Dariam voltas nos túmulos, os membros da Casa de Bourbon, se lhes chegassem ao outro mundo relatos do que se tornou a rua baptizada em seu nome, na recém-fundada Nouvelle Orleans.
Crepúsculo após crepúsculo, à medida que o céu escurece acima dos arranha-céus e eléctricos pioneiros da Canal St., acentuam-se as luzes e os néones exuberantes da Bourbon Street.
Invade-a uma horda de foliões apostados em descomprimir e celebrar a vida, mesmo que isso passe por danar a saúde. Aos poucos, dissemina-se um aroma a cannabis.
Os bares servem bebidas atrás de bebidas, de simples cervejas aos cocktails mais famosos de New Orleans: o Sazerac, bebida oficial da cidade.
Os daiquiris locais, o Ramos Gin Fizz e os seculares Absynthe Frappes, inventados na Old Absynthe House, um dos “bebedouros” incontornáveis da cidade.
Bourbon Street: a New Orleans da Noite sem Fim
Na Bourbon Street, nem todas as bebidas se popularizaram pela elegância e subtileza.
Cruzamo-nos com transeuntes que bebem Hurricanes. Outros, sorvem de Hand Grenades.
Legalmente servida em meros cinco bares do French Quarter, esta mistura de vodka, rum, gin e licor de melão gera uma euforia adequada à atmosfera circundante.
Em dias de jogos dos Saints – a equipa local de futebol-americano – a cidade veste-se de dourado. Como pudemos testemunhar no festivo “Upper Quarter Bar”, bebe, brinda e festeja pela cadência de cada touchdown conseguido.
De bar em bar, dezenas de bandas e músicos embalam uma crescente ebriedade comunal.
Encontramos de tudo um pouco. Duetos em pianos, hard-rock perfurante, música Country, exibições de drag queens em bares arco-íris.
E, a pouca distância, na The Jazz Playhouse, um burlesco ainda mais despido e atrevido.
A amálgama musical renova-se. Volta a baralhar-se nos bares e palcos da nova coqueluche da noite orleaniana, a Frenchmen Street.
Situada na orla do French Quarter, das suas vivendas coloridas elegantes, dotadas de varandas e terraços de ferro fundido, de pátios interiores ajustados entre paredes.
O Berço e a Casa Americana do Jazz
Se nos mantivermos pela Bourbon, podemos ainda viajar pelo jazz do século XX de New Orleans.
É esse o estilo “vencido” que assistimos Richard Piano Scott e a sua banda tocarem no bar Fritzels Jazz, inspirado em muitas das bandas reputadas que passaram pelo Preservation Hall durante o século XX.
Numa era em que vigorava a segregação racial legalizada após a Guerra Civil Americana, esta sala emblemática acolheu as actuações de pioneiros como Louis Armstrong, Buddy Bolden, de bandas, algumas multirraciais, que se exibiam a um público misto entusiasta.
Louva-os, ainda, o Parque Nacional Histórico de Jazz, criado lado a lado com a Congo Square.
É este último o espaço aberto e verdejante em que, durante o século XIX, os habitantes de cor, escravos ou já livres, se encontravam, comerciavam entre si, dançavam e tocavam tambores considerados percussores do jazz.
Lá levavam também a cabo rituais africanos mais tarde conotados com o vudu, outro dos esoterismos culturais em que New Orleans se tornou prolífica e que os novos agentes turísticos integraram numa panóplia de tours temáticos:
os da New Orleans assombrada, os gastronómicos, de história, de arquitectura e tantos mais.
Mas, regressemos ao Preservation Hall.
Este salão dos sopros e da percussão subsistiu à segregação e ao tempo. Tornou-se um templo jazzístico de integração e multiculturalidade.
Isto, no mesmo contexto em que, na segunda metade do século XX, milhares de músicos de outras partes dos E.U.A., começaram a ver New Orleans como um porto-seguro dos seus talentos.
Uma das teorias para a alcunha “The Big Easy” da cidade defende, aliás, que adveio da facilidade com que os músicos encontravam empregos.
A outra, ainda actual, terá resultado da sensação de descontração, hedonismo e criatividade transmitida pelos residentes.
Flagboy Giz e a Música Nova de New Orleans
Eternizam a velha New Orleans talentos emergentes como o de Flagboy Giz que faz de todas as suas músicas celebrações da sua ancestralidade indígena, da vida genuína da cidade, da espectacularidade do Mardi Gras
e dos músicos em movimento das First Lines, animadores de eventos e acontecimentos, dos aniversários e casamentos aos funerais.
Como canta Flagboy Giz “I fell in Love at the Second Line“.
O mais famoso dos Flagboys apaixonou-se num cortejo que seguia uma destas bandas andantes.
Os Artistas de Rua de New Orleans
Para todos os efeitos, incluem-se, na categoria, os “empresários”, artistas e oportunistas da Bourbon Street.
O mascarado de Darth Vader que interpreta Céline Dion.
O homem do pino vestido de pirata, acompanhado de um esqueleto, que massacra o pescoço a posar de cabeça para baixo.
O casal dono de pitons birmanesas que as cede para selfies e carícias.
Crianças que tocam percussão sobre sets de baldes. Um grupo de breakdancers que, entre as actuações, pratica passes de futebol americano.
Um outro talento por reconhecer que, à entrada da terceira idade, pede 20 dólares para contar anedotas porcas.
São exemplos.
Em qualquer noite, a Bourbon Street e vizinhança, acolhem inúmeras actuações dos mais distintos estilos.
Como o faz a Jackson Square, o cerne ribeirinho de New Orleans.
Francesa, por breve tempo, Espanhola: a Génese Colonial de New Orleans
Sobretudo, diante do seu Cabildo, o mais exuberante edifício hispânico, erguido entre 1763 e 1803.
Neste período, fruto de uma negociação inusitada, os Espanhóis governaram o Luisiana. Os britânicos tinham acabado de cobrar a colónia aos franceses, após os terem derrotado na Guerra dos Sete anos.
Logo, em jeito de compensação da integração da Florida no Império Britânico, cederam-na ao Império Espanhol.
Além do Cabildo, os espanhóis reergueram a igreja francesa de St. Louis, arrasada pelo Grande Incêndio de 1788. Decorrida meia década, a igreja foi promovida a catedral diocese de New Orleans.
É uma das mais antigas igrejas em uso contínuo dos E.U.A.
A desafiar a catolicidade do lugar, uma comunidade de quiromantes, tarólogas e congéneres instala-se ali diante.
Em dias de excessiva concorrência, estendem mesmo as suas profecias convenientes a trechos da Bourbon Street.
Andrew Jackson, a Jackson Square e o Magnetismo Adocicado do Café du Monde
Num plano histórico, em vez de futurologista, destaca-se do jardim contíguo a estátua equestre do general Andrew Jackson.
Jackson conquistou o estatuto de herói americano controverso, louvado pelos admiradores, pelo seu papel na expansão territorial e consolidação dos Estados Unidos.
Foi eleito o sétimo presidente dos E.U.A. Ocupou o cargo de 1829 a 1837. Faleceu em 1845.
Menos de duas décadas depois, a umas dezenas de metros do monumento que o homenageia, na iminência do Mississípi, nascia o “Café du Monde”, outra das imagens de marca afrancesadas do Vieux Carré de New Orleans.
Pela conveniência dos seus “beignets” acompanhados de café-chicória, adaptamo-lo como pouso predilecto na recuperação das várias dezenas de quilómetros que caminhamos na cidade. À margem do lanche tradicional, o “Café du Monde” prenda-nos com deliciosas expressões de harmonia social.
Por norma, um artista de rua lá entretém os clientes com interpretações de canções norte-americanas famosas. O inesperado, advém das participações especiais.
Quando menos ocupados, os empregados oferecem-se para o substituir e cantam um ou dois dos seus temas favoritos, às tantas, acompanhados por clientes.
Mas o beignet também é uma expressão, com sabor e textura de fartura açucarada, da prolífica gastronomia de New Orleans.
A Gastronomia e os Restaurantes Prodigiosos de “The Big Easy”
Ao contrário de tantos outros domínios de comida insípida, demasiado rápida, dos E.U.A., a Cidade do Crescente do Mississípi assimilou sucessivas receitas trazidas pelos franceses, pelos espanhóis, pelos escravos africanos, pelas gentes crioulas e cajun – descendente de franceses-canadianos instalados nas zonas alagadas (bayous) – de italianos e de tantos outros mais tarde para lá migrados.
Aprimoraram-se, assim, o gumbo, a jambalaya, os lagostins estufados e sandwiches bem guarnecidas como os Po-Boys e as “sicilianas” muffalletas.
Se é verdade que dezenas de estabelecimentos os anunciam, só uns poucos, com uma antiguidade e espaços condizentes com a riqueza histórica de New Orleans, os servem perfeitos ou quase-perfeitos.
Incluem-se, nesses, os anciãos da restauração Muriel’s, instalado num edifício do meio do século XVIII e o Tujague’s, restaurante estabelecido em 1856 e há muito conceituado.
A Cidade do Crescente do Mississípi
Como tudo o mais, os colonos, os comerciantes, os atacantes e os imigrantes chegaram à cidade pelo Mississípi sinuoso.
Admiramo-lo do topo panorâmico Vue Orleans, da beira-rio e a bordo do navio a vapor “Creole Queen”, um dos três que prendam os forasteiros com a experiência de navegar o Mississípi à moda antiga.
Situada pouco acima da foz da principal artéria fluvial dos Estados Unidos, New Orleans ocupa a mesma posição fulcral.
Razão de ser de dezenas de batalhas e conflitos, anteriores e posteriores à Guerra Civil Americana cujo desfecho veio viabilizar o fim da Escravatura, como o progressismo libertário que continua a favorecer The Big Easy.
FICHA DE DESTINO
1 – Miami
2 – New Orleans
COMO IR
Reserve o voo Lisboa – Miami (Flórida), Estados Unidos, com a TAP: flytap.com por a partir de 820€.
De Miami, poderá cumprir a ligação para New Orleans (1h30) por, a partir de 150€, ida-e-volta.
Onde Ficar:
The Mercantile Hotel:
themercantilehotelneworleans.com
Tel.: +1 504 558 1914-1914