Por fim, cumprido um périplo aturado de recolha de passageiros, chegamos à doca prevista.
Embarcamos num catamarã de grandes dimensões e instalamo-nos receptivos ao sol tropical, ainda matinal.
Pouco depois, sobre um oceano Índico tranquilo e translúcido, confirmamos que o dia se desenrolaria bem mais prazeroso do que tinha começado.
O “Catalina” – assim se chamava o veleiro – ruma a leste e a Felicité, uma ilha com os seus dois terços sul ocupados pelo Parque Nacional Ramos.
É outra das áreas em que as autoridades protegem ecossistemas únicos das Seychelles.
Atracamos ao largo da costa norte.
Por ali, inauguramos o snorkeling do dia, num mar turquesa, com vista para a típica combinação de coqueiros e blocos anfíbios de granito característicos do arquipélago.
A fauna subaquática depressa se revela, abundante e garrida.
Como é apanágio destas incursões turísticas dos trópicos, em três tempos, a tripulação pesca os peixes necessários ao almoço de daí a pouco.
Reembarcamos revigorados pela Felicité.
Da Île Felicité à Île Cocos, em Modo de Snorkeling
A escala que se seguia estava à vista.
Tratava-se da Île Cocos, parte de outro parque nacional que integrava duas ilhas vizinhas do mesmo arquipélago diminuto, com os seus rochedos e vegetação destacados de um mar ainda mais cristalino, habitat da ameaçada de extinção tartaruga-de-pente.
Repetimos a fórmula.
Entretemo-nos a perseguir cardumes apreensivos e espécimes que, ora surgiam, ora sumiam, na amálgama coralífera que os acolhia.
A Passagem Pioneira de Vasco da Gama e o Alheamento de Portugal
De novo a bordo, enquanto recuperamos o fôlego e secamos as peles a ficarem tostadas, abordamos um vector histórico que intriga e para sempre intrigará qualquer português à descoberta das Seychelles:
o facto de Vasco da Gama por lá ter passado, em 1503, no regresso da sua segunda viagem à Índia, numa rota menos habitual.
E de as ter provavelmente baptizado de Ilhas do Almirante.
E o outro facto as ter desprezado, em temos coloniais, mais preocupado com atingir, em segurança, primeiro a Ilha de Moçambique e, no culminar de nova longa e aventurosa epopeia, Lisboa.
Este e futuros alheamentos, abriram portas à posterior ocupação e reclamação dos rivais franceses.
Rumamos a ocidente, apontados a norte de Praslin, a segunda maior ilha das Seychelles.
Desembarque na Île Curieuse e as suas Tartarugas Gigantes
Ancoramos numa tal de baía Laraie, de onde passamos para terra.
Além de um recife coralífero e de um areal alvo derivado da sua erosão, damos com a praia de Anse Papaie, porta de entrada para um complexo conquistado à floresta, em função de outra das atracções incontornáveis das Seychelles, as suas tartarugas gigantes.
Lá as encontramos, arrastando-se e à sua incrível antiguidade.
À chegada dos forasteiros, um par de tratadores encarregam-se de lhes oferecer os seus petiscos vegetais preferidos e de, assim, as activarem.
Favorecidos pela lentidão das criaturas, uns poucos visitantes recolhem pedaços de sobra.
Expõe-nos.
Conseguem movimentações e esticares de pescoços algo extraterrestres e, com o devido desconto, competitivos.
Tartarugas de Aldabra: do Perigo de Extinção à Disseminação pelo Índico
A partir do momento em que os descobridores europeus trespassaram os seus domínios perdidos no Índico, a Tartaruga de Aldabra ficou à mercê do Homem.
Nas vigências coloniais francesa e britânica, foram abatidas às centenas, para satisfazerem necessidades alimentares e em função das suas volumosas carapaças.
Este abate sistematizado provou-se ainda mais danoso por se tratar de uma espécie com o seu quê de especial.
A Tartaruga de Aldabra é a maior à face da Terra. Pode atingir mais de 1.20 metros e até 300kg.
Um seu espécime baptizado como Jonathan e que subsiste na ilha de Santa Helena onde habita a residência do governador, nasceu em 1832.
Com 191 anos, é considerado o animal terrestre conhecido mais idoso da Terra.
Várias das tartarugas gigantes que habitam La Digue, Curieuse e outras ilhas das Seychelles suplantam o século de vida.
Tal longevidade advém do seu particular processo evolutivo, com, pelo menos, 180 milhões de anos passados, em boa parte no período geológico Triássico em que o arquipélago seichelense integrava a compacta Gondwana.
Do Grande Atol de Aldabra para as Restantes Ilhas Seychelles
Como o nome deixa perceber, a Tartaruga de Aldabra é originária do atol homónimo, o maior atol do Mundo, seco, algo inóspito, disputado por mais de 150.000 espécimes contra meros onze ou doze moradores humanos.
Este número de tartarugas perfaz uma superpopulação problemática.
É a principal razão porque os esforços de preservação mundial da espécie têm passado por a transferir para outras ilhas seichelenses, mas não só.
Também as que admirávamos na Curieuse Island tinham provindo de Aldabra.
Partilhavam-na com outros animais nativos. Os caranguejos, em particular, pareciam ter-se habituado a conviver com os grandes répteis vagarosos.
Ao tentarmos fotografar uma tartaruga de perto, reparamos que um deles se enfiava o mais que conseguia entre as patas do réptil e sob a sua cabeça, como que a exigir proteção.
Distraídos por aquela peculiaridade da vida selvagem, perdemos o rasto ao tempo.
O guia dá o que tínhamos para o Santuário das Tartarugas por findo.
Em Busca da Casa do Doutor
O segundo e derradeiro ponto de interesse da Curieuse Island ficava na costa sul.
Distava cerca de 40 minutos, a pé, por um trilho que passava por praia, se metia na floresta e sulcava manguezal.
Ora, pouco depois de o inaugurarmos, cai-nos em cima uma das bátegas vespertinas que irrigam a tropicalidade das Seicheles.
Chegamos encharcados à entrada silvestre da Anse Saint José.
Como aconteceu durante quase um século, a casa local do Doutor provou-se um abrigo providencial.
Para explicarmos o que ali fazia, entre tartarugas, caranguejos e restante fauna e flora, urge avançarmos na história do arquipélago.
Tinham decorrido 266 anos após o avistamento de Vasco da Gama.
A Disputa das Seychelles entre Franceses e Britânicos
Como descrevemos, os franceses interessaram-se pelas Seychelles. Instalaram-se de armas e bagagens, de povoações, fortalezas e plantações.
Em 1768, incumbiram uma tripulação de reconhecer e mapear as mais de cem ilhas que compunham o arquipélago.
O propósito superior era, na realidade, garantir a soberania francesa, numa era colonial em que os Britânicos se afirmavam os principais inimigos.
Liderava a expedição Marion Dufresne, um navegador e explorador, a bordo de uma escuna denominada “La Curieuse”.
A principal descoberta na ilha, pelo menos para os franceses, terá sido a origem seichelense dos cocos-do-mar, tipos de coco que marinheiros de diversas nacionalidades encontravam a flutuar no oceano.
Diz-se que sobretudo em redor das Maldivas e Sumatra, para onde as correntes arrastavam os caídos ao mar.
Durante um hiato considerável após o estudo de Marion Dufresne, a Curieuse Island manteve-se inabitada e selvagem.
Em 1811, os Britânicos apoderaram-se das Seychelles.
Os Raros Cocos-do-Mar e a Conversão da Ilha em Leprosaria
Mais tarde, a administração britânica de Victoria deparou-se com a disseminação da lepra entre os colonos. Viu-se forçada a isolar os leprosos.
À época, existiam já leprosarias, pelo menos, em Diego Garcia – hoje, lugar de uma controversa base militar britânica cedida aos Estados Unidos – e em Providence. Curieuse revelou-se um caso à parte.
Reza a história que George Harrison, um Agente Civil, valorizava sobremaneira os míticos cocos-do-mar, exclusivos das Seychelles.
Ora, ocorreu-lhe que tornar a ilha uma leprosaria os protegeria de intrusos.
Harrison implementou o plano.
De 1883 em diante, Curieuse recebeu edifícios, parte, dedicados a acolher os leprosos; os restantes, os funcionários e trabalhadores.
A leprosaria seichelense mudou para outras ilhas em diversas ocasiões.
Curieuse voltou a acolher os leprosos em 1938 e até 1968. Nesse ano, os pacientes foram enviados para serem cuidados pelas famílias.
Em Curieuse, subsiste a arejada “Doctor’s House”, erguida em 1873, em madeira, para um médico recém-assignado.
É um dos monumentos nacionais das Seychelles.
Menos antigo que boa parte das tartarugas gigantes do arquipélago.