Do convés superior, apreciamos o dia-a-dia atarefado entre o casario colorido e colonial de Bissau e o cais.
Proprietários e trabalhadores atafulham umas poucas pirogas de carga. Camiões descarregam aquela com que tinham dado entrada no porto. Chegam lanchas de Bubaque e de paragens distintas das Bijagós. Outras para lá partem.
Com todos os passageiros a bordo, o Africa Princess inaugura o seu itinerário pelo vasto arquipélago guineense, apontado à Ilha de Galinhas e a Canhambaque.
Nós, cumprimos um transbordo célere para uma das suas lanchas de apoio e um desvio providencial.
Afastamo-nos do ilhéu do Rei e da cidade. Apontados a sudoeste, despedimo-nos do navio-gerador turco “Metin Bey” que a mantém energizada.
Cruzamos a linha do cisma entre as águas do Geba e as do Atlântico que a diferença de densidade e de salinidade separa.
Na Rota de Bolama
Aproximamo-nos da margem sul do Geba. Contornamos a península do Ilhéu do Mancebo e seguimos pelo canal alagável do leste de Bolama.
Navegamos por uma rota traiçoeira, repleta de baixios que um assoreamento secular continua a agravar e em que, um mês mais tarde, a bordo de uma canoa tradicional sobrelotada, viríamos a encalhar.
Protegidos pela leveza da lancha e pela praia-mar, evitamos o pior do litoral arenoso. Ziguezagueamos canal abaixo, na direcção do Rio Grande de Buba, malgrado o nome, um irmão benjamim do Geba.
Tal como aconteceu com os portugueses e com Bolama, ficamo-nos entre ambos.
Quando desembarcamos para o molhe elevado na extensão da Av. Amílcar Cabral, o sol pouco desceu do seu zénite. Os moradores resguardam-se nos seus lares.
Ou à sombra das árvores hiperbólicas que refrescam a frente ribeirinha da cidade. À medida que nos aproximamos da verdadeira terra-firme, Bolama dá sinais de vida.
Saúda-nos Dª Ermelinda, uma vendedora de vegetais a quem, conversa puxa conversa, sem sabermos bem como, compramos uns poucos pepinos.
De forma quase tão inocente, logo ao lado, Bolama preserva aquele que muitos consideram um dos poucos monumentos fascistas sobreviventes.
O Memorial de Mussolini aos Aviadores Perecidos em Bolama
Tinha passado quase uma década do sucesso do duo Gago Coutinho e Sacadura Cabral na travessia aérea pioneira do Atlântico Sul.
Contagiado pelas manias de grandeza de Mussolini, o Ministro do Ar e general-piloto Ítalo Balbo projectou a travessia de dez aviões, divididos em quatro esquadrilhas e em formação, entre Itália e o Rio de Janeiro.
Vencidas diversas atribulações, os aviões reagruparam-se em Bolama, no dia de Natal. Lá os celebrou um navio da marinha italiana.
Na madrugada de 6 de Janeiro de 1930, Ítalo Balbo ditou a partida. Dois dos aviões sofreram acidentes na descolagem. Cinco aviadores pereceram. Não obstante, Ítalo Balbo forçou o seguimento da expedição.
Em Dezembro de 1931, Mussolini mandou erguer, em Bolama, o memorial que surpreende quem visita a cidade. Tem a forma de duas asas, uma quebrada, a outra erguida aos céus.
Complementa-o uma coroa de louros e a inscrição “Al Cadutti di Bolama”.
A Ilha de Bolama e o Legado da Antiga Capital Colonial
Deixamos Dª Ermelinda no sopé do velho memorial. Prosseguimos à descoberta da cidade. Uns meros metros para dentro da ilha, ficamos de frente para o Palácio do Governador, hoje, ocupado pelos militares guineenses.
Alguns deles, conversam, sentados em cadeiras baixas.
Cumprimentamo-los e a dois jovens, presumimos que militares à civil, que se confrontam sobre um grande tabuleiro amarelo-axadrezado, com a legenda, em crioulo de “Estádio Bópapiamas”.
Agradecemos as boas-vindas dos militares. Após o que nos fazemos à subida da Av. Amílcar Cabral.
Àquela hora de calor, a artéria principal da cidade mantém-se quase deserta. Enquanto examinamos a arquitectura art déco do antigo cinema, cruzam-na três ou quatro porcos.
No lado oposto da rua, uma pintura-mural exibe o líder do PAIGC, Amílcar Cabral, protagonista martirizado do rumo independentista da Guiné Bissau.
Ali, dono de um sorriso tipo Pepsodent.
Continuamos a subir. Passada a discoteca “Som das Ilhas”, no cerne duma praça desafogada coberta por mato ressequido, surpreende-nos uma estátua prateada e reluzente.
Ulisses Grant e a Complicada “Questão de Bolama”
Homenageia o presidente dos E.U.A. Ulisses Grant, a quem Portugal agradeceu o veredicto que resolveu a complexa “Questão de Bolama”.
A determinada altura, a posse legítima da ilha de Bolama, dirimida entre Portugal e o Reino Unido, quase levou os velhos aliados a entrarem em guerra. Grant favoreceu Portugal.
Mesmo assim, em 2007, a sua homenagem original sumiu.
A estátua de bronze, decepada, foi, mais tarde, encontrada em terrenos do Comandante Alpoim Galvão, mentor da famosa “Operação Mar Verde” que procurou controlar a Guiné Conacri para, assim, erradicar a oposição político-militar do PAIGC ao domínio colonial português.
À data do desaparecimento da estátua, Alpoim Galvão era um empresário radicado na Guiné Bissau.
A estátua que lá admirávamos não passava de uma réplica.
Ao domínio de Ulisses Grant, sucede-se a Praça do Império que o ex-Presidente americano validou português, em vez de britânico.
Cabras e ovelhas esguias sulcam o jardim central, em busca de petiscos vegetais, na face mais próxima da Polícia Militar, da Igreja Católica e até nuns poucos arbustos que despontam da frente acolunada do imponente e arruinado, hospital da cidade.
Dali ainda espreitamos o antigo quartel do centro de instrução militar, abandonado ao tempo, às termiteiras e às raízes tentaculares das figueiras-da-índia e afins.
Africa Princess ruma a Canhambaque, via Ilhéu dos Porcos
Tinha passado uma hora e meia desde os primeiros passos em Bolama. Pinto, o guia bijagó encarregue do grupo, dita a volta à lancha. Cumprimo-la, conscientes de que Bolama nos merecia mais tempo e atenção.
E de que lá haveríamos de voltar.
Ao chegarmos ao ponto de partida, o molhe está entregue a uma multidão colorida e frenética. Tinha acabado de atracar uma canoa provinda de Bissau. Dezenas de passageiros saudavam quem os vinha receber.
Disputavam o desembarque dos seus pertences entre a muita carga acumulada no interior da embarcação.
Sem que ninguém o esperasse, para alcançarmos a lancha, temos que enfrentar a confusão e contornar a canoa.
Demora o que demora.
Mal nos vê a bordo, Charlesmagne, o marinheiro senegalês e diola responsável pela navegação, zarpa disparado, apontado a sudoeste e às ilhas dos Porcos e de Canhambaque. Algures por ali esperava-nos, para a noite, o Africa Princess.
Canhambaque fica à vista, com o sol a tombar para o lado oposto da ilha.
Desembarcamos para uma língua de areia vizinha que a descida da maré fazia aumentar.
Banhamo-nos e descontraímos ao largo dessa extensão estriada do Ilhéu dos Porcos.
Os Arrozais no Norte da Ilha de Canhambaque
Quando o sol começa a amarelar o horizonte, atravessamos para a ponta leste de Canhambaque, a ilha de que Pinto era nativo, em que conhecia todos os recantos, tabancas e, podemos dizê-lo, todos os habitantes.
Vencemos um primeiro litoral lodacento. Logo, subimos do areal molhado para uma secção ampla da ilha repleta de arrozais de sequio, não dos alagados.
Pinto conduz-nos por um trilho paralelo ao fundo da ilha, destinado a Inorei, a principal tabanca do extremo norte de Canhambaque.
Ao longo do trilho, detemo-nos em algumas das cabanas que os nativos habitavam, incumbidos de protegerem e processarem o arroz que os alimentava.
Quando dizemos “protegerem”, estamos longe de exagerar.
Canhambaque era a quinta grande ilha Bijagó que nos deslumbrava, após o desembarque estreante na pequena Kéré e a incursão a Orango, em busca dos hipopótamos do arquipélago.
À imagem de Caravela e de Carache, por lá abundavam palmeiras com copas desfolhadas, com os frutos que dão o óleo e o vinho-de-palma expostos. Palmeiras que acolhiam, de igual modo, centenas de ninhos de tecelões oportunistas.
Se as gentes cultivadoras de arroz das Bijagós furtavam às aves boa parte das árvores das ilhas, os tecelões, em particular, proliferavam de uma inevitável vingança.
Habitavam as palmeiras que salpicavam os arrozais. Sempre que os cultivadores levantavam a guarda, assaltavam o arroz em grandes bandos famintos.
Sem surpresa, em Canhambaque, como por todas as Bijagós, os nativos abominam os pássaros que apedrejam e afugentam de todas as maneiras possíveis.
Tagarelamos com nativos anciãos quando, por fim, o sol se desfaz a ocidente da ilha. O seu círculo incandescente descai entre os troncos das palmeiras sobreviventes.
Prenda-nos com as suas silhuetas, ponteadas pelos ninhos de palha com que os tecelões as decoram.
De um fogo exuberante, o oeste de Canhambaque passa ao azul-escuro do arrebol.
Mesmo sentindo-se entre os seus, Pinto cumpre o dever de nos recolher.
Nessa noite, como nas seguintes, chamaríamos casa ao barco aventureiro das Bijagós.
COMO IR:
Voe com a Euroatlantic , Lisboa-Bissau e Bissau-Lisboa, às sextas-feiras.
CRUZEIRO ” AFRICA PRINCESS “
Reserve o seu cruzeiro pelo arquipélago das Bijagós em: africa-princess.com
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Telm: +351 91 722 4936