Juntos, percorremos o longo trilho acima das águas, na base de um quase túnel de copas verdejantes, sulcado por inúmeras raízes que irrigam as árvores.
Chegados ao molhe, embarcados, Rosa Arguedas Sequeira, a guia e mulher do leme pergunta-nos: “e agora, querem ir para a esquerda ou para a direita?”. Como Rosi (assim a tratam os demais cañonegrenses) bem sabia, a questão suscitava, pelo menos, uma adicional.
Assim que acabámos de retorquir, tratou de nos esclarecer, com a tranquilidade sorridente que dela ainda retemos. “Bom, para a direita, o rio entra em terras mais abertas e, por isso, é mais fácil avistarmos aves.
Para a esquerda, é sinuoso, estreito e flui entre selva. Para ali, encontramos mais mamíferos e répteis, também algumas aves.
O rio em questão era o Frio. Uns dias mais tarde, haveríamos de nos mudar para o domínio do vulcão Tenório em que nasce.
Por enquanto, explorávamos a parte baixa da sua bacia, ainda a meio caminho da foz inusitada, em que se entrega ao rio San Juan, no ponto exacto em que este se lança do sudoeste do lago Cocibolga, já em terras da Nicarágua, como é também chamado o lago.
Antes de nos fazermos aos incontáveis meandros do Frio, detemo-nos para uma subida estratégica à torre de observação do Caño Negro, a apenas umas centenas de metros do molhe. Subimos os três.
A Revelação Panorâmica de Caño Negro
Do topo, desvendamos a vastidão alagada do humedal que o rio por ali gera, um conjunto de grandes lagoas tom de terra com mais de 8km2, que se destacavam da imensidão verde do norte da Costa Rica.Rosi aproveita o panorama a 360º para nos elucidar melhor.
Já não tanto acerca a geografia do Frio, em vez, sobre o magnetismo que as suas águas espraiadas exercem em centenas de espécies de aves migratórias vindas sobretudo do Norte, algumas delas, em perigo de extinção.
“Vejam que durante a época das chuvas, de Junho a Novembro, tudo o que veem é um grande mar de água doce.
Não se consegue identificar nem o rio nem as distintas lagoas. Depois, a chuva diminui de forma progressiva e o sol da época seca faz evaporar boa parte da água”
Uma Zona Inundada com uma Vida Selvagem Prolífica
A consequência que tínhamos a toda a volta representava um ponto de escala ou de estância providencial para íbis, cegonhas e garças, os intrigantes arapapás, patos com fartura, corvos-marinhos e muitos outros.
Criaturas asadas à parte, o rio Frio sempre foi abençoado com uma rara profusão e diversidade de peixes.
Sem surpresa, na ausência de modernidade e de passatempos sofisticados, impossibilitados de se banharem naquele que é habitat de tubarões-touro que sobem o rio a partir do lago Nicarágua, de caimões, crocodilos e dos seus predadores jaguares e pumas, os habitantes da região veneram a pesca.
Voltamos ao solo. Reembarcamos. Prosseguimos para jusante.
Da “recta” de que tínhamos zarpado, o Frio não tarda a submeter-se a um trajecto de sucessivos esses subsumidos na sombra da floresta tropical.
Todo o Pueblo de Caño Negro à Pesca
Daí em diante, deparamo-nos com pequenos barcos com gente a bordo, quase todos de canas de pesca em riste, silenciosos, compenetrados na superfície da água, por essa altura, escura mas ainda assim translúcida.
Alguns dos barcos, o “Rey Plateado”, o “El Gaspar”, víamo-los como obras de arte vivas, como estátuas fluviais deslumbrantes, monumentos à família, à amizade e à solidariedade de Caño Negro.
Reconhecíamos uma ou outra face de nativos que nos tinham servido refeições, ou visto a saborear as suas.
Rosi conhecia-os a todos. Alguns, eram seus familiares. Mesmo tendo em conta que Rosi e o marido habitavam uma casa e propriedade situada numa ilha do rio Frio, outros eram vizinhos.
“Então mas e não alaga durante a época das chuvas?” questionamo-la, preocupados com a precariedade da morada. “Pois…não. O lugar foi escolhido também por isso.
É um dos poucos que sempre esteve acima da subida das águas.”
Rosi continua a pilotar o barco coberto em que seguíamos entre as comitivas piscatórias.
Uma Inundação de Animais Selvagens
E, para nossa delícia fotográfica, a revelar-nos as espécies animais de Caño Negro, abundantes aningas e garças, jabirus, crocodilos, lagartos basiliscos, um gangue uivador de macacos bugios, iguanas alaranjadas, martins-pescadores e até uma colónia de morcegos a dormirem agarrados a um tronco sobre o rio.
E peixes, claro está. Os que de quando em quando, saltavam para fora de água. Os que os corvos-marinhos e anhingas devoravam inteiros.
Os robalos, guapotes (ciclídeos-lobos) e outros que os pescadores fisgavam.
A Atracção Pré-Histórica do Peixe Gaspar
Quando nos cruzamos de novo com o “El Gaspar”, o sobrinho de Rosi já tinha feito justiça ao nome do barco. A bordo, seguia um recém-pescado gaspar (Atractosteus tropicus), um dos peixes realmente emblemáticos do México e América Central, de Caño Negro e de algumas outras partes da Costa Rica.
Pescar um gaspar é uma tarefa que requer ou enorme conhecimento e prática ou uma sorte gigantesca. O gaspar é um predador potente e astuto, tão vigoroso e letal para os outros peixes que também é tratado por pejelagarto.
O que vai de encontro ao seu perfil improvável de peixe fóssil vivo, com uma fisionomia que pouco ou nada mudou desde há mais de 65 milhões de anos, desde a era dos dinossauros.
A destreza de os pescar parece correr na família de Rosi. Joel Sandoval, o seu marido, guia de pesca, detém o recorde do maior exemplar capturado.
Dois dias mais tarde, haveríamos de o encontrar no mesmo molhe em que, entretanto, desembarcámos.
Intrigados por não vermos um único barco em redor perguntamos-lhe onde andavam os pescadores de Caño Negro. Recebemos uma resposta de perito: “quando vocês os viram, o Rio Frio estava perfeito para pescar.
Só que, entretanto, mudou tudo.
Aqui choveu um pouco. Mas, na zona das montanhas, por onde o rio nasce (vulcões Tenório e Miravalles), tem sido um dilúvio.
A água do rio tornou-se lamacenta e opaca e, por uns dias, não vai dar para pescar.”
Joel esclarece-nos com entusiasmo, às tantas, algo saudoso do Caño Negro de antes. “Agora é uma porção do que chegou a ser. Em dias ventosos, o volume da água e as vagas eram tais que não podíamos sair com os barcos para o rio ou para as lagoas. Era demasiado perigoso.”
Despedimo-nos. Na sequência, conjecturamos se, além do famigerado aquecimento global, não seriam o aumento exponencial de plantações agrícolas e de pasto em redor, verdadeiros sorvedores de água, co-responsáveis pelo tanto que o Caño Negro minguara.
Terminada a volta fluvial, Rosi dedica-se a um grupo de visitantes ticos. Nós, passamos para o barco de Jimmy Gutierrez.
O mais recente anfitrião conduz-nos até ao Rancho Pitin, uma propriedade e negócio da sua família, situada sobre um meandro em que o Frio se espraiava em mais uma vasta lagoa.
Quando desembarcamos, a família de Jimmy em peso zarpava num único barco, fretado para se juntar à pesca comunitária.
Jimmy, o irmão e a esposa deste tinham-se sacrificado em função do dever.
Mostram-nos o edifício principal do rancho, ao mesmo tempo, restaurante, bar e lugar de confraternização dos visitantes que lá afluíam para incursões piscatórias, tours ecológicos, cavalgadas e outros programas.
O trio explica-nos a génese do negócio.
Também nos chama a atenção para o trabalho incrível do pai Pedro Gutierrez, que construíra o edifício quase todo em madeira, boa parte dela recuperada de troncos, cepos e ramos que a Natureza e as cheias de Caño Negro, em particular, lhe concederam.
Além da arquitectura do edifício, Pedro Gutierrez também se preocupava com a decoração. Alguns dos tampos de mesas e assentos do estabelecimento tinham sido aprimorados com pinturas garridas de araras, garças e outras criaturas asadas do humedal.
Em jeito de ajuste ao nome da propriedade, deixamos o Rancho Pitin a cavalo, ao longo das margens enlameadas do rio, de tal forma ensopadas que, a cada novo passo, os equinos se tinham que aplicar para que as suas patas se soltassem do lodaçal.
Assim mesmo, em modo pantaneiro, chegamos ao centro da povoação.
Passada a pequena esquadra local da polícia, damos entrada no restaurante “Luna Mágica” de Jorge Zelledon, um dos pousos gastronómicos incontornáveis de Caño Negro, como o é o “Fogón Caño Negro” que, noutras ocasiões, nos restabeleceu de energia e deliciou com os melhores pratos do norte tico.
Quando nos mudámos para o sopé dos vulcões Tenório e Miravalles, sabíamos que tínhamos acabado de desvendar uma Costa Rica preciosa.
Onde Ficar em Caño Negro:
Pousada Rural Oásis – PosadaOasis.com