Vista de uma forma simplória, a viagem para o norte de Palawan podia ser o preço a pagar pelo que de bom estava para vir.
O autocarro, autêntica relíquia folclórica, seguia esforçado ao longo da estrada esburacada que ligava Tay Tay a El Nido. Carregado até mais não, dentro da cabine e sobre o tejadilho, era presa fácil para os outros veículos que o ultrapassavam e deixavam envolto numa nuvem de poeira que se nos entranhava nos poros.
Sempre que embalava para alguns quilómetros de progresso, parava à beira da estrada, para reparar novo furo ou recolher passageiros, uma miríade de sacas e sacos e restante bagagem fora de formato.
Por entre colinas gentis, arrozais secos e áreas de savana filipina, fomos avançando devagar no mapa enquanto as cores garridas da pintura do bus e de tudo o que seguia a bordo eram devoradas por um branco implacável.
A Entrada Empoeirada na aldeia de El Nido
Quase dezasseis horas depois da partida de Puerto Princesa, já no terminal de El Nido, nenhum dos nativos parecia espantado com o desembarque fantasmagórico. Durante a longa época estival, era assim, enfarinhados, que surgiam na povoação os autocarros, jeepneys, carrinhas envelhecidas e tricycles oriundos do sul.
Com cerca de 30.000 habitantes maioritariamente cristãos, dos quais 85% vive em barangays (freguesias) rurais, El Nido é porta de entrada para um dos mais exuberantes cenários da ilha de Palawan: o arquipélago Bacuit.
Apesar de colonizarem um território incaracterístico e improvável no outro lado do globo, os espanhóis vieram encontrar no sul das Filipinas os seus velhos arqui-rivais mouros.
O Passado Sino-Hispânico de Palawan e de El Nido
Na segunda metade do século XVII, frades baseados em Luzon (a maior e principal ilha do país) enviaram missões a Palawan mas depararam-se com forte resistência das comunidades islâmicas locais.
Construíram então igrejas protegidas por guarnições que lhes permitiam defenderem-se dos ataques dos inimigos e conseguiram fixar-se até à revolução filipina de 1898 e à passagem do território para a posse dos Estados Unidos da América.
Por essa altura, El Nido e a área em redor do extremo norte de Palawan receberam as primeiras famílias espanholas: os Canovas, Vázquez, Ríos e Rey.
Ao mesmo tempo, chegaram colonos chineses, alguns da China outros de Luzon e de outras partes das Filipinas: os Lim, Chin, Liao, Edsan, Ambao, Que-Ke, Lim Piao, Yu His, Pe Phan and Pe Khen, entre outros.
Desde a dinastia Sung – 960 a 279 a.C – que os chineses visitavam a zona para recolher os abundantes ninhos de andorinha (collocalia fuciphaga) disputados no reino devido aos seus inúmeros efeitos terapêuticos e ao sabor da sopa em que eram confeccionados, considerada uma iguaria.
Por volta do século XVIII, o produto tinha um tal valor comercial que justificou a emigração de recolectores e intermediários. Mas foi só em 1954, que a povoação recebeu o nome hispânico que mantém, inspirado na importância que os ninhos encontrados nos penhascos de calcário em redor tiveram para a sua afirmação no mapa das Filipinas e do Mundo.
Se os ninhos sempre fizeram parte da história da região, o turismo só surgiu apenas em 1983, quando uma parceria filipina e japonesa de nome Ten Knots Development Corporation, abriu o primeiro resort na ilha de Miniloc e uma pista de aviação no barangay Villa Libertad, nos arredores da cidade.
El Nido, o Ponto de Partida Conveniente para o vasto Arquipélago Bacuit
Em 1996, a revista Time incluiu a zona em redor de El Nido numa lista que classificava os melhores destinos secretos de viagem. Por várias razões, essa distinção pouco perturbou a aura de região remota e selvagem do Arquipélago Bacuit.
Pouco depois, o governo filipino criou a Reserva Marinha local que protegeu uma área de quase 100 hectares com um ecossistema precioso em que se encontram mantas, tartarugas de várias espécies e dugongos, os parentes asiáticos dos manatins.
Hoje, talvez falte a El Nido o charme que a coloque à altura do cenário circundante, como chegam a desabafar alguns visitantes. Se for valorizada a genuinidade, talvez não seja assim.
Encurralado entre a baía de Bacuit e enormes rochedos de calcário afiados, o seu casario térreo mal acabado acolhe negócios orientados tanto para os da terra como para os forasteiros.
Chegam a conviver, lado a lado, casas de rações e outros produtos para galos de combate com pequenos bares, restaurantes e casas de internet. El Nido é um caso urbanístico bicudo.
Apesar de terem usado o nome da población e da região circundante, por a considerarem indigna, os dois resorts requintados ao largo fazem os hóspedes abastados passar-lhe ao lado, de barco. Esta rejeição impede o desenvolvimento, como depressa constatámos.
Um Jeepney Inutilizado e uma Família Humilde da Povoação
Enquanto exploramos areal da baía, descobrimos um jeepney – o veículo nacional das Filipinas, criado a partir de adaptações dos jipes americanos que sobraram da 2ª Guerra Mundial – cor de vinho estacionado no quintal de uma casa de madeira.
Chamamos o dono e perguntamos-lhe se ainda funciona e o que faz ali mesmo à sua porta. Jolly Rivera responde entre o entusiasmo e a desilusão: “Comprei-o para o reparar e montar o meu negócio. Só que as coisas na família não correram bem e ainda não lhe consegui tocar.”
A mãe de Jolly Rivera está logo ao lado. Adoeceu, e voltou do Canada para o abrigo indígena de El Nido onde vive agora, de cadeira de rodas. Jolly gasta demasiado dinheiro com os seus medicamentos e consultas e, por isso, o sonho do jeepney continua adiado.
A servir de S.O.S. a estes casos, lá aparecem alguns mochileiros que, avessos a gastar grandes somas com luxos, impulsionam as economias de algumas famílias nativas de cada vez que se alojam nas guest-houses, se alimentam das mercearias e dos restaurantes e contratam os serviços dos barcos típicos da zona para explorarem o Arquipélago Bacuit.
As Bangkas Para Todo o Serviço
Várias bangkas permanecem ancoradas na baía em frente a El Nido a aguardar passageiros. Já instalados e recuperados da viagem do sul, fretamos uma destas embarcações barulhentas e saímos para a baía com o entusiasmo de quem sabe que a recompensa está a umas poucas milhas.
A bordo seguiam o timoneiro e guia local Johnas e o seu auxiliar, mais Mona e Hans, um casal de suecos a desbravar as Filipinas à moda mochileira mas com remorsos recorrentes por estarem demasiado tempo longe dos filhos e dos netos.
Nos momentos iniciais do percurso ainda se fizeram tentativas de continuar o diálogo estabelecido no embarque mas o barulho do velho motor de dois tempos simplesmente não o permitia. Dedicámo-nos a contemplar a natureza majestosa em redor.
Contornamos a enigmática Cadlao island. Desvenda-se, então, a vastidão do Mar da China do Sul repleto de ilhotas e rochedos disseminados até perder de vista.
A paisagem lembrou-nos outras, asiáticas e famosas: a baía de Halong do Vietname, Guilin, na China e Krabi na Tailândia.
Tem algo adicional. Além dos rochedos de calcário e das lagoas internas, no sopé dos penhascos e escondidos no seu interior, com acesso subaquático, surgiam, uma atrás das outras, praias miniatura, de areia branca e mar sedutor, decoradas por coqueiros em sítios tão improváveis que chegavam a parecer artificiais.
Johnas conduz-nos aos recantos mais interessantes e passa informação sobre cada uma das ilhas e mini-baías: Miniloc e a Secret Lagoon, Lagen, Matinloc, Tapiutan, a praia Seven Commandos etc. etc.
Pára de quando em quando para que os passageiros testem as praias. Aproveitamos cada um desses recreios marinhos até ao último minuto.
E os Distintos Itinerários da ENPOOA pelo Arquipélago Bacuit
A quantidade de ilhas, ilhotas e rochedos do Arquipélago Bacuit é tal que a ENPOOA (El Nido Pumpboat Owners and Operators Association) dividiu o arquipélago em quatro percursos distintos.
Atribuiu a cada um deles um tour a realizar preferencialmente com início às nove da manhã e fim por volta das quatro da tarde.
Mesmo a fotografar, os dias solarengos, são tão pachorrentos e preguiçosos que chegam a gerar remorsos.
Hans e Mona quase faziam o pleno destes itinerários: “Meus amigos, nunca nos sentimos tão bem nas nossas vidas sem fazer nada”, confessou-nos a mais comunicativa esposa. Concordámos sem reservas.
Numa das tardes e dos tours, desembarcamos em Matinloc, numa praia aparentemente deserta, perdida num cenário extraterrestre, feito de lava solidificada. Saltamos para o areal e, logo em seguida, para a água.
No regresso ao areal, reparamos num grupo de homens de trajes de trabalho, acocorados à asiática na sombra das árvores.
O guia adianta que são apanhadores de ninhos. Aproximamo-nos, saudamos o grupo e descobrimos nas suas mãos o conjunto de utensílios que sempre os acompanham. Um saco a tira-colo, uma lanterna e uma faca. Completava o conjunto uma garrafa de whiskey de arroz.
Do nada, damos de caras com a razão de ser do nome El Nido. Johan pede um pedaço de ninho a um dos homens e passa-o para nós: “Incrível não é? ” exclama. “É por isto que eles arriscam a vida.”
A meio da tarde, Johnas e o seu auxiliar voltaram a grelhar peixes recém-pescados que partilhamos à beira-mar em animada conversação.
Logo, desembarcámos na costa sul de Miniloc para visitar nova lagoa, desta feita, a Secret Lagoon, como o nome indica, escondida por entre algumas das falésias de calcário mais altas e íngremes do arquipélago.
Até às quatro da tarde, ainda parámos numa enseada deliciosa da ilha Simisu e subimos a um cume próximo para observar, de cima, a vastidão salpicada do Arquipélago Bacuit.