Pelo menos nos dez dias seguintes, eram nulas as hipóteses de conseguirmos voo.
Vêmo-nos obrigados a ultrapassar a desconfiança e o receio. E a comprar bilhetes para um dos barcos que assegurava a rota El Nido – Busuanga, a principal ilha do arquipélago filipino Calamian.
O sol ainda nasce. Subimos a bordo de uma bangka garrida, de dimensões maiores que as habituais numa bangka.
Para todos os efeitos, tratava-se de uma simples embarcação típica, de madeira, equipada com flutuadores laterais, desadequada a longas travessias e a ondulação.
Instalamo-nos a bordo o melhor que podemos e com a companhia de outros passageiros franceses, ingleses e australianos.
Quando a bangka zarpa, submetemo-nos ao destino.
A Navegação Precária entre El Nido e Coron
A viagem para norte do Mar da China do Sul prossegue. O timoneiro filipino ao leme, trata de que avancemos o mais possível ao longo da costa.
Ainda assim, acabamos por enfrentar ondas que ensopam a embarcação e obrigam os tripulantes a recorrer a uma velha bomba de extracção de água.
Os trajectos por que seguimos sem a protecção de ilhas são, felizmente curtos. Apesar de longa e emocionante, a navegação termina sem incidentes.
Já é de tarde, quando desembarcamos em Coron.
Sea Dive: check in no Hotel Local dos Mergulhadores
Cumprida uma caminhada curta, damos entrada no Sea Dive, um hotel de quatro andares plantado à beira-mar, humilde mas acolhedor.
Como o nome deixa antever, é conhecido por reunir mergulhadores de todo o mundo, forasteiros ávidos por descobrir sobretudo os destroços de uma armada nipónica que jaz ao largo da ilha vizinha de Coron, entre os dez e os quarenta metros de profundidade.
Pouco depois de nos instalarmos, conhecemos Andy Pownall, o proprietário de uma pequena reserva insular próxima, especialista no tema.
Quando a Força Aérea Americana Afundou uma Frota Nipónica Mal Escondida
Andy apressa-se a desbobinar à história deslumbrante daquele agora museu subaquático: “Em 1944, durante a fase asiática da 2ª Guerra Mundial, os norte-americanos bombardearam uma frota de embarcações nipónicas que se encontrava em Manila.
Afundaram quinze navios e obrigaram os japoneses a esconder os barcos que resistiram fora do que pensavam ser o raio de acção dos bombardeiros.
A baía de Coron e as águas em redor de Busuanga foram os ancoradouros escolhidos. Os aviões de reconhecimento americanos acabaram por descobrir o paradeiro da frota.
Às seis da manhã de 24 de Setembro, depois de descolarem de porta-aviões e voarem 550km (na altura, uma distância recorde para este tipo de ataques) em mais de seis horas, levaram a cabo um ataque devastador que afundou ou danificou outros 24 barcos.
Entre as embarcações, encontravam-se jóias da marinha japonesa: o Akitsushima, o Kogyo Maru e o Irako todos com cerca de 150 metros de comprimento; o Olympia Maru; o Lusong e o Tae Maru.”
Parte deles afundaram ao alcance dos mergulhadores e até snorkelers. Assim continuam.
A Omnipresença de Jim no Hotel Sea Dive de Coron
A Jim, o norte-americano expatriado dono do hotel, o abrigo em Busuanga parece ter corrido melhor. Passada a fase de adaptação, garantido o sucesso do seu investimento inicial no Sea Dive, Jim limita-se a colher os lucros garantidos pela febre gerada pela frota afundada.
Em simultâneo, usufrui dos cuidados femininos fáceis que abundam em Coron, como um pouco por todas as Filipinas.
Sem muito mais que fazer, pavoneia-se pelo bar e pela sala de refeições exterior do estabelecimento que ergueu quase só em madeira, também ele, se visto do mar contíguo, com a forma de uma embarcação multi-convés.
Jim oferece uma outra sugestão aos mergulhadores estrangeiros que detecta a planearem as suas aventuras. Logo, desaparece na companhia das jovens do seu séquito de empregadas e acompanhantes nativas.
Deixamos de o ver por algum tempo. Nem que seja porque partimos à descoberta das redondezas de Coron.
À Descoberta da Vizinha de Busuanga e dos Seus Lagos
Sabemos que por ali existem sete lagos, todos cercados por rochedos de calcário. Sabemos ainda que, destes, se destacam o Kayangan e o Barracuda, ambos com acesso através de enseadas com cores marinhas de postais do paraíso.
Começamos por visitar o primeiro. Mal a bangka barulhenta que nos transporta atraca, subimos a uma das vertentes rochosas que isolam o lago do oceano.
Uma vez do outro lado, descemos outro trilho até às suas margens abruptas.
Quando entramos no Kayangan, somos quase os únicos nadadores naquela espécie de aquário natural. A exclusividade dura menos do que desejávamos.
Várias excursões de coreanos e japoneses invadem o lago e entregam os clientes a uma diversão entre o infantil e o tresloucado, a chapinharem e a boiarem em grupo, sustentados por coletes salva-vidas garridos que aniquilam a magia do estranho cenário tropical.
Falta ao Kayangan a característica mais interessante do “irmão” Barracuda:
as três camadas sobrepostas de água doce, salobra e salgada.
Mudamos de enseada e verificamos a excentricidade química deste último, na paz líquida que tínhamos sentido por momentos no lago irmão e que reconquistamos com apreço.
Quando a sombra se apodera do Barracuda, regressamos a Coron e ao SeaDive.
Jim reaparece na manhã seguinte. Um batalhão de mergulhadores embarca em várias bangkas pré-alinhadas no retalho de mar de que se eleva o hotel. Sob a supervisão do anfitrião, as operações fluem sem percalços.
Assim que sente as embarcações desaparecer da vista do varandim, Jim regressa à sua vida. Farto da frota nipónica afundada e de tanto mergulho, carrega a sua própria lancha com mobiliário e utensílios de praia, comida, cerveja e outros géneros.
Já ao leme, despede-se com trejeitos de político sem escrúpulos dos funcionários e dos hóspedes curiosos. Logo, zarpa com um grupo de amigos e acompanhantes filipinas, rumo ao seu piquenique num recanto balnear qualquer de Busuanga.
A Excentricidade Bélica do Mergulho em Coron
Todos os embarcados regressam ao fim do dia.
Vêmo-los trocarem narrativas entusiasmadas das suas peripécias, regadas por cervejas San Miguel geladas.
Os proeminentes franceses, discípulos de Jacques Costeau, adeptos incondicionais destas odisseias exóticas lideram o debate: “A determinada altura, percebemos mesmo que era mesmo o Kogyo Maru.” afiança um deles. “Havia coral por todos os lados.
Os mastros estavam cobertos de coral-alface em que se escondiam pequenas colónias de peixes-leão. Descemos ao longo do convés no meio de cardumes ondulantes de peixes-fuzileiro, peixes-morcego, alguns cavalos-marinhos solitários e até tartarugas.
O barco estava repleto de vida, foi mais que impressionante! … tudo iluminado por uma luz azul fria estilo extraterrestre que chegava da superfície.”
As embarcações japonesas ali afundadas são mais longas que a profundidade a que jazem.
Proporcionam mergulhos sem grandes dificuldades técnicas, ainda assim, arriscados devido às armadilhas labirínticas que as estruturas complexas e agora camufladas pelas algas e corais suscitam.
São inúmeras as possibilidade da suas exploração. Era esse o motivo porque as expedições de muitos dos mergulhadores no Sea Dive duravam vários dias.
Jim regressa à sua base hoteleira com espalhafato comparável ao da partida. Deixa o descarregamento da lancha a cargo dos empregados do hotel.
Em vez, inteira-se pela enésima vez da situação subaquática do Okikawa Maru, do Tangat, do Akitsushima e companhia.
Na realidade pouco ou nada interessado naquela repetição das experiências alheias, proclama sem qualquer pejo: “muito bem rapazes, estou a ver que continuam com a adrenalina toda.
Vejam mas é se arranjam umas filipinas jeitosas para se acalmarem!”.