Nem sempre a fama faz jus à realidade. O letreiro no guiché promete casório instantâneo por pouco mais de 50 dólares. Intrigados pela suposta popularidade e facilidade do fenómeno, avançamos para o interior daquele drive-thru matrimonial e perguntamos o que nos ocorre perguntar, a começar por se fica mesmo tudo ali resolvido.
O preço confirma-se para a mais sóbria das cerimónias mas já o mesmo não se pode dizer da simplicidade do processo.
Dizem-nos que primeiro é necessário um certificado passado pelo Marriage License Bureau de Clark, o condado do estado do Nevada em que se situa Las Vegas. Quando investigamos o tal gabinete, descobrimos como é fácil qualquer entusiasmo romântico ser desfeito pela fria burocracia.
O edifício do governo revela-se pré-fabricado, demasiado vulgar para poder ser definido em termos arquitectónicos. Há um batalhão de vagabundos nas redondezas e a fila que nos separa do atendimento aproxima-se da meia centena de metros, gradualmente aumentada por mexicanos e imigrantes com diferentes origens com pressa de se casarem para consumarem a sua legalização ou conquistar outros privilégios norte-americanos.
Faz calor e há muito por explorar em Las Vegas e no restante Nevada. Recusamo-nos a acreditar que as vedetas que ali dão o nó se submetam a tal castigo e decidimos que, naquelas condições, connosco também não contam. A fazer fé nos números, vamos ser uma excepção.
Todos os anos são emitidas para cima de dois milhões de licenças de casamento nos Estados Unidos. Mais de 110 mil – 5% são processadas por Clark e destinam-se a Las Vegas.
Nos últimos tempos, os números até desceram mas não se pode dizer que por escassez de oferta, muito menos por falta de imaginação dos incontáveis promotores.
Praticamente todos os hotéis e muitos dos restaurantes da cidade têm pequenos espaços que emulam capelas em que acolhem a cerimónia.
Mas os casamentos podem ainda ter lugar nos campos de golfe locais, nas capelas mais ou menos convencionais do Wedding District, caso da Chapel of the Flowers e, em capelas gazebo, para motards, simplesmente drive thru ou as realmente versáteis que oferecem uma panóplia de possibilidades temáticas.
Quer casar-se na Ilha do Tesouro rodeado de piratas? Escolher a sua fábula preferida e tornar-se parte dela? Optar por trajes góticos em vez do clássico vestido branco? Quem sabe, casar rumo a galáxias distantes da nave Star Trek USS Enterprise?
A bordo de um helicóptero, balão e/ou com transmissão online? Tudo é possível. E só custa alguns dólares mais que os 50 base e o telefonema para marcação da data pretendida.
Elvis tornou-se ainda mais idolatrado graças às suas actuações regulares em Las Vegas. “Love Me Tender” era um dos temas que mais entoava e depois de Priscilla Anne Wagner ter cedido ao apelo, a união do casal também se realizou na Cidade do Pecado.
Hoje, passados 34 anos sobre a sua morte, The King continua a enriquecer o imaginário de Las Vegas e é visto, às vezes em simultâneo, em diferentes pontos da longa Strip ou nas capelas que oferecem casamentos ao seu estilo como a Wee Kirk o’the Heather ou a bem mais luxuosa do hotel Hilton.
Num de tantos dias por Vegas, resolvemos verificar o início oficial da Strip e paramos junto à popular placa de “Welcome to Las Vegas”.
Acabamos por dar com um imitador profissional de Elvis que cobra um mínimo de 10 dólares para se deixar fotografar junto ao seu Cadillac cor-de-rosa e com um casal recém-casado que fez questão que a sua sessão fotográfica por ali passasse.
Nessa altura, foram os últimos de tantos outros a ceder à tentação menos pecaminosa de Las Vegas, parte de uma lista que conta com vários milhões de esponsais e com inúmeras personalidades do showbizz e do desporto.
Além de Elvis e Priscilla, casaram em Vegas Frank Sinatra e Mia Farrow, Angelina Jolie e Billy Bob Thornton, Cindy Crawford e Richard Gere, Carmen Electra e o exuberante Dennis Rodman.
Também Axl Rose dos Guns’n’Roses e outro ídolo do basquete Michael Jordan – com as respectivas esposas, não um com o outro.
E, para abreviar, André Agassi e Steffi Graff que, caso o desejassem, podiam ter tido a sua cerimónia num campos de ténis. Todos eles se uniram em Vegas com mais ou menos aparato e mediatismo, apesar da famosa máxima “What Happens in Vegas, Stays in Vegas”.
Algumas estrelas tornaram-se fãs incorrigíveis da experiência e repetiram-na sem mostrar qualquer tédio. O actor Mickey Rooney, por exemplo, casou-se pela primeira vez, em Las Vegas, com Ava Gardner, em 1942 e voltou seis vezes à cidade para desposar outras mulheres.
A sua persistência inspirou a Wikipedia a criar uma complexa tabela que distribui os descendentes por cada união.
Mas a cidade do pecado é tão especialista em patrocinar uniões como em desfazê-las. Ao longo da Strip, um exército de mexicanos com visuais indigentes batem pequenas cartas umas nas outras com as duas mãos e anunciam a alta voz: “Girls, girls, girls! Cheap girls!”.
O gesto, repetido vezes sem conta, produz um tek-tek característico identificável à distância. E ao seu ritmo, o chão em redor fica repleto dessas cartas, rejeitadas pelos transeuntes já cansados da oferta ou, logo à partida, sem qualquer interesse.
Reparamos que as raparigas e os seus serviços são oferecidos não só a homens de todas as idades como a casais, a mulheres e até a crianças. Os poucos dólares ganhos pelos mexicanos pela sua distribuição não parecem pagar o bom senso ou o pudor, muito menos a selectividade.
Justificam apenas a missão prioritária de se desfazerem das pequenas peças o mais depressa possível.
Como nas velhas povoações da febre do ouro norte-americano, também aqui o dinheiro abunda e a prostituição floresce. E quando não se trata do adultério ou de sexo pago, o vício do jogo e a ruína a que leva justifica, só por si, o colapso abrupto de milhares de relações e famílias.
A Las Vegas tanto faz desde que o lucro não pare de aumentar. Se os casamentos se consumam em três tempos e por valores simbólicos, os divórcios da cidade não ficam muito atrás.
Um a três dias são suficientes para o juiz definir a partilha das crianças, dos bens e das dívidas. “The Show Must Go On” e, em Las Vegas, há sempre uma segunda oportunidade.