Do outro lado da linha, à moda dos bons gestores, Richard Royds soa-nos tão diplomático como pragmático. “Estão em Twizel? Óptimo! É suficientemente próximo. Venham andando para cá. Podem ter que esperar um bocado mas devo conseguir-vos qualquer coisa daqui a pouco.”
Tínhamos recentemente adicionado 250 dólares neozelandeses a uma ainda curta lista de multas por excesso de velocidade no downunder. Esforçamo-nos para não voltarmos a exagerar nas pressas.
Depois de Voar Baixinho, Sobrevoar os Alpes do Sul
Mesmo assim, passados 25 minutos, estacionamos frente aos escritórios da Mount Cook Ski Planes no aeroporto de Mount Cook. Melhor do que o prometido, vencidos mais 25, estamos a subir para bordo do Pilatus Porter PC6 da Mount Cook Ski Planes.
Já em táxi, Wayne, o piloto encarregue do voo, transmite-nos e a dois casais asiáticos – um indiano o outro japonês – um briefing de segurança resumido. Em seguida, contra o vento, como mandam as regras, elevamo-nos sobre as águas frígidas do Lago Tasman.
À medida que subimos, os Roaring Forties concentrados pelo longo desfiladeiro para diante golpeiam a aeronave e fazem com que os passageiros se agarrem com mais força aos bancos da frente.
Wayne mantêm-se impávido e sereno: “Está tudo bem, não se preocupem. Trabalho há muito tempo nesta rota, há demasiado tempo, atrevo-me até a dizer.
Este vento está cá quase sempre. Se os aviões não me desiludirem eu também não os desiludo.” afiança enquanto retoca a manche e ajusta manípulos e botões. “Sabem o que me apoquenta? Este calor.
Vieram na altura certa. Há uns 20 anos o gelo ocupava grande parte do que é agora lago, lá em baixo. Se estes Verões continuam assim, não tarda, só vai restar o topo, onde vamos aterrar.”
Um Voo Glaciar Tasman Acima, Apontados ao Aoraki Monte Cook
O Pilatus Porter penetra numa nebulosidade inesperada mas liberta-se em três tempos. Num céu já completamente limpo, perdemos o aconchego do vale e aproximamo-nos dos picos e fiordes mais imponentes dos Alpes do Sul, o Tasman, o Dampier, logo o Teichelmann.
Pouco depois, identificamos também o Aoraki Monte Cook ligeiramente sobressaído devido à sua maior altitude e à forma de prisma do cume, naquela altura agasalhado por uma curiosa nuvem lenticular.
Contornamos a montanha rainha da Nova Zelândia por duas vezes. A repetição permite-nos admirar a sumptuosidade dos Alpes do Sul e, para Oeste, o litoral selvagem do Mar da Tasmânia, muito mais visível do que alguma vez pensávamos possível, tendo conta a altitude a que voávamos.
Estava cumprido o objectivo inicial do voo. Wayne aponta de novo para o leito de gelo do glaciar Tasman que sobrevoamos até a zona de formação.
Ali, inverte mais uma vez o sentido do voo, faz o ski-plane baixar e aterra sobre a neve superficial. Contra o declive e o atrito, o avião não demora a imobilizar-se.
Wayne aproveita o silêncio e anuncia com forte sotaque kiwi: “Aqui estão os grandes cenários da Nova Zelândia. Divirtam-se”. Estávamos, sobre um glaciar de montanha majestoso, a apenas algumas centenas de metros de altitude dos picos que inúmeros alpinistas tinham ambicionado escalar.
A Inovação Revolucionária agora ao Serviço dos Mount Cook Ski Planes
Há algumas décadas atrás, este acesso facilitado ao topo da cordilheira provou-se também ele, uma enorme conquista. O responsável foi o fundador da Monte Cook Ski Planes, a empresa que nos tinha concedido o privilégio da aventura.
Em 1953, Harry Wigley, um antigo piloto da Força Aérea da Nova Zelândia já fazia voos panorâmicos em redor do Aoraki Monte Cook e sobre os glaciares.
Por essa altura, apercebeu-se da necessidade de um sistemas de esquis retractáveis que permitisse aos aviões descolar de pistas normais e aterrar na neve.
Já existiam esquis fixos mas uma investigação internacional revelou que o sistema retractável não tinha sido ainda desenvolvido.
Por outro lado, os esquis fixos só podiam ser usados em parte do Inverno da Nova Zelândia, nas temporadas em que o aeródromo de Monte Cook tinha a sua pista coberta de neve.
Wigley não se conformou. Investiu centenas de horas na criação de uma roda que se destacasse através do esqui durante a descolagem e aterragem sobre o asfalto.
E uma forma de o esqui descer durante o voo para permitir aterragens nos campos de neve elevados do glaciar Tasman.
Em 22 de Setembro de 1955, Harry Wigley aterrou ali o primeiro ski plane – um Auster – equipado com o novo sistema.
Um dos passageiros mais famosos a dele beneficiar foi Sir Edmund Hillary que, sete anos antes, tinha conquistado o seu idolatrado tecto da Nova Zelândia mas nem por isso o deixou de visitar.
Mais tarde, o conceito e o design foram aperfeiçoados e os esquis passaram a ter bases de plástico e a ser operados de forma hidráulica.
A introdução de uma aeronave mais poderosa, o Cessna 180 permitiu à Mount Cook Ski Planes operar todo o ano e transportar mais passageiros afortunados como nós.
O Desembarque bem Acima do Glaciar Tasman
O casal indiano é primeiro a sair. Dão alguns passos e, num micro-clima frio mas romântico, eventualmente de lua-de-mel, abraçam-se. Os jovens japoneses afastam-se em direcção a formas rochosas exuberantes e fazem-se fotografar em poses cómicas e excêntricas.
Nós começamos a subir o campo de gelo com o objectivo de voltarmos a espreitar para lá da aresta mais elevada da cordilheira.
Wayne vive a sua rotina e pouco se afasta do Pilatus Porter.
Avisa-nos que não íamos ter tempo para tanto, pelo que desistimos da pequena expedição.
Em vez, deixamo-nos deslumbrar pela grandiosidade branca do cenário e pela insignificância a que sujeitava a aeronave colorida.
Regresso ao Ponto de Partida, pela Mesma Rota do Glaciar Tasman
Em redor, a 3.000 metros de altitude, estendia-se a base vasta do maior rio de gelo da Oceania, com 27 km de extensão, 4 de largura e uns não menos impressionantes 600 metros de espessura.
O dia aproximava-se do fim e a mancha de luz que incidia no vale diminuía a olhos vistos como o calor ténue que até então afagava os passageiros.
Wayne verifica o relógio e dá instrução de regresso ao avião. Deslizamos sobre os skis e a neve mais uma vez com suavidade surpreendente e regressamos às alturas delimitadas pelo vale.
Dez minutos depois, estamos a rodar no tarmac abrasivo do aeródromo.
O dispositivo dinâmico de aterragem voltara a funcionar na perfeição.
Cumprimos, assim, mais um trecho da façanha que Harry Wigley fez questão de concretizar.