César desesperaria perante o desempenho destes súbditos.
Abril começou há uns dias. A amihan – a monção do Nordeste e época seca do arquipélago filipino – vai a meio.
O Sol brilha sem piedade mas o calor não chega para desmotivar um batalhão desgovernado de centuriões com vozinhas agudas que guerreiam por tudo e por nada e provocam os espectadores de Boac, a capital da ilha que leva à cena o Festival dos Moriones.
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Moriones invadem uma praia de Marinduque
A Génese Histórica do Festival dos Moriones
O evento foi assim chamado por adaptação de morrion, o termo castelhano para os capacetes dos soldados de Castela que continua a definir os usados pelos foliões. Basta avançarmos até à era das Descobertas para compreendermos a ligação.
Em 1521, Fernão de Magalhães chegou às Filipinas ao serviço de Carlos V. Apesar de ter sido ferido de morte na ilha vizinha de Mactan, o seu sacrifício abriu as portas aos conquistadores espanhóis. Em breve, estes, colonizariam o arquipélago enquanto os missionários que se lhes juntaram, se encarregavam de o converter ao Cristianismo.
Marinduque não escapou à sua acção.
Em 1807, a ilha estava já dividida em várias paróquias e cada padre era livre de formar os novos fiéis como lhe aprazia, desde que de acordo com a Bíblia.
Diz-se que, na de Mogpog, agradavam, em especial, ao Frade Dionísio Santiago, as dramatizações populares e a personagem de Longinus.
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Morione levanta a sua máscara de centurião para arejar.
E a Base Bíblica do Longo Enredo
Segundo os relatos dos Evangelhos,
Longinus terá sido o centurião responsável por satisfazer os judeus em garantir que Jesus e os outros crucificados morriam e eram removidos do Calvário antes do pôr-do-sol, para evitar a profanação do Sabat.
Segundo instruções superiores, deveriam partir-se as pernas aos que ainda estivessem vivos.
Quando Longinus se aproximou de Jesus, pareceu-lhe morto mas, para ter a certeza, o centurião, que só via de um olho, decidiu perfurar o corpo com a sua lança.
Gotas de sangue caíram-lhe sobre a vista cega e curaram-na.
Daí em diante, Longinus e dois outros centuriões testemunharam diversas manifestações divinas, incluindo a Ressurreição.
Essas manifestações levaram-nos a aceitar, com remorso, que Jesus era realmente o filho de Deus.
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Actor que faz de Jesus Cristo leva a cabo o seu papel durante a Via Crucis de Boac.
A sua inesperada conversão provocou a ira tanto dos judeus como dos romanos. Obrigou Longinus a fugir para a Capadócia onde passou a professar o Cristianismo.
Mas as calúnias dos judeus instaram Pilatos a enviar soldados para o capturar e decapitar.
O perseguido acabou por se submeter a esse destino.
Quando os Moriones Romanos Invadem a Ilha de Marinduque
Com o passar dos anos, em Marinduque, a história foi simplificada.
O drama é tratado com uma combinação de respeito e da famosa descontracção do povo mais latino da Ásia.
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Morione de Marinduque em motorizada remove a sua máscara de Moriones para recuperar do calor tropical da ilha.
Durante toda a semana, Mogpog, Boac, Gasan e Santa Cruz são atormentadas por legiões irrequietas.
Cruzam-nas grupos de centuriões anacrónicos, que percorrem as praias e se apoderam de casamentos, onde se atrevem a raptar os noivos.
Formam colunas militares coloridas. Invadem as lojas com exigências de donativos generosos a que a maior parte dos comerciantes tem prazer em ceder.
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Moriones pedem dinheiro numa loja do centro de Boac.
Os Artesãos que Moldam as Máscaram Moriones
Alguns nativos contribuem com a sua arte.
É o caso de Regis e dos sobrinhos, que esculpem com dedicação e mestria as máscaras moriones mais realistas da ilha.
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Artesão criador de moriones, segura duas máscaras recém-produzidas.
“Vivemos e trabalhamos nos Estados Unidos durante a maior parte do ano … “ confessam os rapazes que vestem equipamentos das suas equipas de basquete norte-americanas preferidas. “ … ao chegar a esta altura, arranjamos sempre maneira de vir até cá …”
Outros ainda, preferem trabalhar e divertir-se ao mesmo tempo. Fazem-no mascarados.
Encontramos motoristas de jeepneys (autocarros folclóricos filipinos) e de tricycles, mas também funcionários de repartições públicas, empregados de mesa e até jardineiros.
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Condutor de tricycle de Boac (a principal cidade da ilha de Marinduque) repousa com a máscara de morione a seus pés.
Dentro dos uniformes e das máscaras, o calor é atroz e, muitos, encaram as suas participações no festival como penitências.
Vistas as coisas de uma forma comparativa, não passam de brincadeiras.
A Via Crucis Tropical do Festival de Moriones
Quando chega a tarde de Sexta-Feira Santa é levada a cabo a Via Crucis.
Voluntários devotos desempenham o papel de Jesus e dos dois ladrões e, sob um sol inclemente, carregam as cruzes até um gólgota local.
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Centuriões Moriones chicoteiam Jesus Cristo durante a Via Crucis de Boac.
Também durante a procissão os moriones fazem das suas.
Sob o pretexto do realismo, mandam chicotadas violentas nas cruzes e, demasiadas vezes, nos mártires, que têm que apelar à ajuda divina para não ripostarem e se manterem fiéis à representação.
Em simultâneo, os esgares sádicos dos centuriões – que ali exibem as melhores máscaras de Marinduque – e a dor que vão infligindo impressionam e angustiam, por solidariedade, os espectadores mais sensíveis.
No Calvário, prosseguem, sem exageros, os acontecimentos históricos. Em vez de pregados, Jesus e os dois ladrões são amarrados às cruzes pelos soldados romanos e reverenciados pela multidão.
Representa-se o milagre de Longinus. Pouco depois, Jesus é trazido ao solo e entregue às mulheres que choram a sua morte.
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Centuriões cercam Jesus Cristo, ainda na cruz, tal como foi representado durante a Via Crucis, nos arredores de Boac.
Uma vez removidas as cordas que delimitam o cenário, o público corre para se fotografar na companhia dos seus actores e figurantes preferidos.
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Espectador gay da Via Crucis de Boac pede a dois centuriões para o ameaçarem com as suas espadas.
As Competições de Máscaras e Danças e a Perseguição de Longinus
Chegado o fim de semana, os moriones voltam à carga. Longinus assume um protagonismo ausente das celebrações.
Encontramo-los numa escola de Mogpog – a povoação-berço do festival – onde se realiza um concurso que premeia as melhores máscaras e trajes, segundo diversas categorias.
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Crianças sob vigia de uma gigantesca cabeça morione, durante uma competição de dança e máscaras, em Mogpog.
Do cimo de um palco, em tagalog (o dialecto nacional) o apresentador de serviço agradece a um sem número de entidades e pessoas. Logo, explica aos concorrentes as regras da competição.
A prova começa e a visão a partir desse mesmo palco revela-se surreal.

Morione destaca-se a dançar o êxito “i tak ta mo” durante um concurso de dança de Mogpog.
Numa pista improvisada sobre o pátio da escola, centenas de moriones tresloucados “twistam” lado a lado a coreografia de “i tak ta mo“, a banda sonora de um programa televisivo então idolatrado nas Filipinas.
Um painel de júris observa-os compenetrado, conferencia e elabora misteriosas apreciações.
As exibições duram uma eternidade e deixam os participantes de rastos mas chega-se, por fim, ao veredicto e os vencedores recebem os seus prémios.
Quando os espectadores menos esperam, Longinus surge do nada. É perseguido por uma multidão de centuriões que se esforçam para atrasar a sempre iminente captura.
Segue-se uma decapitação dramática que chegue que, emociona e salpica o público.
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Artesão segura uma das muitas máscaras que cria em madeira.
E deixa a cabeça do romano sobre uma poça de tinta cor-de-rosa.