Percorridos 50km de província Limon rural e solarenga, o limiar rodoviário de La Pavona depressa põe os pontos nos is quanto à ilusão de uma qualquer benesse barométrica.
Ainda nos dirigíamos para a protecção do bar-restaurante quando nuvens plúmbeas e inclementes lançam um dilúvio sobre o embarcadero.
Num momento em que as bátegas se aligeiraram, subimos a bordo do barco em que seguiríamos com destino a Tortuguero. À espera de outros passageiros, voltamos a sair em prospecção fotográfica.
Damos connosco encurralados por nova chuvada debaixo de um abrigo tosco de barrotes e tábuas.
Abençoava-o e os recém-chegados à beira-rio um santuário como nunca tínhamos visto, composto de uma tartaruga pernuda esculpida em madeira escura.
E, debaixo da carapaça elevada, uma estatueta verde brilhante, do que nos parecia uma Nossa Senhora a segurar um menino Jesus.
Por fim, com todos a bordo, Carlos Arceyut, o anfitrião do Laguna Lodge dá-nos as boas-vindas, apresenta-nos ao capitão do barco Minor.
Minor zarpa para o Suerte, um afluente do rio Tortuguero, outro de vários rios que fluem da Cordilheira Central na direcção da costa caribenha da Costa Rica e que alagam vastas áreas no seu caminho, como é o caso da de Caño Negro, mais a ocidente.
Passados 20 minutos, como por milagre da inusitada divindade, as nuvens abrem.
Durante quase uma hora, sob uma cúpula já só quase azul celeste, ziguezagueamos pelos os meandros do Suerte, até entrarmos num canal amplo apontado à povoação de San Francisco e à Laguna Penitência.
Dobrado o gancho de uma tal de Isla Quatro Esquinas, deixamos um passageiro na povoação de Tortuguero.
Voltamos a subir o canal paralelo ao da Laguna da Providência até que, sobre a hora prevista, ancoramos no Laguna Lodge.
Laguna Lodge, entre os Canais do Parque Nacional Tortuguero e o Mar das Caraíbas
Lá nos instalamos, entre o derradeiro canal da viagem e o Mar das Caraíbas e, mal saímos para o alpendre do quarto, já nos víamos em convívio com a fauna em redor.
Um grande baque deixa-nos de sobressalto. Ocorre-nos que o deveria ter causado um coco descartado pelo seu coqueiro.
Um olhar mais atento, revela-nos uma grande iguana recém caída do cimo de uma árvore e estatelada no solo humedecido.
Acompanhamo-la, incólume, mas algo atordoada, no regresso ao seu sono interrompido nas alturas.
Num cenário e ecossistema único como aquele, não queríamos desperdiçar um minuto que fosse.
De acordo, voltamos para o canal, uma vez mais capitaneados por Mainor e guiados por Carlos Arceyut.
A Vida Quase Anfíbia e Arriscada do Parque Nacional Tortuguero
Vasculhamos a vegetação das margens em busca de animais quando um trio a bordo de uma canoa “Rosmery”, esforçado a remar contra a corrente, nos chama a atenção. “São o Sr. Emílio e os filhos.” diz-nos Carlos. “Foram pescar à boca do rio. Vamos ver o que apanharam”
Carlos interpela-los. Instantes depois, os pescadores exibem-nos um enorme robalo e um pargo só algo mais pequeno. “Para eles, pescaria desta é rotina. Conhecem estes canais como ninguém e já passaram por tudo.
Só para terem ideia, uma vez, um dos filhos do Sr. Emílio foi atacado por um crocodilo, até próximo de onde apanharam estes peixes. Sabem como ele se safou? Bateu-lhe com um pau. Não foi por isso que deixaram de lá voltar.”
Emílio e os descendentes não eram os únicos a recusarem intimidar-se pela omnipresença dos vorazes répteis.
Umas centenas de metros para montante, cruzamo-nos com um outro trio, desta feita, a bordo da canoa “Miss Sibella”. Dª Rosana, Axel e Genesis pescavam camarões de rio, que desemaranhavam de ilhas flutuantes de vegetação. Estabelecemos nova abordagem.
Malgrado uma certa timidez inicial, também eles nos lembrar que habitam sobre a água e que se os crocodilos os mantivessem longe dos canais, não poderiam viver. “De qualquer maneira, é para evitar chatices que eu tenho a canoa entre mim e a margem.
Fazemos o que podemos.”
Tortuguero, a Povoação Caricata
O sol já quase assentava sobre a selva para ocidente. Prolongamos a navegação na direcção da povoação Tortuguero. Desembarcamos ao som de cumbia vinda de um bar de rua, àquela hora, com poucos clientes.
Mais que a banda sonora caribenha, é a imposição de um núcleo inusitado de estátuas que nos tira do sério.
Logo em frente ao molhe, para lá da colónia de pneus que amortece a atracagem dos barcos e acima de um parque infantil multicolor, uma arara verde convivia com um tucano.
Alguns metros para a esquerda, dois ursos polares sentados sobre um telheiro apreciavam a converseta das aves e o seu reflexo tremelicante na água escura do canal.
A razão de ser das aves era-nos clara.
A dos ursos polares, carecia de uma explicação. “Ah! Ficou aí de uma publicidade ou patrocínio de uma marca de gelados.
Acho que até era a Esquimo.” elucida-nos Carlos.
Estátuas à margem, a aldeola de Tortuguero foi gerada por ticos ancestrais, mestizos de afro-caribenhos, indígenas miskitos e de imigrantes de outras paragens bem mais longínquas.
Das Origens de Tortuguero ao Regresso Recompensador ao Laguna Lodge
Desenvolveu-se sobretudo pela necessidade de mão-de-obra das plantações de cacau que, pela sua iminência acabou por suscitar a exportação adicional de carne de tartaruga, também para os E.U.A. e a Europa.
Admiramos como o ocaso dourava o casario de Tortuguero. Extenuados de todo um dia de viagem rodoviária e fluvial, cedemos a trocar a penumbra intrigante do lugarejo pelo abrigo acolhedor, recarregador de energias do Laguna Lodge.
Enquanto jantamos, resistimos a uma tentativa de assalto de uma família de coatis esfomeados.
Deitamo-nos cedo, convencidos de que enfrentaríamos um novo dia solarengo, repleto de novidade e actividade, como o que se encerrava.
Enganávamo-nos e não era pouco.
Um Inesperado Dramatismo Meteorológico
A meio da noite, um ribombar que mais parecia o Mar das Caraíbas a passar-nos por cima do quarto faz-nos despertar em sobressalto. Quando espreitarmos pela janela, percebemos que se tratava de uma chuva diluviana, empurrada de norte por rajadas de vento quase ciclónicas.
A época dos furações do Caribe tinha findado havia uns dez dias. Ainda assim, em Dezembro, é comum frentes frias descerem pela América Central e descarregarem a sua humidade e fúria do lado caribenho.
As bátegas sucederam-se toda noite. Prosseguiram pelo dia fora. Agitaram e inflaram o Mar das Caraíbas acinzentado e, ali, mesmo em tempos de bonança, pouco aconselhável a banhos, devido às fortes correntes e à abundância de tubarões-touro.
Passou-se todo outro dia. Não passou a tempestade.
Neste descalabro meteorológico tão natural no pluvioso Tortuguero, o Mar das Caraíbas limitou-se a projectar as suas ondas quase até à floresta de coqueiros.
Já no canal, a água subia a olhos vistos. Invadiu o embarcadouro. Galgou a orla do jardim.
Nesse tempo, por três vezes, Luís Torres, um outro guia ao serviço do lodge, apareceu ao nosso serviço e, para frustração partilhada, viu os seus préstimos por nós adiados.
Assim foi até que, duas alvoradas tenebrosas e tormentosas depois, à terceira, a intempérie deu de si.
Despertamos sem chuva nem vento. Em vez do céu irado a desenrolar-se sobre as nossas cabeças, uma névoa suave massajava o cocuruto verdejante da selva.
Por Fim, de Volta aos Canais do Parque Nacional Tortuguero
Quando terminamos o pequeno-almoço, Luís Torres está uma vez mais a postos no embarcadouro, acompanhado pelo capitão da lancha, Chito, alcunha que substituiu o seu nome real Braulio.
“Desta vez, é mesmo, Luís, não se preocupe. É, e vai ser já” garantimos-lhe, imbuídos da mesma ansiedade evasiva do guia. Minutos depois, estávamos a navegar o canal.
O território previsto era bem mais amplo que o do dia inaugural. E, no entanto, bastou-nos atravessar para a margem oposta para logo nos maravilharmos.
Após o longo castigo ensopado, como nós, boa parte dos animais ansiavam pelo afago solar. Chito e Luís detectam uma família de macacos-uivadores numa árvore.
Enquanto os admiramos e fotografamos, encontram uma mãe preguiça ainda encharcada a dormitar ao sol, com uma cria de olhos piscos sobre o dorso.
Entusiasmados pelo absoluto revés na sorte que o Parque Nacional Tortuguero nos guardava, esforçamo-nos por deixar as criaturas entregues ao seu perene sono.
Apontamos uma vez mais à aldeia das aves-estátuas e, logo, ao gancho do canal. Na extensão da povoação, atingimos a entrada da área protegida.
Depois de três dias de acesso e de abrigo forçado, por fim, íamos aceder ao âmago selvagem e inundado do Parque Nacional Tortuguero.
Artigo realizado com o apoio de:
LAGUNA LODGE TORTUGUERO