Accionado o modo de reconhecimento, deixamos o domínio do hotel Hacienda de Los Santos, em busca do trilho que levava ao principal miradouro sobre a cidade, situado no cimo de uma colina com vista a 360º.
Entregues a tal missão, cruzamos um riacho que devia passar tanto tempo seco que foi baptizado de arroyo Àgua Escondida. A margem oposta confronta-nos com o sopé da colina e com a escadaria longa que a servia.
Vencemos os derradeiros degraus, ofegantes.
Devíamo-lo ter previsto ou, no mínimo, suspeitado.
O topo revela-nos outro dos grandes letreiros multicolores que tomaram conta do México, como de boa parte das Américas.
Surge quase encostado a um muro baixo.
Identifica Álamos, virado para a mancha de casario disseminada pelo sudoeste de Sonora, o deserto que empresta o nome ao estado mexicano que explorávamos, por ali, com vista para umas poucas montanhas da cordilheira Sierra Madre Ocidental.
Recuperamos o fôlego. Duas crianças empregam os deles a criarem vagas de bolas de sabão que o vento caprichoso faz circularem antes de se sumirem na vastidão.
O miradouro é uma paragem predilecta de namorados e famílias da região. Javier e a esposa, os pais das crianças, tinham lá chegado a tempo do ocaso exuberante que se desenrolava a oeste, que tingia o céu de quase tantos tons como o letreiro de Álamos.
Curioso quanto ao que por ali fazíamos, em terras de cartéis, tráfico e histórias de amedrontar, Javier indaga-nos. A resposta deixa-o surpreendido:
“De Portugal? E vieram até aqui, Álamos? Por essa não esperava.” Bom, por estes lados, tão patrulhados pelo exército, estão em relativa segurança, mas, já sabem como anda o nosso México…. vejam onde se metem!”
A Riqueza que se Esconde nas Paredes de Álamos
Anuímos. Retribuímos-lhes o interesse. “Nós somos de Navajoa. Não é longe de aqui. Um amigo nosso de Álamos meteu na cabeça que podia haver tesouros escondido nas paredes da casa.
Fomos até lá com o nosso detector de metais. No caso dele, não havia nada.” Javier preocupa-se, de imediato, em defender a sanidade mental do amigo.
“Eu conheço um homem que ficou muito rico. Encontrou três caixas cheias de moedas d’ouro numa casa de banho! Álamos sempre teve riqueza em abundância, sobretudo prata.
De uma maneira ou outra, muitas pessoas continuam esperançadas em encontrar algo que lhes mude a vida.”
Finda-se o crepúsculo. Abaixo, aos poucos, a iluminação artificial deixa a cidade a dourar. Voltamos a descer a escadaria, mais aos tropeções do que estávamos a contar.
Passamos o refúgio da Hacienda de Todos os Santos e o cerne colonial da povoação, disposto em redor da Plaza de Álamos.
La Alameda, a Praça Gastronómica da Cidade
Logo à chegada, tínhamos apurado que o filão local da gastronomia popular se encontrava em volta de uma praça secundária, alongada e dotada de grandes árvores, de tal maneira que as gentes a conheciam por “La Alameda”.
Ora, preenchiam o interior dessa plaza, bancas e roulotes. Ofereciam as usuais especialidades nacionais mexicanas, com umas poucas variantes que nos dificultam a escolha. Por fim, assentamos no estabelecimento de Doña Conchita.
Pedimos tacos, quesadillas e gorditas, umas em farinha de trigo, outras de milho.
Enriquecemo-los na mesa de guarnições e molhos. Repetimos, com a desculpa do muito que tínhamos calcorreado e, sobretudo, da conquista esforçada do miradouro.
Dessa vez, como noutras, exageramos e esperamos que a caminhada seguinte nos socorra.
Passa das oito da noite.
Álamos rende-se à paz do fim do dia.
É por essa tranquilidade, ao longo das ruas, não tarda, desertas que regressamos ao quarto pitoresco da Hacienda de Los Santos.
Para lá chegar, de novo, cruzamos os diversos pátios, pórticos e salões das três mansões e um moinho de cana-de-açúcar que compõem a imensa propriedade, tal como Álamos, datada do século XVII.
Da Passagem dos Conquistadores Espanhóis, à Descoberta de Prata
Se, à imagem de várias outras, a fazenda é, hoje, pertença de gringos endinheirados, a origem colonial da povoação confirma-se hispânica, nem poderia ser de outra forma.
O primeiro não indígena a fazer referência a estas paragens remotas do México terá sido o conquistador salamanquense Francisco Vásquez de Coronado, responsável por desbravar e, mais tarde governar, uma vasta secção da América do Norte, o sudoeste do México e o dos Estados Unidos.
Crê-se que foi, por exemplo, o primeiro europeu a avistar o rio Colorado e o Grand Canyon.
Durante a sua expedição pioneira, Coronado terá acampado com os seus homens entre os dois cursos de água principais da zona, o Aduana e o Escondido.
Referiu esses riachos e duas formações rochosas próximas que, devido a uma presumida parecença, baptizou como Los Frailes.
O nome inicial de Álamos foi, assim, Real de Los Frailes.
Fundou o lugarejo, em 1565, Domingos Terán de Los Rios, um soldado espanhol, obcecado pela descoberta de prata abundante em redor.
Decorrido apenas um ano, De Los Rios, tornou-se governador dos actuais estados de Sinaloa e Sonora.
Assegurou o término dos ataques indígenas.
Em simultâneo, a sua Real de Los Frailes forneceu muitos dos homens da expedição financiada pelos recém-enriquecidos proprietários de minas da região, à descoberta da Alta Califórnia.
A mais setentrional das profícuas Cidades de Prata mexicanas, Real de Los Frailes tornou-se a capital do estado mexicano de Occidental.
Uma Cidade da Prata Faustosa e em Recuperação
A riqueza extraída dos seus filões financiou também os edifícios faustosos da actual Álamos.
Formam um conjunto arquitectónico andaluz-colonial que é partilhado pelas várias Cidades de Prata mexicanas: Real de Catorze, Taxco, San Miguel de Allende, Guanajuato, isto, para referir apenas umas poucas
E em função do clima quente e seco, repleta dos portales que nos habituámos a apreciar.
São varandas e arcadas amplas e arredondadas, aperfeiçoadas para permitir aos moradores caminharem à sombra, em vez de sobre os calçadões expostos ao Sol e abrasivos.
Os donos da prata endinheirados ergueram as suas mansões em volta da Plaza de Armas.
E do coreto sempre disputado por quinceñeras entregues a sessões fotográficas, e da igreja Parróquia da Purisima Concepción que continua a abençoar a cidade.
A prata durou o que durou. À passagem para o século XX, os filões estavam esgotados.
Aos poucos, os milionários partiram e geraram uma migração mais abrangente.
Os edifícios grandiosos depressa entraram em ruína.
Até que William Alcorn, um fazendeiro americano, adquiriu um deles, transformou-o num hotel e fez de Álamos uma povoação na moda, ansiada pelos gringos apreciadores do exotismo mexicano e ansiosos por evasão.
O empreendedorismo de Alcorn deu o exemplo a vários outros investidores.
Não tarda, quase todas as mansões tinham sido recuperadas e pertenciam a norte-americanos, fossem dos E.U.A. ou canadianos e, uma parte substancial dos 185 edifícios da cidade, entretanto, declarados monumento históricos e Património Mundial da UNESCO.
O relativo isolamento nos confins ocidentais mexicanos, evitou que Álamos fosse vítima das torrentes turísticas que assoberbaram, por exemplo San Miguel de Allende e Taxco.
Alámos, subsiste, tranquila, elegante e sofisticada.
Num retiro peculiar de tons pastel, adornada por uma profusão de buganvílias.
La Aduana, uma das Várias Minas que Enriqueceram a Cidade
Damos uma “quinquagésima” volta à sua plaza central, quando reparamos num anúncio que promove uma visita a La Aduana, uma das quatro maiores minas de prata na génese de Alámos.
Ligamos para o guia a perguntar se ainda era possível. “Bom…eu estava a dormir uma siesta mas se querem mesmo ir, estou aí em dez minutos.”
Dito e feito. Ligo – assim se chamava – aparece na sua carrinha de passeios. Pelo caminho, exibe-nos um conjunto de buzinas com distintas funções.
La Aduana fica entre encostas.
Quando chegamos, o sol quase deixa de a iluminar.
Uns derradeiros raios douram a igreja local, a chaminé e uns depósitos de escória legados pela mineração, junto a figueiras-da-Índia com grandes raízes.
Apreciamos tudo um pouco com a curiosidade que o lugar nos merecia.
Ligo, adiciona um ponto de interesse inesperado: “Antes de voltarmos, vamos só comprar qualquer coisa ali ao abarrote local!” Entramos. Damos de caras com Ismael Valenzuela e com a fonte inesgotável do termo português “a abarrotar”.
Ligo e Ismael ainda nos chamam a atenção para o mostrador da loja, um balcão amplo que Ismael afiança ter mais de 400 anos.
Nós, só tínhamos olhos para a imensidão de produtos sobre ele expostos e dependurados na parede atrás, a formarem um conjunto tão denso que nos parecia que o merceeiro neles se poderia afundar.
O sol fê-lo, para trás das vertentes que escondiam as minas.
Regressamos a Álamos com a cidade iluminada pelos seus candeeiros de estilo parisiense geminados.
A cidade só aparentemente silenciosa.
Comprometida com o seu passado de opulência que a História e uns poucos norte-americanos têm feito por louvar.