À imagem de qualquer outro forasteiro que dê entrada na capital grega, sentimos a ansiedade expectável de admirarmos o seu mais icónico conjunto de monumentos.
Vedações próximas da estação de metro Akropoli impedem-nos de o contemplar.
Mesmo ofuscados pela luz intensa do quase estio mediterrânico, reparamos numa inesperada sinaléctica, reorientamo-nos e avançamos pela vertente sul da meseta que acolheu a antiga cidadela.
Embrenhamo-nos numa floresta de oliveiras, pinheiros-mansos e cedros. O trilho Dionysiou Areopagitou revela-nos segredos guardados pela folhagem e pelo tempo: a cisterna romana, a calçada de acesso ao anfiteatro Odeão de Herodes Ático, dissimulado pela vegetação.
Passado o entroncamento com a via Rovertou Galli, a Igreja Sagrada de São Demetrius Loumbardiaris, isolada numa clareira providencial.
Uma Manhã Ortodoxa-Cristã
Nessa manhã de Domingo, a vida germina como nunca na floresta da Acrópole. Sendo o Dia da semana ortodoxo do Senhor, o sacerdote do templo mal tem mãos a medir para os baptismos previstos.
Crentes, familiares e convidados entram na capela, todos eles numa elegância de marca que contrasta com o negrume asceta do padre.
Acendem velas.
Assim reforçam a luz que amarela as imagens dos santos e mártires que enfeitam as paredes de tijolinho.
Quando um novo baptismo deixa o templo à pinha, sentimo-nos em excesso. Voltamos ao exterior verdejante e fresco. E ao rumo inicial.
Uns metros a sul, subsiste a prisão de Sócrates, assim denominada por se crer que o filósofo ali foi detido antes do seu julgamento e da execução por envenenamento, de 399 b.C., acusado de rejeitar os deuses louvados por Atenas e de corromper moralmente a juventude da cidade.
Revertemos. Metemo-nos na via Theorias. Instantes depois, damos com a placa que expõe o sermão que o apóstolo Paulo deu ao Conselho e Tribunal Supremo que funcionava na mesma colina de Ares que buscávamos.
Decorriam 51 anos após o nascimento de Jesus Cristo. Paulo discursou determinado a fazer os atenienses trocarem a idolatria nos seus ídolos pela fé em Deus e no Salvador. Tempos depois, como tínhamos acabado de constatar na Igreja Sagrada de São Demetrius Loumbardiaris, o seu intuito seria cumprido.
Prova-se escorregadio o trilho que conduz ao cimo áspero de Areópago.
Enfim equilibrados e estáveis, deixamo-nos deslumbrar pelo que a colina nos revela.
Acrópole de Atenas, e a Vista para a Grécia Clássica
A leste, destacada acima de uma vaga vegetal, sobrevoada por nuvens densas mas alvas, insinuava-se a Acrópole: o templo Partenon, o santuário de Zeus, o templo de Atena e outros dos santuários e edifícios que compõem o núcleo histórico da civilização ateniense.
Uma frente de casario quase tão branco como as nuvens invadia a floresta contígua.
Deixava-nos perceber o que cercava a Acrópole em quase todas as restantes direcções: o casario moderno da Atenas contemporânea, abrigo de mais de 600.000 cidadãos, se considerada a mera municipalidade.
Para cima de três milhões, se tivermos em conta a área urbana que a envolve e que preenche a região de Ática.
Satisfeitos com a nova conquista, regressamos ao sopé da Acrópole.
Plaka e os Bairros Vizinhos e Destoantes de Atenas
Apontamos ao bairro anexo e quase-pedestre de Plaka, o mais conservado da capital grega, um pedaço pitoresco e colorido de Atenas que levanta o véu ao que qualquer visitante da Grécia encontrará nas ilhas gregas dos mares Egeu e Jónico.
Lá nos deparamos com uma primeira montra, turística até mais não, do alfabeto, da arquitectura, da gastronomia, das moussakas, fasoladas, dos outros cheiros, cores e até tons de vozes característicos da nação helénica.
Isto, ressalvando que, de Creta à Macedónia, tais características se multiplicam e diferenciam em incontáveis variantes.
Nos tempos menos polidos dos anos 70, em vez dos cafés e restaurantes, lojas de recordações e afins, o bairro de Plaka concentrava a vida nocturna de Atenas, repleta de boîtes e clubes nocturnos, suspeitos e barulhentos.
Demasiado ruidosos e repelentes para a estratégia de acolhimento que as autoridades delinearam, almejante de uma cidade agradável e harmoniosa, grandiosa à altura do património milenar que quase todos os forasteiros ansiavam contemplar.
Dessa feita, as autoridades levaram a melhor. Nem sempre tais triunfos são fáceis, em Atenas.
Echárchia, um Domínio Sempre Insatisfeito e de Esquerda
Do que conhecemos, com o tempo, os atenienses – sobretudo os seus jovens estudantes – tornaram-se contestatários e irascíveis. Satisfeitos com as buganvílias, as escadarias, as esplanadas e as decorações alegres de Plaka, deixamo-nos levar.
Passamos para os bairros de Monastiraki e de Echárchia.
As ruas tornam-se mais escuras, sujas e opressivas. Os murais criativos dão lugar a pinturas de luta. Não nos lembrarmos de outro lugar à face da Terra com tamanha concentração de protestos grafitados.
Desde há muito, Echárchia acolhe as almas e mentes desenquadradas e inconformadas da cidade. Preserva uma velha fama de reduto esquerdista, socialista, anti-fascista e, amiúde, anarquista. Sem surpresa, também se tornou o domínio preferido dos intelectuais e criadores de Atenas.
Durante a crise financeira de 2008-2009, quando a Grécia sucumbiu à sua gigantesca dívida, sofreu a contestação dos países do norte da Europa e se viu nos braços controladores do FMI, Echárchia e os seus moradores e filhos, mantiveram-se mais activos que nunca.
A Grécia ainda luta para contornar esses tempos. Guia-a, como sempre, a Cidade Europeia da Sabedoria e da Razão. A cidade de Sócrates, de Péricles, de Sófocles e de Platão.
E da democracia ateniense, a forma de governo que permite às gentes de Echárchia, de Monastiraki, de Akadimia e por aí fora, discordarem, debaterem e, até, com frequência – factos acima de qualquer juízo de valor – exagerarem e danificarem Atenas e o estado grego.
Ascensão às Alturas Históricas da Acrópole
Por homenagem à forma de governo respeitadora em que tivemos o privilégio de crescer, empreendemos nova ascensão. Já tínhamos admirado à Acrópole à distância. Estava na altura de a frequentarmos.
Voltamos a contornar a meseta, desta feita pelo caminho Peripatos, e pelo seu sopé norte. Subimos pelo pórtico Beulé, para o socalco entre o templo de Atena Nice e o Monumento de Agrippa.
Cruzamos a entrada monumental do Propileu. Insinuam-se as colunas dóricas e jónicas do templo supremo de Atena, mandado erguer por Péricles.
No extremo oposto da meseta, diante do Templo de Roma e de Augustus, reparamos que as riscas da t-shirt de uma visitante quase emulam as azuis e brancas da bandeira grega.
Acercamo-nos do muro que envolve a plataforma rochosa.
Dali, voltamos a louvar o casario branco-sujo sem fim de Atenas, como que perfurado pela protuberância florestada do Monte Licabeto (277m), o zénite da cidade.
E a Conquista do Monte Licabeto, o Zénite de Atenas
Viríamos de igual maneira a conquistá-lo, com a batota do funicular conveniente que parte de uma meia encosta do bairro de Dexameni.
Atenas poderá não possuir sete colinas, como Roma, a rival da Era Clássica, ou como Lisboa. Tem, no entanto, subidas e descidas que nos mantêm exercitados, desejosos de mussaka e de especialidades helénicas tão ou mais calóricas.
A vista do monte Licabeto revela-nos parte do velho estádio Panatenaico, lugar dos Jogos Olímpicos pioneiros da Era Moderna, de 1896. Desvenda-nos a face norte da Acrópole.
E, a meio da descida, a visão surreal do Partenon sobranceiro a uma comunidade de prédios retalhados em dezenas de varandas floridas, protegidas do sol por toldos brancos e cremes condizentes.
A Praça Sintagma e a Mais Famosa Coreografia da Cidade
Sem sabermos bem como, a descida deixa-nos na Praça Sintagma.
Damos entrada no âmago político e social de Atenas e, por conseguinte, da Grécia, onde, desde 1934, o Parlamento ocupa o velho, faustoso e neoclássico Palácio Real, cercado pelos jardins nacionais.
Por ali, junto ao Túmulo do Soldado Desconhecido, a Guarda Presencial leva a cabo um render da guarda único, grego e helénico até à medula dos militares que têm o privilégio de o executar.
A coreografia repete-se de hora a hora. Afortunados, pouco temos que esperar.
Militares protegidos do sol por barretes com pendentes, enfiados em coletes negro-dourados, em túnicas-saias brancas que oscilam acima de meias-altas e sapatos ocres, com pontas de pompom repetem passos de pé em riste e espingarda angulada.
Um no sentido do outro e, logo, de volta às suas guaridas.
Findo o cerimonial, numa maratona de exploração que insistíamos em ganhar, passamos pelo arco de Adriano e pelo Templo Olímpico de Zeus que Adriano dedicou ao Pai dos Deuses Gregos.
Na manhã seguinte, zarpamos do porto de Pireus para o arquipélago das Cíclades.
Cientes da urgência do regresso e de quanto Atenas ainda tinha por desvelar.