcão Silisili (1858m) erguia-se acima de vertentes luxuriantes que inviabilizavam qualquer intersecção e atalho.
O Silisili é apenas um zénite. Toda a Savaii forma um vasto vulcão escudo, o maior do Pacífico do Sul, com crateras, fumarolas, túneis de lava e outras formações disseminadas pela ilha.
As crateras em particular, estendem-se de Tuasivi, na costa oriental, ao extremo ocidental do cabo Mulinu’u.
Como haveríamos de constatar, umas, têm-se provado mais destrutivas que outras.
Cruzamos sucessivos distritos com nomes de complexa pronunciação: Gaga’em Auga, Fa’asal’el’e’ Aga, Palauli e Satupa’itea.
Sobre o leste de Palauli, Anthony concede-nos uma pausa revigorante nas quedas d’água de Afu Aau, abastecedoras de uma lagoa de água fria e cristalina, algo escondida à saída da floresta húmida e protegida de Tafua.
Já há algum tempo na South Coast Road, passamos a praia de areia negra de Nuu.
Os Buracos Sopradores de Alofaaga
Em plena aldeia de Taga, um desvio para um tal de Cabo Auisui, leva-nos a um litoral áspero, feito de lava solidificada, porosa e esburacada.
Recebe-nos, por ali, um guia local. Anthony saúda-o, agradece a sua presença. Passa-lhe um pagamento em talas, a moeda nacional da ilha.
Cumprida a transacção, o anfitrião conduz-nos aos buracos sopradores de Alofaaga. “Vou, então, entrar em acção. Preparem as máquinas!” Assim fazemos.
O homem agarra em dois cocos. Numa altura em que as vagas recuam, atira-os para o interior de um dos blow holes.
Quando as vagas voltam a preencher o fundo lávico e o orifício, fazem os cocos saírem disparados na direção do céu, mais altos que o repuxo explosivo da água.
Quando os cocos aterram, próximo de nós, praticamente ralados, fazemos uma ou duas fotos do produto final.
Despedimo-nos e re-apontamos à South Coast Road. Pouco depois, concordamos os três em que estamos esfomeados. “Foi um bom sítio para o concluirmos.”, sossega-nos Anthony.
“Há uma família humilde a uns poucos quilómetros que serve comida samoana, mais ou menos tradicional. Sempre que posso, gosto de lá parar”.
Anthony pede-nos frango assado, servido com banana cozida e taro, tudo embrulhado com arte, em folhas de bananeira.
O Arvorismo Prolífico e Vertiginoso de Falealupo
Num modo semi-forçado, pela falta de tempo, de refeição a bordo, prosseguimos na direção da ponta oeste de Savaii, a do Cabo Mulinuu. Antes de o atingirmos, cortamos para Falealupo.
Num trecho de floresta local, experimentamos uma caminhada sobre passadiços e pontes de corda tremelicantes, elevados entre o arvoredo.
Anthony confessa-nos que sofre de vertigem. Ainda assim, esforça-se por cumprir o percurso, à sua velocidade cautelosa.
Quando termina, está na hora de apanharmos de novo a South Coast Road rumo à zona de Manase, onde passaríamos essa noite.
Sexta-Feira Tarde e o Regresso Animado das Escolas
A caminho, paramos numa escola.
A essa hora, um funcionário que trajava uma lavalava (saia típica) recolhia uma bandeira samoana do mastro. As crianças deixavam as salas de aula, para um relvado de râguebi.
Dali, caminhavam para os lares ou embarcavam em viaturas providenciais.
Seguimos uma pick up carregada de professores e funcionários da escola. E um pequeno camião com a caixa repleta de alunos. Contentes pelo término da semana de ensino, todos acenam e saúdam os forasteiros, com regozijo.
A meio da baía de Asau, a South Road volta a converter-se em North Road. Esta, flecte para o interior luxuriante de Savaii, aqui e ali, salpicado de bananais e plantações de taro. Só regressa ao litoral, sobre Sasina.
Pouco depois, damos entrada em Manase. A conduzir-nos desde as 7h30 da manhã, Anthony reclama o seu período de descanso.
Nova chuvada fulminante de fim de tarde lava-nos da mente problemas de consciência por não voltarmos a sair à descoberta, por nossa conta.
Afinal, tínhamos mais um dia e meio alocado a Savaii. Começarmos o seguinte cedo e revigorados parecia-nos outra boa ideia.
Como quase sempre, a aurora devolve-nos a boa meteorologia.
Savai’i e o Râguebi Intenso de Samoa
Também ele praticante, Anthony leva-nos a assistir a um torneio regional de râguebi, a principal paixão desportiva de Samoa.
A ter lugar num campo murado por pedras basálticas, cercado de coqueiros, plantas de taro e restante vegetação tropical.
O torneio vale o que vale, acima de tudo, a honra guerreira dos jogadores e das povoações que representam. Os jogadores levam-no com tal determinação que um deles se lesiona com gravidade e é evacuado de ambulância.
Não acontece a todos, mas, por assim se aplicarem, alguns jogadores samoanos veem-se recrutados para as melhores equipas profissionais, sobretudo da Austrália e da Nova Zelândia.
Fotografarmos râguebi com aquele ritmo competitivo e frenético, acaba por nos fatigar. Por sorte, a paragem que se seguia dava-se numa lagoa marinha de Sato’Alepai.
Partilhamo-la com tartarugas-verdes, mais que habituadas à presença humana, estimuladas pelas ofertas de papaia que os visitantes lhes costumam fazer.
Nas imediações, uma comunidade familiar e de amigos jogavam um vôlei desajeitado sobre um jardim ervado.
Nesse sábado, o tempo comunal de desporto e de lazer, sobre ervados e em volta de banquetes, parecia eternizar-se.
À imagem da circum-navegação da ilha que, sendo a maior do arquipélago samoano, nos começava a parecer interminável.
A Igreja destruída pela lava do Vulcão Matavanu
Avançamos até Sale’aula. O seu campo imenso de lava estende-se por alguns quilómetros mais.
Formou-o, em 1905, a erupção de outro dos vulcões de Savaii, o Monte Matavanu.
No seu fluxo para o mar, uma torrente espessa de lava entrou pela porta de uma igreja que a London Missionary Society erguera, em 1865, apenas trinta e cinco anos após o desembarque da sociedade em Samoa.
A lava acumulou-se no interior. Causou o desmoronamento do telhado e a impressão de vigas e peças de ferro no solo, mais tarde, solidificado.
Encontramos na sua destruição um monumento inusitado e inequívoco à supremacia da Natureza sobre a fé e a vontade humana. E, no entanto, depressa constatamos como a determinação proselitista da London Missionary Society prevaleceu.
De tal maneira que, sob a acção de John Williams, um seu missionário, Samoa se tornou predominantemente e oficialmente cristã.
Safotu e a sua Colorida Vida Cristã
Chegamos à manhã de Domingo. As igrejas funcionais da ilha reclamam a presença dos crentes.
Impressiona-nos, pela sua exuberância arquitectónica, o templo branco e azul de Safotu, com as suas torres gémeas e um frontão recortado acima de uma nave em L.
Fotografamo-lo, quando, finda a missa, uma multidão colorida de fiéis enfiados nos seus melhores vestidos e combinações de lavalavas e camisas se precipita escadaria abaixo.
Formam um pelotão samoano que se alonga North Coast Road fora.
Seguimo-los na direção de Manase, de onde regressamos à ponta sudeste de Savaii, a tempo de apanharmos o ferry de volta a Upolu.
A partir de Upolu, ainda visitamos Manono, a terceira ilha de Samoa, sem contar com a “Americana”.
Essa, é toda uma outra Samoa à parte.