Chegarmos a Baton Rouge, provindos de New Orleans, gera-nos um choque de assepsia com que não contávamos.
De um momento para o outro, some-se a arquitectura francesa e secular de madeira e ferro fundido.
Somem-se as cores fortes, a multidão irrequieta, o cheiro a erva (leia-se maconha) e o pivete pós-noites de festim das Bourbon e Frenchmen Streets. Devemos ressalvar, em defesa de Baton Rouge, que entrámos directos no seu centro e nele nos mantivemos.
Sem perdermos de vista o Lousiana State Capitol, o assento do governo federal do estado, edifício símbolo da cidade, que a identifica e localiza até de dezenas de quilómetros de distância. Com a forma de um T invertido, o edifício tem 140 metros de altura e trinta e quatro andares.
É o mais alto de Baton Rouge, mas já apenas o sétimo do Luisiana.
O novo Lousiana State Capitol em forma de torre substitui o anterior capitólio, uma obra de arte em tudo distinta, erguido em 1846, com o propósito de evitar uma concentração excessiva de influência política em Nova Orleães, a maior cidade do Luisiana.
À época, a quarta maior dos E.U.A.
Quando o visitamos, depressa percebemos o porquê do edifício com arquitectura de palacete, repleto de vitrais prodigiosos, se preservar um dos edifícios históricos incontornáveis da cidade.
A par com o novo Capitólio do Luisiana, claro está.
O Arranha-Céus Emblemático do Louisiana State Capitol
Ao contrário do que acontece na maior parte das urbes dos Estados Unidos, o arranha-céus do sucessor desponta para o céu numa absoluta solidão.
Em sua volta, ao nível do solo e em contraste com o calcário das fachadas, espraiam-se um lago e dois jardins, incluindo o do Veteran’s Memorial Park, todos contíguos e desafogados.
Ir a Baton Rouge e não subir ao topo do seu State Capitol é bem mais difícil e grave que ir a Roma sem ver o Papa.
Disso conscientes, intrigados pela grandiosidade e excentricidade do edifício e pelo que nos revelaria o seu panorama a 360º, damos-lhe prioridade.
No caminho pedestre a partir do hotel em que estávamos instalados, uns poucos edifícios menores bloqueiam-nos, por momentos, a vista do colosso.
Assim que entramos na N 4th Street, virados a Norte, voltamos a tê-lo pela frente, a aumentar a cada passo.
Passamos a catedral de St. Joseph e por entre uns poucos grandes prédios de faces escurecidas.
A norte da North Street, damos entrada no domínio geometrizado que serve de preambulo, lugar de departamentos, da biblioteca e do museu estatal.
Nos jardins do complexo, distrai-nos uma população de esquilos ocupados com a sua recolecção.
Uma faixa ampla de estacionamento gera um hiato no verde.
Do lado de lá, fazemo-nos à escadaria do Capitólio, feita de 49 degraus de granito, cada qual com o nome de um dos outros estados dos E.U.A., na ordem por que se tornaram estados.
Na base da escadaria, para conseguirmos avistar a cúpula distante do arranha-céus, já nos vemos forçados a uma inclinação dramática do pescoço.
Subimo-la entre as duas esculturas que a flanqueiam.
Uma, a “Patriots”. A outra, “Pioneers”.
Nesta, alinham-se as figuras mais preponderantes na colonização do Luisiana, a partir da expedição francesa pioneira.
Vencida a escadaria, acedemos ao Memorial Hall.
Dão-nos carta branca para cirandarmos.
Espreitamos a Câmara do Senado.
Encontramo-la vazia.
Metemo-nos num dos elevadores e antecipamos a subida ao topo panorâmico.
À boa maneira americana, chegados ao andar de saída, damos com uma gift shop.
Trocamo-la pelo exterior.
Tinha decorrido um bom tempo desde que deixámos o hotel.
Os Panoramas Desafogados do Âmago do Luisiana
A meio de Outubro, ainda faz um calor húmido e opressivo. Reparamos numa frente de cumulus nimbus distantes, mas enormes, com bases escurecidas e relampejantes.
Tinham-se formado sobre o Golfo do México. Internava-se no Luisiana, na nossa direção.
Damos a volta à cúpula.
Admiramos como Baton Rouge se disseminava na margem leste do Mississipi, com o retalho diminuto de West Baton Rouge do outro lado do rio.
Também por ali, percorrem o Mississipi incontáveis navios, sobretudo barcaças.
O porto local é, aliás, no que diz respeito a tonelagem, o décimo dos E.U.A.
Para norte, estendem-se instalações petroquímicas imensas, detidas pela famosa petroleira Exxon Mobil, outra das provas de como Baton Rouge se tornou um dos principais polos industriais e tecnológicos do Grande Sul americano e a capital do Luisiana.
Em boa parte, devido às mentes determinadas e ambiciosas de alguns dos seus políticos.
Huey Long: de Ditador em Incubação a Vítima de Assassínio
Mesmo na Democracia vulnerável dos Estados Unidos, quando as ideologias e interesses chocam, ocorrem actos tirânicos e tragédias. Se Dallas vitimou John F. Kennedy, Huey Long viu-se vitima de Baton Rouge.
Naquele mesmo Capitólio que Huey Long tudo fez para ver erguido enquanto torre e onde manteve um apartamento no 24º andar, diz-se que por considerar que a altitude ajudaria a curar a febre dos fenos que o apoquentava.
Huey Long evoluiu de vendedor-ambulante até advogado conceituado.
Enquanto democrata, populista como poucos outros, tornou-se o 40º Senador, dono e senhor do Luisiana, não tarda, com ambições presidenciais.
Huey Long tornou-se de tal maneira manipulador e controlador que o historiador David Kennedy não teve pejo em escrever “que o seu regime, no Luisiana, fora o mais próximo de uma ditadura que a América tinha conhecido”.
Em Setembro de 1935, Long entrou no Capitólio determinado a aprovar uma série de leis que consolidariam uma opressão cada vez mais antidemocrática do seu estado, incluindo a remoção de um juiz seu opositor que representava um determinado distrito há 28 anos.
Pelas 9h20 da noite do dia 8, Huey conseguiu-o. Mais que indignado, irado, o genro do juiz, de seu nome Carl Weiss acercou-se de Huey Long e disparou um único tiro. Huey faleceu trinta e uma horas depois. Weiss, esse, soçobrou de imediato.
A 60 balas disparadas pelos seguranças de Huey Long que tinham as alcunhas de Cossacos e de Esmaga-Crânios. Huey Long foi sepultado junto ao “seu” capitólio, uma estátua acima da sepultura honra-o.
Uma enorme oposição via-o como um tirano populista. E, no entanto, mais de 200.000 pessoas acompanharam o seu funeral.
Terminamos a volta pelo museu do Capitólio que descreve estes factos. Caminhamos rumo à biblioteca estadual, no extremo sul dos Capitol Gardens.
A Meteorologia Tropical e Ensopada de Baton Rouge
As nuvens que tínhamos avistado do alto da varanda panorâmica estavam iminentes. Sob os cumulus nimbus, o sol abrasador dá lugar a sombra.
Num ápice, as nuvens libertam uma bátega assustadora.
Refugiamo-nos no Museu do Capitol Park.
Lá nos entretemos, com a história, a tradição e a cultura cajun do Luisiana.
Meia-hora depois, a bátega já tinha debandado para norte.
Regressamos ao exterior, com o sol a debater-se com as nuvens remanescentes.
Decidimos prosseguir até ao Mississipi. Seguirmos a sua margem a leste do Capitólio para sul, a ver o que nos revelaria.
A Marginal Elevada que protege a Cidade do rio Mississipi
A tarefa estava facilitada por uma marginal separada da cidade por uma tal de Riverside Road movimentada, uma marginal elevada, preventiva de inundações, uma imagem de marca estrutural no Luisiana sempre vulnerável aos furacões.
Cruzamo-nos com joggers, com namorados e com um bando de jovens BMXs que tudo fazem para que fotografemos algumas das suas manobras “Y’all should shoot this one, bro, this one is special!”.
Tínhamos chegado à Riverfront Plaza da cidade.
Uma ponte elevada com origem num complexo de pavilhões e espaços de exibição passava sobre a River Road e continuava para a City Dock.
Já sobre o Mississipi e ao lado navio USS KIDD, o único Destroyer americano que sobreviveu à 2ª Guerra Mundial e que se mantém tal e qual, por ali fundeado em jeito de museu-memorial.
Dessa Riverfront Plaza, destaca-se ainda o mastro que celebra a génese colonial da cidade.
Foram os franceses os primeiros europeus a explorarem estas partes das Américas, uma comitiva liderada, em 1698, por Pierre Le Moyne d’Iberville.
Ora, narrativas dessa expedição revelaram que, ao chegarem àquela zona do Mississipi, os franceses encontraram um bastão, vermelho como o que tínhamos perante nós, espetado na margem.
Apuraram que marcava uma divisória entre o domínio dos indígenas Houma e o dos Bayagoula.
Segundo os escritos de André-Joseph Pénicaut, um carpinteiro que viajava na expedição, os nativos já chamavam ao lugar Istrouma (mastro vermelho). Os colonos franceses eternizaram o nome actual de Baton Rouge.
E se New Orleans goza da sua fama planetária, Baton Rouge prolifera no seu outro lugar de destaque.