A estrada dos Dragões mantem-se de tal maneira áspera e irregular que, ao volante do jipe, Eduardo conduz sobre os 30km/h, quase nunca mais que isso.
Aproveitamos para apreciar os cenários do Cerrado.
As fazendas isoladas, os ipês garridos, os buritis que sinalizam água, nem que seja no subsolo, e a boiada disseminada nos prados em redor.
Abundam os riachos e as cachoeiras.
Avançamos, aliás, entre várias.
Na iminência da dos Dragões, a estrada desvia para o destino que lhe granjeou o nome. Quase cedemos à tentação. Resistimos.
Desprovido de riachos ou cursos de água permanentes – o mais próximo será o córrego do Maneta que passa a alguma distância – em plena época seca da região, o lugar inusitado que almejávamos depressa aqueceria e se tornaria abrasivo. Cristiano Costa, Eduardo e Jorginho sabiam-no.
O Deslumbre Geológico da Cidade de Pedra
A cerca de 50km de Pirenópolis, 140km para oeste de Brasília, por fim, damos com a excentricidade geológica que nos movia, a Cidade de Pedra, situada bem acima dos 1000 metros de altitude, em vez dos quase 800 de que tínhamos partido.
Cristiano Costa convida-nos a segui-lo. Do forro de prado, de arbustos ásperos e árvores tresmalhadas, desponta uma profusão de pináculos de rocha estratificada, cinzenta, parda, aqui e ali, escurecida, com dominante ocre ou manchada de líquenes.
Alguns pináculos têm para cima de 40 metros de altura. A Cidade de Pedra ocupa bem mais de 6km2. É quase toda feita de quartzito, com origem estimada no período Neoproterozoico da Terra, algures entre há 1000 milhões e 540 milhões de anos.
Daí para cá, desgastada e erodida sem tréguas.
O seu ponto mais elevado e o da Serra de São Gonçalo de que faz parte é o Pico do Maneta. Fica no cimo de uma destas formações rochosas, aos 1305 metros.
A Maior de Várias Cidades de Pedra do Brasil
Devemos ressalvar que existem, no estado de Goiás e, sobretudo, no centro do Brasil, outras paisagens definidas como Cidade de Pedra, com geologia, fauna e flora comparáveis. Existem, por exemplo, as Sete Cidades do estado do Piaui.
E Vila Velha, principal atracção turística de Ponta Grossa, no interior do Paraná. Nas imediações de Goiás (Velho), terra de Cora Coralina, na Serra Dourada vizinha, tivemos oportunidade de explorar uma das congéneres mais próximas.
Ao fim de uns poucos quilómetros na peugada de Cris, já concluíamos que as duas que conhecíamos ficavam aquém. Diversas medições tinham, aliás, comprovado que a Cidade da Pedra da Serra de São Gonçalo era a mais vasta do imenso Brasil.
Instantes depois, percebíamos porque se preservava tão labiríntica, inóspita e selvagem.
A Cidade de Pedra não é lugar em que qualquer um se meta sem se perder. Entre os rochedos, também o sinal de telefone desaparece.
O que aparece com frequência, sobretudo nos meses mais quente e secos, são as cobras, várias venenosas: cascavéis, jararacas-pintadas, cobra-coral e tantas mais.
Durante expedições de estudo, foram identificadas pegadas de veados e também de um felino grande, possivelmente uma onça-parda (puma). Cristiano afiança que patrulham também a região onças-pintadas e até uma negra.
Cidade de Pedra e as suas Formações Ruiniformes e Labirínticas
Cris explora a Cidade de Pedra desde 2003.
Guarda na memória os seus trilhos esquivos e caprichos. Habituou-se a associar os trilhos às formações ruiniformes peculiares, quando o âmbito é lítico, sempre as há.
Cris revela-nos o caso claro de pareidolia do “elefante”.
Passamos por uma formação “orangotango”, por uma “bruxa”, pelo “golfinho” e pelo “índio”.
Umas, identificamo-los de caras. Outras, requerem o seu tempo de contemplação e esforço imaginativo.
Sem desprezo pelas sucessivas esculturas erosivas, deslumbra-nos, sobretudo, a imensidão e estranheza da Cidade de Pedra no seu todo.
As distintas aglomerações desdobram-se em ruas, avenidas (desfiladeiros), praças e bairros que o Cerrado procura, em vão, suplantar.
O Cerrado que há muito decora a Cidade de Pedra
Compõem o bioma local distintos tipos de plantas:
veloziaceas de que se destaca a predominante e pré-histórica vellozia, localmente conhecida por canela-d’ema, que pode chegar aos seis metros de altura, com uma flor azul, lilás e amarela exuberante, geradora de chás terapêuticos, diz-se que até comestível.
Abundam também eriocaulaceas e bromeliaceas. Em termos de cor, várias bromeliaceas ofuscam as demais.
Um tipo de eriocaulacea, destacada mais pela forma que pela cor e que se tornou o símbolo vegetal do Cerrado, surge amiúde.
Trata-se da sempre-viva (paepalanthus), também chamada de chuveirinho devido à óbvia parecença.
Como seria de esperar, no Brasil, é ainda tratada por uma série de outros termos exóticos: pepalanto, palipalan e capipoatinga.
Entre canelas-d’ema, chuveirinhos, cactos e monumentos ruiniformes, percorremos os mais de 9 km do percurso que cruzava o âmago da Cidade de Pedra. Com as sucessivas paragens para fotografias e explicações, fazemo-lo em quatro horas.
Até à água que carregávamos quase se sumir e o sol e a aridez nos começarem a desidratar.
Uma Cidade Envolta em Mistério e de Controvérsia
Já não precisávamos de confirmação, mas, sentíamos na pele e nos pulmões a dureza e inclemência daquela versão estival e tropical da Cidade de Pedra, motivo para, malgrado o nome, ao longo dos tempos, nunca ter acolhido ninguém, nem uma estrutura humana que fosse.
E, no entanto, mesmo decretada geossítio e, no papel, protegida, até há vinte e poucos anos atrás, a Cidade de Pedra integrava uma fazenda registada.
De quando em quando, ainda são avistadas nas suas artérias e jardins rupestres cabeças de gado em modo de pasto, pertença de fazendeiros da região.
Por mais mirabolante e grandiosa que se tenha provado, dificilmente a Cidade de Pedra se manteve oculta por muito tempo.
Des Genettes e a sua Insustentável Alegada Descoberta
Abundam, na Internet, os testemunhos e registos de que a teria descoberto um francês tornado brasileiro, Francisco Henrique Raimundo Trigant Des Genettes, médico, prospector, naturalista, político, revolucionário, entre outros talentos e ocupações.
Após a sua viuvez, também padre.
Um autor de nome Paulo Bertran, em particular, tem divulgado que des Genettes foi o descobridor da Cidade das Pedras e o autor do manuscrito “Descripção da Cidade Perdida da Cordilheira dos Piryneos da Província de Goyaz”, supostamente enviada, em 1871, ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e até ao Imperador D. Pedro II.
D. Pedro II, era sério adepto da arqueologia. Nesse mesmo ano, tinha viajado ao Egipto e dedicava-se a explorar o país dos Faraós.
Ainda segundo Paulo Bertran, des Genettes afirmava, no seu escrito, “ter descoberto nos Montes Pirínicos a Cidade Perdida dos Atlantes, cobrindo uma grande extensão de terreno, com muralhas para fortificações, largas ruas e praças, ao longo dos quais observou ruínas “muito erodidas” de estátuas, de templos gigantescos, teatros, palácios, residências e túmulos…”
Tal descrição carece de qualquer sentido e classificamo-la assim, para nos mantermos diplomáticos.
Se Des Genettes era tão estudioso e erudito como ficou para a História e como o descreve Paulo Bertran – mesmo dando o devido desconto ao desfasamento cronológico e geográfico do interior brasileiro – ao deparar-se com formações rochosas, desprovidas de vestígios arqueológicos, só por delírio palúdico concluiria tratarem-se de ruínas de construções humanas.
Pior ainda, de uma “cidade perdida dos Atlantes”.
Por outro lado, o IHGB terá já esclarecido que não possui nem tal escrito de Des Genettes, nem nenhum relativo à Cidade das Pedras de Goiás.
A Génese Aurífera e Bandeirante da “vizinha” Pirenópolis
Acrescentamos nós factos e uma lógica que obsta a que a Cidade das Pedras só tenha sido descoberta em 1871.
A povoação percursora da Pirenópolis foi o arraial garimpeiro de Meia Ponte, fundado, em 1727, por Manoel Rodrigues de Tomás, em relação com o famoso bandeirante Anhanguera.
Com base nesse arraial, os bandeirantes almejavam novas jazidas de ouro, abundante na região. Ora, a Cidade das Pedras dista menos de 50km de onde surgiu Meia Ponte.
Como se explica que, durante quase 150 anos e até nos anos anteriores ao arraial – num contexto de busca obsessiva do metal precioso, nenhum colono português, nenhum mineiro, bandeirante, servos e até os nativos com que aqueles interagiam, se tenham deparado com uma paisagem extraterrena com 6 a 12 km2 de extensão?
No que nos dizia respeito, após 4 horas de exploração, estávamos derreados e satisfeitos.
Concordamos em abreviar o regresso, de maneira a ainda passarmos no Morro do Cabeludo, outra elevação famosa da zona, a mais gráfica da Serra dos Pireneus, à imagem da Cidade das Pedras, feito de quartzito.
Nos dias seguintes, em jeito de terapia, prendamo-nos com banhos nalgumas das quedas d’água e lagoas imaculadas em redor de Piri.
A do Lázaro, a de Santa Maria, outras mais.
Como Ir:
Reserve o voo Lisboa – Brasília, com a TAP: flytap.com por a partir de 820€. A partir de Brasília, poderá viajar em carro alugado ou autocarro até Pirenópolis, 2h30 em carro, até 4h em autocarro.
Organize a sua expedição à Cidade das Pedras com o guia mais experiente, Cristiano Costa, de Pirenópolis,
Whats App: +55 62 991 887 789.